quarta-feira, julho 25, 2007

COISAS DE GÊNIO...

COISAS DE GÊNIO





Era o maior time da época... Talvez, do mundo todo, só o Santos de Pelé conseguia enfrentá-lo de igual para igual... Manga, Cacá, Zé Maria, Nilton Santos e Rildo; Pampolini e Didi; Garrincha, Amarildo, Quarentinha e Zagalo... (alguns nomes podem estar errados, mas esse era o time-base).
O ano era 1962... O Brasil se sagrara, recentemente, bicampeão do mundo no Chile...
E, a maior estrela da seleção pertencia ao Botafogo... MANÉ GARRINCHA... Fez gol de cabeça, de falta, entortou todo mundo, chegou até a ser expulso... Ele, logo ele, que não ofendia ninguém, que não brigava em campo, que apanhava dos medíocres laterais esquerdos sem reclamar, sem revidar... Mas, com a contusão de Pelé, logo no segundo jogo da Copa, chamou ele para si a responsabilidade de conduzir a seleção... E isso, numa equipe que tinha Gilmar, Djalma Santos, o monstro Nilton Santos, o maestro Didi, o guerreiro Zito e outros inesquecíveis bicampeões...
Garrincha fez de tudo... Foi craque, gênio, moleque, responsável e também não...
E, no Brasil, todos comemoramos o bicampeonato mundial...
Voltou ele à rotina do seu Botafogo... O time, que já havia sido campeão em 1961, estava embalado na luta pelo bi... Garrincha, "acabando" a cada jogo... Era o maior jogador brasileiro da época, apesar de Pelé, com seus apenas 21 anos...
As torcidas iam aos campos só para vê-lo jogar... Todas as torcidas, não só a do Botafogo... Tarde de domingo, Garrincha em campo, os pais preferiam levar os filhos aos estádios do que ao cinema, ao circo, ao Jardim Zoológico, ou a qualquer outro divertimento... O "show" de bola que ele dava nos gramados suplantava, de longe, qualquer outro espetáculo... Foi por causa dele que a torcida do Botafogo cresceu tanto... Os meninos que acompanhavam os pais para ver Garrincha jogar, são os botafoguenses fanáticos dos dias de hoje...
Todos os torcedores, todos os jogadores sabiam o que ele ia fazer quando tinha a bola dominada em seus pés... O drible rápido para a direita, a corrida fulminante que ninguém conseguia parar, o cruzamento certeiro para o meio da área... Ali, quase sempre, Quarentinha ou Amarildo conferiam... Às vezes, até, era irreverente... Não contente com o primeiro drible, o lateral esquerdo já batido, ultrapassado, ele parava no meio do pique para o gol, dominava a bola com delicadeza e chamava o adversário para um novo drible (Coronel, do Vasco, que o diga...).
Em novembro de 1962, o Botafogo foi a Teixeira de Castro enfrentar o Bonsucesso, pelo Campeonato Carioca. Estadinho pequeno, lotado, torcida praticamente dentro do campo, um frágil alambrado a separar as arquibancadas da linha lateral... Os torcedores, a maioria botafoguenses, mas também em grande número, a torcida do Bonsucesso, clube de prestígio na época...

* * *

VESTIÁRIO DO BOTAFOGO: acanhado, sem conforto, o time, já uniformizado, fazia o aquecimento... Nilton Santos comandava o polichinelo... Todos já transpiravam, prontos para o jogo...
Menos Garrincha... Sozinho, sentado num banco de madeira, sem camisa, colocava as meias... Assobiava, fora daquilo tudo... Pegou uma das chuteiras, bateu com as travas no chão, olhou distraidamente para todo aquele movimento... Seus companheiros continuavam com o polichinelo, gritando em voz alta: “um, dois, três, quatro, cinco, seis, o Bonsuça é "freguês"... Os dirigentes, eufóricos com a campanha da equipe, davam entrevistas às estações de rádio, distribuíam tapinhas nas costas dos jogadores...
- "Vamos lá, vamos lá, é p'ra ganhar...".
- "Não pode perder, perder p'ra ninguém...", cantavam outros o trechinho do hino do clube...
Garrincha, sério no seu canto, sem parar de assobiar, calçava agora suas chuteiras...
Vestiu a camisa nº 7, a gloriosa... Nilton Santos, seu compadre, que já conhecia bem suas manhas, chamou:
- Anda Mané, vem logo, "esquenta" um pouquinho...
Ele, que não gostava de fazer exercícios físicos, bateu com as chuteiras no chão e fez um aceno com a mão direita:
- Já vou, espera aí, essa chuteira tá apertada...
Nilton sorriu, sabia que ele iria "enrolar"...

* * *

Entraram no vestiário vários dirigentes do Bonsucesso. O Presidente, o Diretor de Futebol, o técnico e outros mais... Dirigiram-se aos colegas botafoguenses... Enquanto conversavam em voz baixa, olhavam todos para Garrincha, que, em seu canto, urinava tranqüilamente... Pareciam ter algum receio de se dirigir a ele... Olhavam-no com respeito, para o maior jogador de futebol do mundo, que, humildemente, mijava num vestiário de quinta categoria, de um pequeno clube de subúrbio carioca... Ah! se Garrincha estivesse jogando na Europa...
Os dirigentes do Botafogo chegaram até perto dele. Um deles falou:
- Mané, o pessoal do Bonsucesso veio pedir p'ra gente falar com você não forçar muito em cima do lateral esquerdo deles...
Garrincha olhou para eles, coçou a orelha e perguntou:
- Ué, por quê? O que é que eu faço?
Um dos dirigentes respondeu:
- É que esse lateral a gente tá pensando em contratar, já que o Rildo vai p'ro Santos... -- E, eles estão doidos p'ra vender... Ele tem 19 anos e promete muito...
Mané olhou novamente, já agora desconfiado... O dirigente logo emendou, temeroso de sua reação, inclusive se ele fosse comentar com Nilton Santos, indiscutivelmente o grande líder da equipe, com total ascendência sobre os outros jogadores:
- Finge que você sentiu alguma coisa, passa a mão no joelho, cai no chão, mas não parte p'ra cima dele... Como eu te disse, ele promete e o preço do passe não vai custar caro...
Garrincha coçou novamente a orelha direita... Perguntou, sério:
- O resto do time sabe disso? Olha o bicampeonato...
- Não, ninguém vai saber. Além do mais, o jogo é fácil...
- Bem, se valer a pena p'ro Botafogo... tudo bem - completou, fazendo um aquecimento de mentirinha...


* * *

Os times entraram em campo... O estadinho quase veio abaixo... A torcida do Bonsucesso, fanática, provocava a do Botafogo... Antigamente, antes da maldição da caixa d'água que desabou sobre o futebol carioca, os jogos dos times pequenos contra os grandes, nos estádios daqueles, eram uma verdadeira festa... Não havia clube pequeno sem torcida... Bonsucesso, Madureira, Canto do Rio de Niterói, Olaria, São Cristóvão... Hoje, o deserto, os estádios vazios, os clubes falidos...
Garrincha é vaiado logo ao sair do vestiário, próximo à torcida leopoldinense...
Todos torciam pela nova estrela do Bonsuça... Rápido, ágil, um crioulinho atrevido, todos confiavam que ele iria parar Mané... Jordan, Altair, Coronel, grandes laterais esquerdos, até com passagem pela seleção, esses não conseguiram, mas a cria da casa conseguiria... Até onde ia o fanatismo das torcidas...
Foguetes, torcida empolgada, todos felizes da vida, afinal de contas éramos bicampeões do mundo... O centro mundial do futebol era aqui... Todos tinham que se render à evidência maior...
O jogo começa... Didi lança Garrincha... A bola sai pela lateral... Cacá aprofunda, procurando Mané (estava tão acostumado, fazia aquilo de olhos fechados)... O lateral do Bonsucesso, revelação do ano, domina a bola, passa por ele e sai jogando... O gênio parecia desligado, fora do jogo... Terceira, quarta, vigésima jogada e ele se deixa dominar...
Praticamente, não tocou na bola... Ela, mágica, enfeitiçada, caprichosa, parecia fugir dos seus pés... Procurava, apenas, a jovem revelação...
O lateral se empolgou... Era a maior figura em campo... Ao final do primeiro tempo, outra bola lançada para Garrincha, procurando por ele... O gênio, esquivo, fugindo dela, não vai...
O lateral domina no peito, faz dois balõezinhos e joga por cima dele, apanhando-a do outro lado...
Termina o primeiro tempo... Zero a zero... A torcida do Bonsucesso, em delírio, aplaude seus atletas, principalmente o lateral... Gritam alguns:
- Garrincha, tu não é de nada...
Voltam para os vestiários. Garrincha e o lateral se cruzam no caminho, a torcida do Bonsucesso provocando o craque, ele bem longe daquilo tudo...
O lateral, olhos de menino, sorriso de deboche, ofegante, diz p'ra ele:
- Você já acabou, mascarado... Vou te enfiar uma bola debaixo das pernas no segundo tempo...
Mané, ainda desligado, mas sério, baixou o olhar na sua timidez característica (talvez procurasse uma pipa perdida, ou uma bola de gude)... O coro da torcida contrária gritava alto contra ele... As vaias eram intensas... Levantou os olhos...
Disse para o lateral, quase num sussurro:
- Eu acho que você não quer jogar no Botafogo não...
O menino ficou surpreso, não entendeu... Voltou para o vestiário meio abobalhado, sem ter compreendido direito o que o gênio lhe dissera... Ficou matutando, enquanto tomava o banho do intervalo...

* * *

No segundo tempo, ele compreendeu...
Humilhado, driblado, caído, sentado no chão, após levar mais uma bola por entre as penas, no auge dos seus 19 anos, só tinha tempo para olhar para trás, vendo o gênio, bola escrava entre os pés, quase junto à linha de fundo, mais uma vez levantar o braço esquerdo e com os dedos indicar a Amarildo ou a Quarentinha onde o centro da direita iria parar...
BOTAFOGO 5 X 0...
É, gente boa, o lateral acabou sendo contratado pelo Glorioso... A pedido de Garrincha...


* * *

E DAÍ...

E DAÍ...




O nome dela: Jane.
O dele: Márcio.
Nenhum dos dois tinha certidão de nascimento... Não foram registrados, não conheceram direito o pai e a mãe... Deles, somente restaram lembranças vagas, imprecisas, de uma infância miserável, faminta, maltratada...
Chamavam-se por esses nomes quando se conheceram, apenas para ter algum nome para um se dirigir ao outro... Dormiam nas calçadas, em Araruama, lá no interior do Estado do Rio...
Ele, com quinze anos; ela, com treze...
Chegaram à Tonelero, em Copacabana... Pediam uma coisa aqui, outra ali...
Sobreviviam...
Era tão bonito quando eles pediam alguma coisa e você dava... Um pedaço de pão, uma roupa velha, até uma oração...
" Crianças, isto é o que eu posso fazer por vocês...".
Eles... tão distantes, tão descrentes de tudo e de todos... Olhares tristes, sem esperança, sem presente, sem futuro... Araruama, bem longe... Nada a ver com Copacabana, aonde vieram parar pensando conseguir algo melhor... Onde viemos parar?
Deixaram rolar as coisas... Uma migalha aqui, outra ali... A vida, tão difícil em Copacabana, decidiram voltar para Araruama... Pediram a você dinheiro emprestado para a passagem, você deu...
Araruama, pior ainda... Fome. Frio. Sede... Sem ninguém para lhes dar a mão, para ajudar... Preconceito contra a pobreza, pior que no Rio... Nem ao menos as migalhas de Copacabana...
Voltaram... A pé, de carona... Tonelero, outra vez...
Juntaram-se a um outro grupo de abandonados, da mesma idade que eles, que já tinham tomado conta de seu antigo ponto na calçada, debaixo da marquise daquele edifício, quase esquina com Santa Clara...
Quatro meninos e duas meninas, todos sujos, maltrapilhos e subnutridos...
Durante o dia, perambulavam pelas ruas, pediam aqui e ali, comiam o que conseguiam arranjar... Um pão duro, um café com leite, quando tinham alguma sorte...
À noite, reuniam-se todos embaixo da marquise, dividiam entre si oito cobertores velhos, aqueciam-se nas madrugadas frias dormindo encostados uns nos outros, os corpos sujos e magros embolados, gozando inconscientemente, até sem perceberem....Jane engravidou... O pai, talvez não fosse o Márcio, não sabia em quem encostara... E daí?
Márcio morreu... assassinado por um segurança de um cara rico, todo poderoso, grande industrial, morador da Tonelero, que nem sabia onde ficava Araruama... Márcio pediu uma esmola ao segurança, este não gostou, Márcio respondeu com um palavrão... No dia seguinte, pela manhã, seu corpo estava estirado no chão, junto ao túnel da Pompeu Loureiro, com duas balas na cabeça...
E daí?
Jane, hoje continua embaixo de uma marquise, morando em uma calçada... Arranjou um novo companheiro, Reginaldo... Está com uma barriga de sete meses...
Tonelero jamais, distância dela...
Ali mataram o Márcio...
Santa Clara, agora...
E daí?

