OS DESBRAVADORES
Capítulo 05
Calfilho
V
Na manhã seguinte, o navio em alto mar, continuava
Maria Teresa a vomitar quase sem parar.
Apenas em pequenos intervalos havia uma pausa, quando o estômago
praticamente vazio, nada mais tinha para jogar para fora.
Não conseguiu tomar o café da manhã, muito menos o
almoço, tendo o cozinheiro do navio lhe preparado um chá de erva e biscoitos
salgados, coisa que a muito custo, conseguiu engolir. Nem as frutas da região,
como laranjas, abacaxi, manga, melão, conseguiu comer.
Só no final da tarde daquele dia conseguiu parar de
vomitar. Faustino arranjou que lhe preparassem uma canja de galinha que ela,
com dificuldade, conseguiu tomar.
O marido já estava preocupado e um pouco arrependido
de tê-la trazido.
O que o consolava é que Raimundo, um dos membros de
sua expedição, caboclo alto, forte como um touro, também não saía do banheiro,
vomitando qual criança de colo. Aparentava estar em pior estado que Maria
Teresa, as feições do rosto contorcidas, a cor verde como a grama de um jardim.
Os outros homens do pessoal de Faustino nada sentiram,
parece que já estavam acostumados com o mar. Na verdade, Venâncio e Mário, além
de Pedro e Zeferino, em Fortaleza, costumavam enfrentar o mar aberto em
pequenas jangadas, na pesca da lagosta ou camarão.
– O estômago desses aí já está acostumado com o balanço
do mar – comentou o capitão com Faustino, tirando baforadas do cachimbo
pendurado na boca.
– É verdade – concordou Faustino, fumando também ele
um cigarro de palha, em pé junto à amurada do convés, ao lado do capitão. –
Pedro, então, pode até beber chumbo derretido que não sente nada – brincou,
olhando para o horizonte à sua frente, para a imensidão do mar.
– Bem, amanhã pela manhã, vamos parar num pequeno
porto, ainda na costa do Ceará. Vamos descarregar alguma mercadoria e carregar
outras. Aí, talvez sua senhora se sinta melhor. E, vamos ver se damos sorte de
pegar um mar mais calmo daqui até Belém, assim diminui o risco de enjoar.
Faustino agradeceu a atenção do capitão e voltou para
sua cabine, onde Maria Teresa dormia.
Aquela madrugada foi melhor que a anterior. Já mais
acostumada com o balanço do navio, não enjoou tanto, vomitando menos. Na manhã
seguinte, acordou mais bem disposta. Levantou-se, escovou os dentes e sorriu
para Faustino, que olhava para ela, com o semblante preocupado.
– Bom dia, Faustino.
– Bom dia, Teresa. Está melhor?
– Graças ao bom Deus. Finalmente, acho que passou
aquela ânsia de vômito –respondeu ela.
Faustino também abriu um largo sorriso.
– Ainda bem, Teresa. Já estava ficando preocupado.
Cheguei a pensar essa noite em mandar você de volta para Fortaleza.
– Carecia não, Faustino. Eu bambeio um pouco, mas aguento
o tranco. Sou como o bambu: verga, mas não quebra – retrucou ela, ainda
sorrindo.
Ele levantou-se. Disse para a mulher:
– Então, deita aí que eu vou pegar o seu café.
– Faz favor, Faustino. Ainda estou muito fraca para ir
me sentar na mesa com você.
Quando ele voltou com a bandeja, Maria Teresa já
estava sentada na cama, penteando os longos cabelos negros e fazendo suas duas
tranças. Até que o café da manhã do modesto cargueiro não era tão ruim: várias
frutas da região, pão, manteiga, queijo, geleia de manga, suco de maracujá,
café, chá, leite.
Faustino colocou a bandeja na cama, na frente de
Teresa. Serviu uma xícara de chá para a mulher, colocando café com leite em
outra para ele.
– Anda, Teresa, tome o chá, vai fazer bem para o teu
estômago. E vê se come alguma coisa, você precisa se alimentar.
Ela levou a xícara aos lábios, sorvendo vagarosamente
o líquido escuro. Depois, tomou um pouco de suco de maracujá, mordiscando uma
fruta aqui, outra ali. Conseguiu engolir um pedaço de pão com geleia.
Faustino abriu um sorriso largo, fazendo realçar o
espesso bigode preto com a cor alva dos dentes.
