sexta-feira, agosto 05, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 01




OS DESBRAVADORES

INTRODUÇÃO, APRESENTAÇÃO E CAPÍTULO 01


Calfilho




                Seguindo sugestão de alguns amigos e do "Clube de Autores", ao qual sou filiado, decidi publicar aqui alguns capítulos de um dos livros que tive a ousadia de tentar escrever depois da minha aposentadoria, ocorrida em julho de 1990.
                   Meus amigos mais próximos sabem que, depois do meu adeus à vida profissional, para não ficar em completa ociosidade, aproveitei para fazer duas coisas que sempre sonhei realizar e que, só agora, com a total disponibilidade do meu tempo, pude conseguir fazer: viajar para a Europa e colocar no papel algumas das ideias que mantinha guardadas na mente, retratando umas, minha  experiência de vida, e outras, apenas, simples divagações da minha mente.
           Acabei conseguindo escrever seis pequenos livros que mandei publicar em edições limitadas, tendo apenas a intenção de distribuí-los entre meus familiares e amigos. 
                Em um deles,  aquele em que tento retratar a experiência por mim vivida durante os sete anos em que estudei no Liceu Nilo Peçanha de Niterói, dirige-se em especial aos alunos que tiveram o privilégio de estudar naquele magnífico colégio na década de 50 do século passado. 
          Em outro procuro retratar a experiência que tive ao ir trabalhar numa pequena cidade do interior do Estado (que tanto me cativou) e mostrar a diferença existente entre a vida e o anonimato de uma grande metrópole e o dia a dia pacato e sem maiores preocupações de uma pequena cidade interiorana. 
             Em mais outro procurei mostrar o tamanho da angústia e ansiedade com que se defronta um homem de bem ao ver-se enredado nas teias do sistema policial, judiciário e jornalístico ao cometer um delito apenas eventual em sua trajetória de vida.
              Reuni alguns contos que escrevi desde 1965 até os dias de hoje, numa pequena coletânea que intitulei "DA VIDA... REFLEXÕES", nome por mim escolhido para algumas publicações que coloquei na revista da AABB-Cantagalo, a partir de 1965.
            Em um, aquele de que gosto mais, deixei minha imaginação flutuar no tempo e no espaço, tentando contar a história de um advogado carioca do final do século XXI, que sofre com os pesadelos (ou sonhos?) de uma vida pretérita, localizada na época da Revolução Francesa.
            Finalmente, neste que vou tentar aqui publicar neste blog em capítulos, vou contar um pouco da história dos meus avôs, o paterno (que não conheci) e o materno (que faleceu no mesmo dia em que eu completava 12 anos de idade), e que foram, em meu entendimento, dois autênticos "desbravadores" deste nosso imenso Brasil. Como digo na apresentação do livro, somente alguns trechos correspondem inteiramente à realidade, tendo em vista o nenhum (quanto ao meu avô paterno) ou muito pouco (meu avô materno) contato que tive com os dois. Dei asas à imaginação e deixei no papel uma história que tenta, o máximo possível, aproximar-se da realidade.
         Espero que tenham paciência e tentem ler até o fim a narrativa. Agradeceria muito a opinião dos amigos, que certamente valorizariam as modestas linhas colocadas no papel.




Carlos Augusto Lopes Filho


OS DESBRAVADORES

 2006


Registrado sob número 545.243, LIVRO 1.038, Folhas 14
Fundação Biblioteca Nacional
Escritório de Direitos Autorais.
  

Esta publicação não pode ser reproduzida ou transmitida,
no todo ou em parte, sem autorização prévia e escrita do
autor. 


Capa e Diagramação
Jefferson Braga
(www.desenhador.com.br).                                                              


                                                                  
Para
Fausto Augusto Lopes e Raphael Blanco Filho,
meus avôs,
in memoriam




APRESENTAÇÃO




Quando me veio a idéia de escrever este livro, que não passa de mera reunião de alguns relatos que a mim chegaram através dos tempos, pensei apenas em fazer um tímido retrato daquilo que ouvira comentar sobre meus avôs, o paterno e o materno. Era uma lembrança aqui, outra ali, numa conversa perdida entre meu pai e minha mãe, meros episódios esporádicos, sem uma história que tivesse começo ou fim. Através desses poucos relatos familiares, ouvidos principalmente de minha mãe, meu tio e minha avó maternos e apenas alguns episódios pela boca de meu pai, pouca coisa soube sobre a vida que levaram meus dois avôs. Meu pai, prematuramente nos deixou, não me dando a  oportunidade de com ele conversar sobre seu pai, meu avô paterno, o qual, infelizmente, não conheci pessoalmente.
Mesmo tendo convivido até meus doze anos de idade com meu avô materno, que faleceu justamente na data em que completava eu aquela idade, poucas vezes conversei com ele pessoalmente sobre sua juventude, sua vinda para o Brasil, seu casamento com minha avó, o nascimento de meu tio e minha mãe, sua luta como imigrante para firmar-se no Brasil, o desbravamento de terras ainda desconhecidas do Brasil, tão hostis naquelas segunda e terceira décadas do século XX.
Mas, pesquisando um pouco sobre a vida naquela época, sobre os aventureiros que fizeram o progresso e a consolidação da Amazônia e das regiões do Sudeste e Sul do Brasil, a imaginação encarregou-se do resto. São temas realmente fascinantes... O mais curioso é que, apenas duas gerações após, quase nada se sabe ou se guardou daquela época da história brasileira. Parece que o passado ficou totalmente sepultado, que o ritmo alucinante da vida moderna, com suas invenções naquela época inimagináveis, fizessem-nos esquecer por completo de nossas origens, nossa história, tão ricas em passagens realmente deslumbrantes. Só de pensar como passados apenas pouco mais de oitenta anos, nada sabemos realmente sobre aquilo tudo que aconteceu, na verdade é motivo de reflexão. Dá-nos a impressão de que fomos atirados no mundo de hoje sem termos tido passado, que nada existiu antes de nós... Como se tivéssemos caído do céu e aqui aportamos, para que fizéssemos nós próprios, o nosso destino... O que, a nosso ver, é muito triste.
Por isso, apesar de não ter vivenciado pessoalmente toda a intensidade daquele período, e ter tido muita pouca informação histórica sobre ele, não resisti em escrever estas linhas, mesmo que possam elas não corresponder inteiramente à verdade dos fatos. Daí porque, antecipadamente, peço minhas escusas se alguma referência histórica ou geográfica não corresponder exatamente à realidade, se algum local ou fato mencionado no livro não estiver exatamente de acordo com sua situação, denominação ou veracidade segundo o que existia ou aconteceu naquela época. Principalmente, em relação aos fatos passados na Amazônia, às tribos, língua e costumes indígenas, tão distantes da realidade do autor, nascido e criado no Rio de Janeiro e em Niterói.
Esta é uma obra de ficção e, apesar de baseada em personagens reais, as circunstâncias em que os fatos realmente ocorreram não correspondem necessariamente à verdade dos mesmos. Quase todas são fruto da nossa imaginação.
A finalidade maior da obra é prestar uma homenagem a dois homens que, por sua coragem, destemor e espírito aventureiro, ajudaram a construir este nosso Brasil, desbravando-o quando ele era ainda um gigante adormecido, quando ele era ainda tão primitivo, tão rude, consolidando-o como nação, mas sem esquecer de plantar a semente de suas famílias para as futuras gerações.
Se o gigante conseguiu acordar, tenho minhas dúvidas...

O AUTOR.






PRIMEIRA PARTE



A AMAZÔNIA...



I



A velha barca resfolegava, cansada de tantas viagens de ida e volta, naquelas águas nem sempre tão tranquilas do Amazonas...
Ainda bem que, naquela manhã de 19 de julho de 1916, estavam elas relativamente calmas.
Já estavam quase chegando ao destino, uma área de terras na margem esquerda de um igarapé, um dos inúmeros pequenos filetes d’água afluentes do grande rio.
Tanto Faustino, como Morais, os dois conversando em pé, junto ao timão da gaiola, já não conseguiam mais esconder a ansiedade.
Aquela era a terceira vez que Faustino vinha ao grande estado do Norte brasileiro, obedecendo àquele espírito aventureiro que o empurrava para aquelas paragens tão inóspitas, tão desconhecidas do interior do país.
 Gostava daquilo, o sangue fervia-lhe mais fortemente nas veias e artérias, sentia que estava abrindo outros caminhos, o prazer de enfrentar o desconhecido.
Fortaleza, mais uma vez, ficara para trás...
Desta vez trouxera a mulher, a responsabilidade e os cuidados seriam outros, e ainda por cima ela estava grávida. Tinha sérias dúvidas sobre se ela suportaria tudo aquilo, a mata, os insetos, a vida totalmente diferente daquela a que estava acostumada em Fortaleza. Mas, não podia deixá-la sozinha na hora em que mais dele precisava. Preferiu esquecer o oferecimento nada sincero das irmãs, solteironas e interesseiras, quando disseram que Teresa poderia ficar com elas, que tomariam conta dela.
A época era a do fim do ciclo da borracha, já em curso a fase do declínio rápido.
Aventureiros enriqueceram da noite para o dia com a extração e exportação do ouro viscoso, extraído dos seringais amazonenses. Fortunas eram construídas rapidamente. Umas se consolidavam, outras se dissipavam, num piscar de olhos. Aquele período lembrava muito a febre do ouro, ocorrida no oeste dos Estados Unidos da América do Norte, no século anterior.
As margens do rio-mar ficaram coalhadas de pequenos acampamentos de colonos, exploradores das seringueiras. Alguns desses aglomerados de gente transformaram-se em pequenos povoados, mais tarde em cidades de médio e grande porte.
Manaus, a capital do grande Estado, sofreu toda a influência daquele ciclo de riqueza e luxo, dinheiro rolando a vontade. Foram importados mármore de Carrara, lustres de cristal de várias partes da Europa, a cidade foi contaminada com toda aquela influência de fora, tornando-se uma ilha de prosperidade e riqueza no meio daquela selva de pobreza e miséria.
Faustino fora um daqueles desbravadores, tendo ido tentar a sorte na Amazônia em 1909.
Aquela fora a primeira vez. Devido ao seu grau de instrução, foi contratado como capataz de uma grande empresa com ramificações no exterior.
 Ainda sem qualquer experiência, logo que conseguiu juntar algum dinheiro em seis meses de trabalho duro, largou o seringal.
Voltou para sua Fortaleza natal, onde moravam seus pais e irmãs. Tinha, na época, vinte e três anos de idade. Ainda solteiro, gastou em pouco tempo, em farras e mesas de jogo, o pouco dinheiro que havia acumulado naquela sua primeira passagem pela selva amazônica.
Ficou pouco tempo sossegado. A comichão pela busca da aventura voltou a coçar-lhe com intensidade o corpo. Ainda tentou trabalhar num serviço burocrático que seu pai, “seu” Almeida, português conceituado na cidade, arranjou- lhe na Prefeitura de Fortaleza. Ficou pouco tempo, menos de três meses. Não suportava aquela rotina diária de um trabalho sem interesse, sem atrativo, sem risco, tudo certinho todos os dias, nada de novo acontecendo.
Tentou auxiliar o pai como gerente de um dos vários armazéns de sua propriedade que o mesmo tinha espalhado naquela pequena Fortaleza do início da segunda década do século XX. Também não dera certo. Ficar atrás de um balcão vendendo mercadorias, aguentar reclamações de fregueses, negociar preços com fornecedores, positivamente não eram coisas que faziam o seu gênero.
Logo discutiu com freguesas exigentes, despediu empregados negligentes, chegava tarde ao local de trabalho, quando não faltava. Nascido e criado na capital cearense, conhecia praticamente todos os habitantes da cidade, principalmente os da redondeza da Praça José de Alencar, onde ficava o casarão de dois andares da família. Depois de concluir o curso ginasial, como não havia faculdade na região, parou de estudar. Farrista inveterado, era figurinha fácil de ser encontrada nos bares, cabarés e bordéis da cidade. Tinha grande atração por uma mesa de jogo e ali perdia e ganhava a mesada ou o pouco dinheiro que conseguia arrumar em seus empregos eventuais.
Alto, porte atlético, magro mas robusto, bigode fino sobre os lábios, elegante, sempre bem vestido, era um partido disputado pelas mocinhas casadoiras da cidade. Mas, apesar de frequentar os locais badalados da sociedade local, indo a festas e bailes tradicionais promovidos pela aristocracia da capital cearense, não era muito bem visto pelos pais e mães das possíveis noivas em potencial, dada sua fama de mulherengo, farrista, jogador e boêmio.
Mas, seu porte altivo, até mesmo as histórias nem sempre elogiosas que cercavam sua pessoa, faziam aumentar os rumores sobre sua má fama e a atmosfera de mistério que o cercava, sendo um atrativo a mais para as jovens que suspiravam ao vê-lo chegar em casa com o dia já amanhecendo, pernas cambaleando, às vezes uma canção sonora nos lábios, fazendo-lhes uma mesura respeitosa que elas retribuíam com um sorriso escondido nos lábios para que a mãe severa não percebesse.
Tudo nele cheirava a ousadia, aventura, envolvendo sua enigmática figura numa aura de segredo, de desconhecido, tudo o que era necessário para atrair jovens e inocentes corações femininos.
Faustino, entretanto, não queria ficar preso a ninguém. Pelo menos, naquela época, antes de definir o que fazer de sua vida, consolidar uma situação financeira estável, tornar-se independente do pai. Flertava com uma aqui, outra ali, às vezes duas ou três ao mesmo tempo, mas pulava fora quando o flerte ameaçava tornar-se mais sério, caminhando para um compromisso irreversível. Naquela época, estava na situação em que não tinha eira nem beira, era apenas um bon vivant que ainda dependia da mesada do pai para tomar uma cerveja, sentar numa mesa de jogo.
Assim, depois de largar a gerência de um dos armazéns do “seu” Almeida, ficou à toa por algum tempo.
Conversava com Madeira, antigo colega de infância e atual companheiro de boemia, sentados em frente a uma mesa de botequim, tampo de mármore e pé de ferro, na Praça do Ferreira:
– É, Madeira, acho que vou voltar p’ra lá. O futuro está na Amazônia, está na borracha.
– Não sei não, Faustino. Acho tudo muito nebuloso, muito incerto, o risco é muito grande – retrucou Madeira. – O lucro é grande, não resta dúvida, mas tudo tem que dar certinho, nada pode sair errado.
O calor era sufocante, nem uma brisa movimentava o ar abafado, naquele fim de tarde tipicamente nordestino.
Fortaleza, em 1911, limitava-se ao espaço hoje ocupado pela Praça do Ferreira, à outra praça adjacente, a José de Alencar e, mais atrás, a Praça da Lagoinha, onde ia dar a atual rua Tristão Gonçalves. A região das praias, em especial Iracema, era constituída de simples povoados de pescadores, com suas cabanas toscas e rústicas, ainda sem a construção de casas de alvenaria.
Os navios que chegavam do sul, da capital Rio de Janeiro, de Santos, Recife ou Salvador, quando ali aportavam, tinham que ficar ancorados ao largo, descendo os passageiros em pequenos botes a remo que alcançavam o precário cais da cidade. Assim também acontecia com os poucos pequenos vapores que vinham de Belém ou São Luís.
A iluminação elétrica, ainda incipiente, só chegava aos postes das ruas e a alguns prédios do governo, atingindo, quando muito, poucas residências particulares, daqueles considerados os moradores mais importantes e ricos da cidade. Para a grande maioria da população, a luz ainda era fornecida pelos lampiões a querosene. A eletricidade, com a luz incandescente, era artigo de luxo, funcionando muito mal, com quedas frequentes e longos períodos em que se tinha que recorrer às velhas lamparinas.
As ruas, na sua grande maioria, ainda sem calçamento. Somente algumas que compunham o centro da cidade eram revestidas de paralelepípedos. Não havia rede de esgotos e a água que se bebia era retirada de poços nos fundos das casas.
A vida das pessoas era calma, tranquila, sem pressa ou atropelos. Parecia que viviam numa cidade do interior. Quase todo mundo se conhecia, as notícias do Rio ou de São Paulo ali só chegavam quase uma semana após os fatos terem ocorrido. As transmissões de rádio, ainda no início de sua implantação, eram muito fracas, cheia de chiados, quase não se entendia nada do que o locutor dizia.
– Mas, eu volto pra lá, pode estar certo disso – retrucou Faustino, sorvendo com prazer mais um gole da sua cerveja bem gelada. – Já estou vendo uma empresa que está indo para lá, parece ser gente séria. Já conversei com eles, estão interessados em mim por causa da minha experiência anterior, estamos apenas discutindo quanto eles vão me pagar.
– Mas, você tem certeza de que é isso mesmo que você quer? – perguntou Madeira. – Sei lá, largar o conforto daqui de Fortaleza, sua família, seus amigos. Mal ou bem aqui você tem uma boa posição social, é respeitado, conhece todo mundo.
– Mas, o que eu posso esperar da vida ficando por aqui, Madeira? – rebateu Faustino.  – A mesma rotina de sempre, essa vida sem perspectiva, sem futuro? Lá, pelo menos, estou em busca do desconhecido, de uma coisa nova, e posso ficar rico de uma hora para outra.
– Não sei não – disse Madeira, depois de um momento de silêncio, balançando a cabeça e bebendo um gole de seu copo.  – Já ouvi comentários de que os ingleses contrabandearam sementes da seringueira para suas colônias na Ásia. Aí, o preço da borracha vai despencar. Só espero que você não se arrependa.
Faustino, alguns meses depois, já em 1912, embarcara novamente para a Amazônia.
Lá ficou por mais de um ano, só voltando para Fortaleza porque contraiu malária e precisava de tratamento em um local com maiores recursos.
Como da outra vez, voltara cheio de dinheiro no bolso. Agora, entretanto, mais velho e mais ajuizado e, talvez com um pouco de medo da morte, abatido que ficou com a doença, investiu parte do dinheiro na compra de alguns prédios em volta da Praça José de Alencar.
Depois de curado, finalmente decidiu-se: começou a namorar Maria Teresa, moça da sociedade local, a quem conhecera através de uma de suas irmãs, a Cotinha.
A moça, realmente, era muito bonita. Morena clara, cabelos negros caindo-lhe pelas costas em duas compridas tranças bem cuidadas, lindos olhos verdes bem claros, cintilantes, que brilhavam tão intensamente como um raio de sol,  sorriso inocente nos lábios. Tinha dezoito anos recém completados e, desde pequena, olhava Faustino com admiração, mesmo ouvindo as histórias que sobre ele contavam, de aventuras e boemia.
Costumava visitar Cotinha, de quem era colega de colégio, no sobrado da José de Alencar, sendo apresentada a Faustino numa das vezes em que ali fora. Convalescia ele da malária e conversava com a irmã, sentados nos sofás do imenso salão.
Ela ficou nervosa, baixou os olhos, quando ele apertou-lhe a mão direita, enrubescendo visivelmente.
– Muito prazer – disse, com voz trêmula.
Ele fitou-a fixamente, com um sorriso zombeteiro nos lábios ante o visível embaraço da menina.
– Igualmente – respondeu, sem soltar a mão de Maria Teresa, que agora tinha o rosto vermelho como um tomate maduro.
Ela sentou-se numa cadeira e ficou em silêncio durante todo o tempo em que Faustino continuava o relato de suas aventuras para a irmã.
– Pois é, a Amazônia é muito linda, ali você só ouve o cantar dos pássaros, os gritos dos macacos pulando alegremente de árvore em árvore, o barulho do enorme rio deslizando velozmente em direção ao oceano. É verde para todo o lado que você olha, mata cerrada, você se sente pequeno, insignificante ante a imensidão de tudo, da altura das árvores que quase chegam a esconder o céu, da grandiosidade do rio, cuja outra margem às vezes você não consegue enxergar.
Cotinha, que já ouvira aquele relato outras vezes, fingia prestar atenção no que o irmão falava, mais com medo dele do que por interesse. Maria Teresa não, fascinada com a empolgação de Faustino, imaginava-se naquele cenário da selva misteriosa.
Ela voltou várias vezes ao casarão com o pretexto de fazer algum dever escolar com Cotinha, mas, na verdade querendo ouvir as histórias que Faustino não se cansava de contar. Com a sequência das visitas, Cotinha acabava se retirando, deixando os dois sozinhos. Faustino, então, aproveitava para continuar seus relatos sobre a Amazônia, ficando a jovem a ouvi-lo embevecida por mais de três, quatro horas.
As visitas passaram a ser diárias e, quando Faustino melhorou, podendo locomover-se normalmente, passou a sair com a menina, levando-a a uma festinha aqui, um guaraná ali, ou fins de tardes passados num banco da praça. Cotinha ia junto, a pretexto de acompanhar a amiga e, mesmo porque Faustino ainda estava bastante indeciso sobre se começava ou não a ter um relacionamento mais sério com Maria Teresa.
A princípio, apesar de sentir uma certa atração pela moça, relutou bastante em começar o namoro. Achava cedo para ficar preso a alguém, ainda mais que não tirava da cabeça o projeto de voltar para a Amazônia, agora formando o seu próprio grupo de trabalho, sendo o patrão e não um mero empregado.
Outra vez, como fazia habitualmente, encontrava-se na mesa de um bar, tomando uma cerveja em companhia do amigo Madeira. Este perguntou, com um certo tom de ironia na voz:
– Quer dizer então que conseguiram te fisgar, Faustino?
Ficou um pouco sem graça, pois não esperava aquela pergunta. Depois de um momento de silêncio, respondeu com outra pergunta:
– Então, você já sabe? Quem te contou?
– Ora, ora – retrucou Madeira, sem tirar o sorriso irônico dos lábios. – Parece até que você não sabe que está em Fortaleza. Aqui não há necessidade de jornal. As notícias correm mais rápido de boca em boca antes de serem impressas.
Faustino ainda continuava um pouco desconcertado. Olhando para Madeira, comentou:
– Bem, já que caiu na boca do povo, é verdade sim.
Bebeu um gole de cerveja e tentou justificar-se:
– Andei pensando muito depois de pegar aquela malária lá na selva. "Ô xente",  pensei que ia morrer. Foram noites e mais noites de febre, eu suando como um leitão, delirando, sem saber o que dizia. Na verdade, fiquei com medo de partir para outra. Por isso, decidi agora me prender mais às coisas e às pessoas, não quero morrer sozinho, sem ninguém ao meu lado. Olha, foi a primeira vez na vida que tive essa sensação. Sei lá, um misto de pavor, de pânico, de impotência, sem saber o que fazer. Se não fossem a velha índia que cuidou de mim lá e o dono da gaiola lá de Belém, eu acho que teria morrido. Muito chá, muita erva, foi o que me salvou. Acho que acabei viciado com tanto quinino – disse, sorrindo.
Madeira perguntou, divertido:
– Mas, por que a Maria Teresa? Ela não é muito novinha para você? Pensei que quando você decidisse se amarrar fosse com a Jacinta, que é bem mais velha e por quem você tinha uma certa queda.
Faustino respondeu:
– Não, eu não tinha mais nada com a Jacinta. Foi um namoro gostoso enquanto durou. Ela não é mulher para mim, nossos temperamentos são muitos diferentes. Só pensa em futilidades, em coisas artificiais. Já com a Maria Teresa é diferente. Ela não é de falar muito, gosta de me ouvir, compartilha dos meus gostos, inclusive pela Amazônia. Acho que ela iria para lá comigo sem pestanejar. Além disso, ela é um doce de menina, tão terna, tão carinhosa... – concluiu, olhando para o céu, com ar de sonhador.
– Quem te viu, quem te vê... – continuou debochando Madeira.






















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