* * *

quarta-feira, julho 18, 2007

O 484...

O 484 ...




Silvinha chorava... Choro sentido, sofrido, remoído... Duas pequenas lágrimas, somente duas, rolaram por seu rosto... Procurou controlar-se... Pegou o lenço YES, enxugou o arranhão na maquiagem e foi em frente...
A Nossa Senhora de Copacabana estava cheia, gente às pampas andando de um lado p'ro outro, de cima para baixo e vice-versa... Era pouco mais de meio-dia...
Fez sinal para o 484, o COPACABANA - OLARIA. Passava na Praça XV, ali ela ia descer para encontrar-se com Sérgio, seu noivo.
Ainda bem que o ônibus não estava muito cheio... Detestava viajar em pé... Pagou a passagem, sentou-se num dos primeiros bancos...
Pouco tempo depois, sentou-se ao seu lado um elemento não muito simpático, até mal encarado... Sentou-se e foi logo abrindo as pernas, encostando a dele na dela, que usava uma mini-saia.
Silvinha retraiu-se e começou a ler aquela revistinha de sempre (a que usualmente carregava em sua bolsa), evitando olhar para o elemento. Este, olhos vermelhos, mas, ao mesmo tempo, com cara de sono, fingia dormir. Abria e fechava os olhos, a cabeça cambaleava, procurava encostar-se cada vez mais junto a Silvinha...
Ela afastou-se, chegou mais p'ro canto... Já estava cansada, passara a noite em claro, tinha chorado muito, tudo o que tinha direito, já havia ressecado suas lágrimas...
- "Cara chato", pensou...
Sua mente divagava, tudo para ela estava tão longe... Perdera a pessoa de quem mais gostava, Joaquim, seu irmão... Morrera tão depressa, tão frágil, sem avisar, sem mandar notícias...
Só soubera de sua morte pelo telegrama... Três simples palavras... "SEU IRMÃO MORREU...".
Aí, para ela, tudo desabou... Sempre foram tão amigos... Quanto ela sofreu, desde que seu pai e sua mãe morreram naquele maldito desastre, em l975... Joaquim e ela, ele três anos mais velho, os dois sozinhos no mundo, combinaram não recorrer a ninguém, a qualquer parente...
Largaram todos eles de lado, deram-se os dois as mãos e foram à luta... Ele, o grande "play-boy", o aproveitador da vida... Quem diria...
Os dois decidiram que cada um iria levar a sua vida, mas sempre comunicando um ao outro o que iriam fazer... Um sabendo os passos que o outro iria dar....Foram treze anos... Joaquim foi para Roma, Silvinha continuou no Rio. Mas, sempre se telefonavam, se falavam, se curtiam...
O elemento arregalou os olhos. Encostou-se mais junto a ela... O 484 já trafegava pelo Aterro...
Silvinha deu-lhe um empurrão... O elemento, doidão, acreditou que ela correspondera ao seu "encostão"... O ônibus, em velocidade, fez uma curva em que quase derrapou... Silvinha acabou encostando sua perna na do elemento... Ele teve a certeza de que ela gostou e se empolgou... Apertou a mão, com força, na perna de Silvinha... Levantou-se rapidamente, os olhos esbugalhados, saliva escorrendo pela boca, já com o "trezoitão" na mão direita...
- Isto é um assalto - gritou...
Todos olhavam para ele... Olhos injetados, suor pingando pela face, a respiração apressada, o "38" numa das mãos, expressão alucinada no rosto...
Ordenou a Silvinha:
- Vai logo... pega tudo desses babacas...
Apontou-lhe o revólver, ante sua hesitação:
- Vai logo, senão eu te mato...
Ela, até então desligada de tudo aquilo, não entendendo direito o que se passava, voltou à realidade... Olhou para o elemento, ainda ao seu lado, em pé, com o revólver ameaçando todo mundo...
O motorista não sabia o que fazer... Diminuiu a velocidade, estavam em frente ao EBONY'S... O trocador, apavorado, apanhou todo o dinheiro que havia na caixa, mostrou-o ao elemento e gritou, lá do fundo do ônibus:
- Toma, toma, pega logo, é todo seu...
Todos estavam apavorados, quase em pânico, apesar de ser aquela uma cena quase diária, atualmente, no Rio de Janeiro...
Silvinha continuava onde estava. sentada, enquanto o elemento da arma na mão estava ao seu lado, em pé, junto à porta do ônibus, ainda espumando, nervoso...
Ele deu-lhe um tapa no rosto...
- Vai, sua piranha, me ajuda, pega logo o dinheiro desses babacas...
Ela ainda pensava em Joaquim, na sua morte sem sentido... Seu corpo agora estava dentro de um caixão, numa capela do Caju... Viera de Roma, embalsamado, pronto para ser enterrado no jazigo da família... Grande família... Aquela que nunca ela teve... E Joaquim, seu irmão, por que fora morrer longe dela?
Olhou para o elemento, os olhos verdinhos e cintilantes, duas outras lágrimas escorrendo-lhe pela face... Lágrimas de raiva...
- Deixa de ser idiota, seu imbecil... Tu não vê que eu tenho mais problemas que você?
- 'MEU IRMÃO MORREU, SABIA?"- gritou... “VÊ SE NÃO ENCHE O MEU SACO...".
O elemento olhou para ela, espantado, cara abobalhada, os olhos ainda esbugalhados...
Todos no ônibus, aterrorizados, olhavam para os dois...
Ele, ainda em transe, olhava para ela, tentando encarar o seu olhar... Não conseguia...
Ela, olhos de fera, encarava-o firmemente, rangendo os dentes... Todo o seu corpo tremia... O dele, também... Pobre coitado, 28 anos, preto, sem infância, sem pai e mãe conhecidos, rememorou rapidamente o que fora sua vida até ali... Favela, rua sem dono, início, meio e fim no.crime... Prisão, rua, prisão, Delegacia de Polícia... Um "ganho" aqui, outro ali, um prato de comida... Bandidinho vagabundo, nada mais que isso, é o que ele fora durante toda sua vida...
Não agüentava mais aquele olhar dela, tenso, agressivo... Não suportava todo no mundo no ônibus olhando para ele, olhares de medo, mas também de censura...
Abaixou a cabeça e chorou... Chorou com a arma na mão...
Olhou novamente para ela, olhar agora gelado, sem expressão...
Deu-lhe dois tiros, bem no meio da testa...
Depois, levou a arma à cabeça e fez um único disparo...