– Ainda bem que você comeu alguma coisa – disse. –
Olha, o capitão me disse que o navio vai dar uma parada num pequeno porto daqui
a pouco para carga e descarga de mercadorias. Vamos ver se você consegue
levantar um pouco para dar uma volta no convés, respirar ar puro.
– Vou fazer força, Faustino – disse ela. – Não tem
ninguém mais doida que eu para levantar dessa cama.
Eram oito da manhã quando as máquinas do navio
silenciaram. Faustino olhou pela escotilha e viu terra ali perto, com várias
pessoas movimentando-se pelo porto.
– Levanta, Teresa – disse para a mulher. – O vapor já está
parado, vem ver só.
Deu-lhe a mão, ajudando-a a sair da cama. Conduziu-a
até a escotilha, deixando que ela admirasse o pequeno porto em terra.
– Que lugar bonito, Faustino. Onde é isso?
– Não sei ao certo – respondeu ele. – Ainda é Ceará,
não sei o nome da cidade, vou perguntar ao capitão.
Teresa, ainda de camisolão até os pés, amparada no
braço do marido, disse, com alegria:
– Ah! Faustino. Me leva até o banheiro. Vou escovar os
dentes e ver se consigo tomar um banho. Ainda estou meio enjoada, mas quero
sair um pouco para ver essa beleza de lugar.
Faustino conduziu a mulher até o banheiro, no corredor
do lado de fora da cabine. Disse:
– Teresa, vou voltar para o camarote para me vestir.
Tranque a porta por dentro e se sentir mal, grite me chamando. Você está bem?
– Tou sim, Faustino. Só um pouco tonta, mas tudo bem.
Pode ir, fique calmo.
Ele retornou à cabine, escovou os dentes, lavou o
rosto na pequena pia que ali havia, vestiu rapidamente uma camisa limpa,
colocou os suspensórios na calça larga, passou o pente nos cabelos em
desalinho. Voltou até o banheiro, batendo na porta:
– Tudo bem, Teresa? Já tomou banho?
Ela respondeu:
– Já, já acabei. Você pode buscar um vestido p’ra mim?
Qualquer um serve.
– Tudo bem, vou lá pegar.
Depois que ela se vestiu, deixaram a cabine, subindo
vagarosamente os degraus da escada que dava acesso ao convés, ela apoiando-se
fortemente no braço do marido.
Respirou profundamente o ar do mar, olhando extasiada
para o céu todo azul, sem uma nuvem. Caminharam bem devagar até a amurada do convés,
onde ficaram admirando a paisagem da pequena cidade ao fundo. Um pequeno porto
pesqueiro, uma praia de areia clara, vários coqueiros, vegetação cerrada mais
atrás, pequenas casas junto à areia.
– Que beleza, Faustino – comentou. – Não sabia que ia
gostar tanto da viagem... apesar do enjôo. Mas, só essa vista do mar e do
litoral compensa tudo.
O navio estava ancorado a uma distância de uns
trezentos metros do porto e um pequeno barco a motor se aproximava.
Alguém chegou por trás.
– Bom dia, “seu” Faustino. Bom dia, madame. Está
melhor?
Era o capitão. Os dois se viraram em sua direção,
cumprimentando-o. Maria Teresa respondeu:
– Um pouco, senhor. Muito obrigado.
– Estão admirando a vista, não é? Lugar muito
bonito...
Faustino perguntou:
– Que porto é esse, capitão?
– Taíba, “seu” Faustino. Poucos vapores param por
aqui. Mas, temos que descarregar algumas mercadorias importantes, peças de
motores e outras coisas de que carece o pessoal daqui. O único contato que eles
têm com a civilização é quando aporta um vapor por essas bandas, o que é raro.
Só quando existe alguma encomenda grande. Fora isso, ficam no esquecimento
meses e meses.
– Nunca parei aqui – retrucou Faustino. – Nem nas duas
outras vezes em que fui para o Amazonas.
– Normalmente, os vapores não param, só nos portos
maiores. Veja bem as dificuldades de embarque e desembarque, nem Fortaleza tem
porto onde se atraca direto, o navio tem que ficar ancorado ao largo.
Fez uma pausa.
– Mas, já tomaram o café da manhã? – perguntou.
– Não, ainda não – respondeu Faustino. – Só agora
minha mulher melhorou um pouco, acabamos de subir para o convés.
– Então, vamos lá, a mesa está servida – convidou.
Dirigiram-se os três para o refeitório do “Rosamar”.
O pequeno barco, tipo gaiola, o motor gemendo alto, encostava
no casco do navio e os marinheiros começavam a descarregar a mercadoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário