OS DESBRAVADORES
CAPÍTULO 03
Calfilho
III
O casamento foi cerimônia simples, sem luxo ou
ostentação, em dezembro de 1915.
Mesmo assim, várias pessoas compareceram, a maioria
amigos do “seu” Almeida, pai de Faustino, devido à sua influência na cidade. Do
noivo mesmo, só Madeira e uns dois amigos mais íntimos. De Maria Teresa, só
seus familiares, já que eles, de origem humilde, não tinham maior
relacionamento com a alta sociedade de Fortaleza.
Foram residir numa das casas de propriedade de
Faustino, para onde ele já se mudara poucos meses antes do casamento, na Praça
José de Alencar.
Os primeiros dois meses da vida em comum foram
maravilhosos, Faustino agora completamente enamorado da mulher, procurava
fazer-lhe todas as vontades. Quase não saía de casa e, quando o fazia, era
sempre em companhia de Maria Teresa.
Mas, no mês de abril, quando ela teve certeza de que
estava grávida, a alma boêmia de Jacinto começou a falar mais alto.
No início, saía às tardes, para uma cervejinha com
Madeira.
Depois, voltou discretamente às mesas de jogo e,
quando começou a perder dinheiro, para elas voltou com toda a intensidade, passando
as noites fora de casa, só voltando com o dia já claro.
Maria Teresa nada falava, não reclamava. No seu
silêncio, sofria amargurada e, pior, sentia medo de perder o marido para outra
mulher. Se já dele gostava muito antes do casamento, agora estava perdidamente
apaixonada, ainda mais depois da certeza da gravidez do primeiro filho.
Entretanto, os temores de Maria Teresa eram
infundados, pelo menos em relação a ter ele outra mulher. Não, sua atração era
apenas pelas noites passadas nas mesas de jogo, pela cerveja tomada com os
amigos. Gostava sinceramente da mulher e não passava por sua cabeça ter uma
aventura fora do casamento.
O que acumulara na segunda viagem à Amazônia logo se
dissipou nas cartas e na roleta. Vendeu duas das casas que comprara e começou a
pensar em como voltar a ganhar dinheiro.
Falou com a mulher em retornar ao Amazonas, preparando
sua própria expedição.
– Mas, Faustino, aquilo lá é muito perigoso, tem
índio, animal selvagem, você mesmo me contou – argumentou ela. – Além disso, têm
as doenças, você quase morreu lá, lembra?
Ele tentou tranquilizá-la:
– Não, Teresa, eu conheço todos os perigos. Já estive
lá por duas vezes, sei onde pisar. Além disso, agora eu serei o patrão, vou
dirigir a expedição do meu modo. Sei que é muito te pedir para ir comigo, mas
se você quiser ficar aqui, pode ficar. Deixo você com minhas irmãs ou você pode
ficar com sua mãe.
Ela relutou um pouco. Depois, perguntou:
– Você quer mesmo que eu vá com você?
– Claro, Teresa, você é minha mulher e eu queria estar
junto de você quando a criança nascer.
Ciosa dos seus deveres conjugais, educada que fora no
sentido de que a mulher deve acompanhar o marido nos bons e maus momentos, na
saúde e na doença, na alegria e na tristeza, mesmo temerosa do que iria encontrar,
acabou concordando.
– Está certo, Faustino, eu vou com você.
– Desculpe, meu bem, pedir isso a você. Mas, é que eu
não aguento mais essa rotina daqui de Fortaleza, essa mesmice de vida. E tenho
que aproveitar a oportunidade da extração da borracha lá na Amazônia, enquanto
ela ainda existe. O mundo inteiro precisa dela, principalmente a indústria de
automóveis, para fabricar os pneus. Já ouvi vários boatos de que sementes da
seringueira foram contrabandeadas pela Inglaterra para suas colônias na Ásia. Aí,
adeus à nossa extração de borracha. Aquilo lá era uma mina de ouro e, se os
boatos forem verdadeiros, em pouco tempo a mina está esgotada.
E concluiu:
– Pode deixar, fique tranquila, nada de mal vai te
acontecer, eu te prometo. Já me dou bem com os índios da região e o pessoal que
vai comigo é de inteira confiança. E, vai até ser original: nosso filho vai
nascer no Amazonas.
Ela, já agora adulta e mulher feita, deixou a
hesitação de lado. Disse, incisiva:
– Tudo bem, mas quero que você me prometa uma coisa.
Ele olhou para ela, curioso.
– Diga aí, Teresa – respondeu, com um sorriso de
ironia.
Ela voltou a hesitar, um pouco temerosa. Tomou coragem
e disse:
– Bem... bem, Faustino... eu queria que você me
prometesse não jogar mais até a gente voltar da viagem... você fica tão
alucinado com isso, perde a razão...
Ele refletiu. Depois, respondeu:
– Tá certo, Teresa, você ganhou. Você tem razão.
Também, não queria jogar mais mesmo – disse, com ar desconsolado. – Prometo.
Ela sorriu e murmurou baixinho:
– A raposa e as uvas...
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