* * *

O 484 parou na rua Santa Luzia, esquina com Graça Aranha, 3ª DP...
Saiu do seu itinerário, não passou pela Praça XV...
Ali, Sérgio, nervoso, esfregando as mãos, esperava por Silvinha...


* * *

terça-feira, julho 10, 2007

DODÔ, o craque...

Dodô, o craque...
Lamentável o recente acontecimento envolvendo o excelente jogador de futebol DODÔ, do Botafogo de Futtebol e Regatas.
Atleta de passado imaculado, pessoa tranqüila dentro e fora do campo, consciente de suas responsabilidades profissionais, não é crível que tenha intencionalmente usado substância proibida que, em tese, iria beneficiar o seu rendimento dentro dos gramados.
Jogador de carreira vitoriosa, chefe de família, pai recente, não seria agora, quase no final de sua jornada como atleta profissional, que iria manchá-la com a vergonhosa pecha de ter jogado dopado.
Ao contrário, a impressão que ele nos dá quando o vemos em campo é a de ser até sonolento demais, de pouco se empenhar nos jogos que disputa.
Dono de uma técnica invejável, o denominado "autor dos gols bonitos" não precisaria de qualquer estímulo para desempenhar suas funções dentro das quatro linhas.
Não discutimos a existência da referida substância no exame a que foi submetido. O que não podemos aceitar é que ele a tenha ingerido conscientemente. E, se ela foi colocada por alguém mal-intencionado em sua alimentação, o que não é tão difícil de acontecer, tendo em vista que a maioria das refeições dos jogadores profissionais é feita em hotéis e restaurantes por esse Brasil afora? Alguém talvez incomodado com a brilhante campanha que o Botafogo vem fazendo neste campeonato brasileiro?
A afirmação pode ser até considerada fantasiosa, considerando-se que parte de um botafoguense, mas não é tão inverossímil assim. O que não é crível é que o jogador tenha ingerido a referida substância intencionalmente, sabendo que poderia ser flagrado facilmente num exame anti-doping. Ainda mais que ele já foi submetido a vários desses exames este ano.
No final das contas, o maior prejudicado, além do atleta, é o próprio Botafogo, que vai disputar vários jogos sem a sua importante participação em campo.
Será que o pobre do Botafogo não pode fazer uma campanha um pouquinho melhor sem despertar a inveja de seus concorrentes e de outros que não admitem vê-lo campeão? Será que a acusação de doping vai recair logo sobre o melhor jogador do time
O caso de DODÔ merece uma profunda investigação e punição dos verdadeiros culpados, para que pessoas inocentes não fiquem à mercê de uma legislação ultrapassada e nem que os clubes que os empregam sofram prejuízos irreparáveis em suas campanhas.
Ler comentários (0) Enviar por email Comente este post
Histórico
2007
Jan Fev Mar Abr Mai Jun Jul Ago Set Out Nov Dez

terça-feira, julho 03, 2007

ADEUS...

A D E U S ...





