sábado, agosto 27, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 09




OS DESBRAVADORES

Capítulo 09

Calfilho





IX





Foram mais dois dias de viagem até o próximo porto, Baleia, ainda na costa cearense.
– Como é grande esse litoral brasileiro – comentou Faustino com Maria Teresa. – A gente viajou, viajou, e ainda não saiu do Ceará.
Estavam os dois de braços dados junto à amurada do “Rosamar”, observando a costa ao longe, aguardando que tocasse a sineta anunciando o jantar. O por-do-sol estava maravilhoso, o astro-rei parecendo uma bola de fogo, escondendo-se aos poucos na linha do horizonte, espargindo seus raios brilhantes nas águas da imensidão do azul do oceano. Os navios cargueiros, normalmente e ainda mais naquela época de poucos recursos, faziam o trajeto da costa brasileira, sempre mantendo a terra à vista, não se atrevendo a enfrentar o alto mar.
O fim de tarde estava maravilhoso. O crepúsculo descendo, a morna brisa batendo de leve no rosto do casal, o cheiro de maresia e a espuma salgada da água do mar salpicando-lhes gotas refrescantes nas faces, fizeram Faustino esquecer por alguns instantes as preocupações que João e Firmino lhe causaram, bem como Maria Teresa deixar de lembrar por momentos as crises de vômito do início da viagem.
– E o bebê, Teresa? Já está sentindo ele se mexer? – perguntou ele.
Ela riu. Respondeu:
– Deixa de ser bobo, Faustino. Ainda é muito cedo, só tem pouco mais de dois meses na barriga.
– Eu estou doido para que ele nasça, quero ver a cara dele. Será se vai ser menino ou menina? Vai ser o meu primeiro filho, meu herdeiro. Tomara que ele tenha essa alma aventureira que eu tenho, que não se acomode nunca com as coisas, que brigue por elas, faça por merecer o que conquistou. Vai ser um desbravador, jamais um burocrata, isso eu não vou deixar, se ainda estiver vivo.
Ela sorriu novamente:
– Você nem sabe se ele vai ser homem. Quero ver se nasce uma menina e você vendo ela desbravando a selva amazônica.
Ele também sorriu, tirando uma baforada do seu cigarro de palha:
– Ah! Teresa, você não sabe o que eu sinto quando entro na selva... Sinto aquela falta de barulho, aquela imensidão de lugar, aquele gigante de rio, parece que eu sou uma pequena formiga tentando achar um lugar onde eu possa gritar, onde eu possa dizer “aqui eu consigo ser alguém, consigo vencer todas as adversidades, todas as dificuldades, aqui não tenho ninguém para me controlar, me vigiar, dizer como eu devo agir, como proceder...”. “Aqui, eu posso ser eu mesmo, sem mentiras, sem hipocrisias, sem máscaras a usar”.
Fez uma pausa, meio empolgado. Continuou:
– Era isso que eu queria passar para meu filho, que ele sentisse essa coisa que eu sinto, essa alegria de enfrentar o desconhecido.
Maria Teresa ficou em silêncio por algum tempo. Depois, disse:
– Só mesmo você, Faustino, para me fazer te acompanhar nessa loucura.
Abraçando-se a ele, completou:
– Mas, eu te amo tanto, meu querido, que iria com você até o inferno se você me pedisse.
Ele, agora sim, emocionado, deu-lhe um longo beijo nos lábios.
A sineta tocou, avisando que o jantar estava servido.
Dirigiram-se vagarosamente ao refeitório, onde Jeremias já os esperava, sentado em sua cadeira.
– Por favor, sentem-se – disse, apontando as cadeiras para Faustino e Maria Teresa.
Depois que se acomodaram, Jeremias continuou:
– Amanhã, por volta das dez, devemos chegar à Baleia, ainda porto do Ceará. “Seu” Faustino, o senhor quer vir comigo a terra para ver se encontramos os homens que o senhor precisa? Assim, o senhor conversa com eles diretamente e decide se servem ou não.
Faustino servia o feijão no prato de Maria Teresa. Ainda com a concha na mão direita, respondeu:
– Claro, capitão, quero sim. Mas, se o senhor permitir, quero levar o Pedro comigo. Ele tem um olho melhor que o meu para selecionar esse pessoal, está acostumado com isso.
– Sem dúvida – retrucou Jeremias. – E a senhora, madame, também vai querer descer? – perguntou, dirigindo-se à Maria Teresa.
Ela olhou para Faustino antes de responder:
– Não sei, capitão, meu marido é quem decide.
– Acho melhor você não ir, Teresa – disse Faustino. – Nós vamos falar com gente ignorante, analfabeta, você não vai se sentir bem. Além do mais, não tenho ninguém para deixar com você, para lhe fazer companhia enquanto recrutamos os homens.
– Se você quer assim, tudo bem – retrucou ela.
O jantar, como sempre, muito farto e variado. Arroz, feijão, salada, farinha de mandioca, pernil de porco bem tostado, batata doce frita. Como sobremesa, frutas e geléia de mamão. Os dois homens beberam vinho tinto, Maria Teresa suco de maracujá.
Ficaram conversando por mais algum tempo, trocando idéias sobre suas vidas, seus sonhos, suas experiências.
Recolheram-se à cabine por volta das dez da noite.

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