OS DESBRAVADORES
Capítulo 09
Calfilho
IX
Foram mais dois dias de viagem até o próximo porto,
Baleia, ainda na costa cearense.
– Como é grande esse litoral brasileiro – comentou
Faustino com Maria Teresa. – A gente viajou, viajou, e ainda não saiu do Ceará.
Estavam os dois de braços dados junto à amurada do
“Rosamar”, observando a costa ao longe, aguardando que tocasse a sineta
anunciando o jantar. O por-do-sol estava maravilhoso, o astro-rei parecendo uma
bola de fogo, escondendo-se aos poucos na linha do horizonte, espargindo seus
raios brilhantes nas águas da imensidão do azul do oceano. Os navios
cargueiros, normalmente e ainda mais naquela época de poucos recursos, faziam o
trajeto da costa brasileira, sempre mantendo a terra à vista, não se atrevendo
a enfrentar o alto mar.
O fim de tarde estava maravilhoso. O crepúsculo
descendo, a morna brisa batendo de leve no rosto do casal, o cheiro de maresia
e a espuma salgada da água do mar salpicando-lhes gotas refrescantes nas faces,
fizeram Faustino esquecer por alguns instantes as preocupações que João e
Firmino lhe causaram, bem como Maria Teresa deixar de lembrar por momentos as
crises de vômito do início da viagem.
– E o bebê, Teresa? Já está sentindo ele se mexer? –
perguntou ele.
Ela riu. Respondeu:
– Deixa de ser bobo, Faustino. Ainda é muito cedo, só
tem pouco mais de dois meses na barriga.
– Eu estou doido para que ele nasça, quero ver a cara
dele. Será se vai ser menino ou menina? Vai ser o meu primeiro filho, meu
herdeiro. Tomara que ele tenha essa alma aventureira que eu tenho, que não se
acomode nunca com as coisas, que brigue por elas, faça por merecer o que
conquistou. Vai ser um desbravador, jamais um burocrata, isso eu não vou
deixar, se ainda estiver vivo.
Ela sorriu novamente:
– Você nem sabe se ele vai ser homem. Quero ver se
nasce uma menina e você vendo ela desbravando a selva amazônica.
Ele também sorriu, tirando uma baforada do seu cigarro
de palha:
– Ah! Teresa, você não sabe o que eu sinto quando
entro na selva... Sinto aquela falta de barulho, aquela imensidão de lugar,
aquele gigante de rio, parece que eu sou uma pequena formiga tentando achar um
lugar onde eu possa gritar, onde eu possa dizer “aqui eu consigo ser alguém,
consigo vencer todas as adversidades, todas as dificuldades, aqui não tenho
ninguém para me controlar, me vigiar, dizer como eu devo agir, como
proceder...”. “Aqui, eu posso ser eu mesmo, sem mentiras, sem hipocrisias, sem
máscaras a usar”.
Fez uma pausa, meio empolgado. Continuou:
– Era isso que eu queria passar para meu filho, que
ele sentisse essa coisa que eu sinto, essa alegria de enfrentar o desconhecido.
Maria Teresa ficou em silêncio por algum tempo.
Depois, disse:
– Só mesmo você, Faustino, para me fazer te acompanhar
nessa loucura.
Abraçando-se a ele, completou:
– Mas, eu te amo tanto, meu querido, que iria com você
até o inferno se você me pedisse.
Ele, agora sim, emocionado, deu-lhe um longo beijo nos
lábios.
A sineta tocou, avisando que o jantar estava servido.
Dirigiram-se vagarosamente ao refeitório, onde
Jeremias já os esperava, sentado em sua cadeira.
– Por favor, sentem-se – disse, apontando as cadeiras
para Faustino e Maria Teresa.
Depois que se acomodaram, Jeremias continuou:
– Amanhã, por volta das dez, devemos chegar à Baleia,
ainda porto do Ceará. “Seu” Faustino, o senhor quer vir comigo a terra para ver
se encontramos os homens que o senhor precisa? Assim, o senhor conversa com
eles diretamente e decide se servem ou não.
Faustino servia o feijão no prato de Maria Teresa.
Ainda com a concha na mão direita, respondeu:
– Claro, capitão, quero sim. Mas, se o senhor
permitir, quero levar o Pedro comigo. Ele tem um olho melhor que o meu para
selecionar esse pessoal, está acostumado com isso.
– Sem dúvida – retrucou Jeremias. – E a senhora, madame,
também vai querer descer? – perguntou, dirigindo-se à Maria Teresa.
Ela olhou para Faustino antes de responder:
– Não sei, capitão, meu marido é quem decide.
– Acho melhor você não ir, Teresa – disse Faustino. –
Nós vamos falar com gente ignorante, analfabeta, você não vai se sentir bem.
Além do mais, não tenho ninguém para deixar com você, para lhe fazer companhia
enquanto recrutamos os homens.
– Se você quer assim, tudo bem – retrucou ela.
O jantar, como sempre, muito farto e variado. Arroz,
feijão, salada, farinha de mandioca, pernil de porco bem tostado, batata doce
frita. Como sobremesa, frutas e geléia de mamão. Os dois homens beberam vinho
tinto, Maria Teresa suco de maracujá.
Ficaram conversando por mais algum tempo, trocando
idéias sobre suas vidas, seus sonhos, suas experiências.
Recolheram-se à cabine por volta das dez da noite.
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