É uma sensação estranha, não resta dúvida, a de saber-se condenado à morte... E, pior ainda, com prazo certo. Sérgio sorriu consigo mesmo. Apertou displicentemente o botão do elevador, com o pensamento ainda preso ao passado próximo, de há poucos minutos atrás.
Acendeu um cigarro e ajeitou-se melhor dentro do paletó. Aí, então é que reparou como estava magro. Sorriu novamente, um sorriso amarelo, um pouco sem graça. Encostou-se lá no fundo, apagando o cigarro com o salto do sapato, ante o olhar de censura do ascensorista. De andar em andar, aquele cubículo foi-se enchendo de gente, até completar sua lotação. As pessoas que ali estavam continuavam a viver suas vidas, alheias ao drama que lhe ia na alma Umas conversavam alegremente, outras continuavam a discussão sobre negócios iniciada no escritório, outras apenas esperavam com impaciência a chegada ao térreo. Sérgio olhava no mostrador os andares se sucederem rapidamente nas luzinhas vermelhas, numa descida do infinito para o nada... Pareciam representar a contagem regressiva de seus dias de vida...
Sentia-se um pouco abafado, mas, surpreendentemente, estava num estado de calma em que nunca estivera antes... Finalmente, chegaram... Abriram-se as portas e aquele pessoal precipitou-se rapidamente para fora, com uma pressa incomum. Sérgio ficou vagando a esmo, sem ter a plena consciência do que estava fazendo. Esbarrava, de quando em vez, em um ou outro transeunte que passava, pedia desculpas, seguia caminhando. As calçadas, àquela hora da manhã, quase nove, fervilhavam de gente. Os homens procuravam ansiosamente os locais de trabalho. As mulheres começavam a fazer suas compras, exibindo, com elegância, as últimas novidades da moda...
Recordou-se de como o médico lhe dera a notícia... Meio sem jeito, com cuidado...
Perguntou-lhe se tinha esposa, filhos... Era um dos maiores especialistas do Brasil naquele tipo de doença e, por isso, foi procurá-lo... Vários exames, depois a consulta, agora o diagnóstico...
Esposa, filhos... Bem que poderia ter tido. Mas, namoradas firmes só tivera duas... E, quando o namoro começou a ficar perigoso, encaminhando-se para o inevitável casamento, tirara o corpo fora... Não queria se prender a ninguém. Ou tinha medo? Bem, vamos dizer que preferia a liberdade...
O médico procurava as palavras com cuidado para dar-lhe o diagnóstico. Sérgio logo percebeu que a coisa era grave. Abortou os rodeios do médico, pedindo-lhe que fosse direto e franco, por pior que fosse a notícia..Ele, então, foi cruel... Disse-lhe, as palavras atingindo Sérgio como uma chicotada, que ele estava com câncer no estômago... No último grau... Três meses de vida, mesmo assim, com boa vontade...
Operação? Inútil...
As dores que sentia ultimamente tinham sua razão de ser...
Relembrou seu passado. Trabalho normal, que lhe permitira comprar e mobiliar seu apartamento e ter uma vida financeira estável, sem maiores problemas. Não ficara rico, nem deixaria nada quando se fosse. Também, deixar p'ra quem?
Seu apartamento de solteiro... Se aquelas paredes falassem, passariam uma eternidade contando histórias da carochinha... Histórias de amor e ternura, de copos tilintando à meia-luz, com o fundo de uma música de Ray Coniff em surdina na alta-fidelidade...
Bárbara, sua primeira namorada... Sua figura veio-lhe claramente ao pensamento, como se já não houvessem transcorrido onze anos que a deixara. Tinha ele dezoito naquela época, ansiava por conhecer a vida. Gostava muito de Bárbara, até que ela fez a bobagem. Depois de apenas dois meses de namoro, convidou-o a conhecer seus pais e passar a falar com ela em casa...
Ora, namoro em casa era prenúncio de noivado e ele achou muito cedo para assumir um compromisso... Afinal, ela não era bem o seu tipo...
Esqueceu-se logo da primeira "gamação" nos braços de Mônica... Depois, vieram Sylvia, Sônia e Suely, a trindade dos "S" de sua vida. Amara a todas com o mesmo carinho, com a mesma ternura, sem distinção de uma para outra. O amor, para ele, era constituído de momentos, pouco importando se continuasse ou não. E, os momentos de amor que tivera, soubera aproveitá-los ao máximo...
Pensou de novo na morte. Era tão triste ir embora, quando havia ainda tanta coisa a tirar da vida. O estômago pareceu-lhe pesado, um calafrio percorreu-lhe a espinha... Seria essa a sensação da morte?
Continuava a vagar pelas ruas sem rumo, sem direção, como um autômato. Não via o que se passava à sua volta, esbarrando, agora, mais amiúde, em tudo e em todos...
Lembrava-se de Regina, Marlene, Nilza, Célia e também das passageiras, daquelas de um fim-de-noite qualquer. Sentiu-se um pouco frustrado. Por quê? Talvez por não ter encontrado aquela que o completasse, que o fizesse esquecer a vida boêmia para formar um lar e viver só para ele... Aquela que, se lhe fossem dadas mil vidas mais, queria só uma guardar para vivê-la toda sempre ao lado dela... Era sua deusa sonhada... Talvez loura? Talvez... Talvez morena? Poderia ser... Quem sabe ruiva? Não importava... O que realmente era importante é que seria a "sua", e por ela viveria e morreria...
Sorriu novamente... Sinceramente, achava que não daria certo naquele tipo de vida. A monotonia da felicidade conjugal acabaria por entediá-lo. E ele acabaria voltando para os botequins, para os puteiros, para a noite que tanto amava... Acabaria por fazer a infelicidade de sua mulher, impedindo que ela encontrasse um outro que a compreendesse, que quisesse viver uma vida rotineira, do dia-a-dia comum, enfim, uma vida normal, igual a de todo mundo... Isso era algo que absolutamente não conseguiria fazer... Preferia, assim, viver como um lobo solitário, aproveitando na sofreguidão de um momento de amor, a beleza que a liberdade lhe dava... Sem satisfações, sem cobranças, sem amanhã... Dono do seu nariz, dos seus atos, das suas noites de lua cheia... Quantas noitadas alegres passara em companhia de seus amigos e amigas, daqueles que a sociedade chamava de irresponsáveis... Esses momentos, dele ninguém poderia tirar...
Fez as contas: três meses mais e já estaria dentro da primavera. Ótimo, já era um consolo. Primavera que, para ele, com as flores começando a desabrochar, com os pássaros chilreando alegremente na copa das árvores, seria a estação do adeus... O crepúsculo de uma vida que muitos considerariam inútil... "Morreu, coitado... Também, não fez nada que prestasse... Só sabia cair na farra...", diriam os puritanos, donos da verdade.
Continuava a andar, tão absorto em seus pensamentos que, ao atravessar a rua, não viu o enorme ônibus que avançava velozmente, a fim de preencher o espaço por ele ocupado no mundo, naquela fração de segundo do tempo...