sexta-feira, agosto 26, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 08




OS DESBRAVADORES

Capítulo 08


Calfilho






VIII






Maria Teresa não ousou fazer uma só pergunta a Faustino sobre o que ocorrera. Mesmo estranhando que João e Firmino não tivessem voltado com o marido e Pedro, ficou em silêncio durante o percurso que o bote fazia do embarcadouro para o “Rosamar”.
Faustino estava sério, também quase não falou, só ordenou ao barqueiro que voltassem para o navio. Pedro falou menos ainda, só olhava de soslaio para o patrão.
Quando subiram a escada de corda que dava acesso ao navio, Jeremias os recebeu com o cachimbo soltando fumaça na boca:
– E então, “seu” Faustino, almoçaram bem? Gostaram da comida?
Faustino respondeu, cara amarrada:
– A comida estava ótima, capitão. Obrigado pela indicação.
Ele deu a mão à mulher para que subisse ao navio. Jeremias, estranhando a ausência de João e Firmino, indagou:
– Não está faltando gente, “seu” Faustino?
Respondeu secamente:
– Não, capitão, não está faltando ninguém. Os outros dois decidiram voltar para Fortaleza. Podemos zarpar na hora que o senhor quiser.
Jeremias, percebendo o ambiente pesado, gritou para o imediato:
– Zé Maria, podemos partir, mande soltar a âncora.
O gemido da corrente ficou ao longe, enquanto Faustino e Maria Teresa recolhiam-se à cabine.
Pedro, ainda com cara de quem comeu e não gostou, também voltou com Raimundo para a deles.
Já na cabine, tirando o paletó, depois a camisa e as botas, Faustino virou-se para a mulher:
– Pode perguntar agora, Teresa. E, obrigado por você ter entendido o meu silêncio.
Ela, timidamente, enquanto também se desvencilhava daquele monte de roupa sobre o corpo:
– Mas... mas, o que foi que aconteceu, Faustino?
Ele respirou fundo antes de responder. Calçando uma sandália de couro, disse:
– Nada, meu bem. Tive que mandar aqueles dois de volta para Fortaleza. Estavam completamente embriagados, não têm noção de responsabilidade.
Ela pareceu surpresa:
– Mas, foi mesmo necessário, Faustino? Você não podia dar-lhes uma reprimenda e dar-lhes outra chance?
– Não, Teresa, isso não é possível. Com essa gente você não pode vacilar. Se aqui eles já fizeram isso, quem dirá no meio da selva, quando a solidão e a saudade de casa apertarem. Se você demonstra qualquer sinal de fraqueza, eles te montam em cima.
Fez uma pausa. Continuou:
– O pior é que aqueles dois eu já conhecia, eram bons de trabalho, já tinham estado comigo da vez anterior. Agora, vou ter que arranjar mais gente. Pior, gente desconhecida. Mas, não faz mal, naqueles eu não podia confiar mais.
Tomaram um banho demorado, descansaram um pouco.
À noite, quando o navio já zarpara, por volta das nove horas, jantavam em companhia de Jeremias. Faustino contou, em poucas palavras, porque despedira João e Firmino.
O capitão comentou:
– Acho que o senhor está certo, “seu” Faustino. Para o tipo de expedição que o senhor vai fazer, tem que ter mesmo total confiança nos seus homens. Mas, não se preocupe, eu arranjo logo dois outros para o lugar deles. A gente ainda vai parar em muitos portos até chegar em Belém. O que não falta é gente querendo ganhar dinheiro rápido.
– Tudo bem, capitão, agradeço o oferecimento. Mas, por favor, só me arranje gente que o senhor já conhece, gente de confiança – retrucou Faustino. – De pilantra eu já estou cheio.
– Pode deixar comigo. Vou selecionar bem o pessoal que vou arranjar pro senhor.
Faustino levou Maria Teresa até a cabine, voltando até o refeitório da tripulação, onde Pedro jantava juntamente com Raimundo, Venâncio, Mário e Zeferino.
Eles, que conversavam em voz alta, ficaram em silêncio quando Faustino chegou. Olharam para ele, ansiosos.
Faustino falou devagar, os olhos frios cravados nos homens:
– Ouçam bem, não vou repetir o que vou dizer agora.
Fez uma pausa. Continuou, a voz gelada:
– De vocês, eu só conheço o Pedro, que é o meu braço direito. Os outros eu não conheço, foi Pedro quem tratou com vocês. Ele já deve ter contado o que aconteceu com o João e o Firmino. E, olhem bem, eu já conhecia os dois, já tinham trabalhado do meu lado na selva. A essa hora, devem estar na estrada, com os pés em carne viva.
Mais outra pausa, o pé direito sobre uma cadeira. Prosseguiu:
– Prestem bem atenção, não vou repetir: a vida na selva é coisa pra homem, não pode haver vacilo, se bobear, morre. E, ninguém vai chorar por isso. Se não tiver disciplina, obedecer rigorosamente às leis da selva, adeus. Lá, a gente vai comer o que o Mário conseguir cozinhar, beber água do rio, enfrentar animais selvagens, mosquitos, doenças. Não tem mulher dando sopa nem puteiro pra afogar o ganso. E, ai de vocês se tentarem alguma coisa com as índias. Se os maridos ou pais delas souberem de alguma coisa, arrancam o caralho com a faca na hora. Eles são ingênuos, mas têm seu código de honra e somos nós que temos que nos adaptar a eles e não eles a nós. Se sentirem falta de mulher, vão para um canto qualquer e toquem uma punheta. Nunca, em hipótese alguma, tentem qualquer aproximação com as índias. O que espera a gente é trabalho duro, dificuldades que vocês nunca imaginaram passar. Se estão dispostos a enfrentar a parada, vão ser bem recompensados no final. Vão ganhar tanto dinheiro que, se tiverem juízo, não vão mais precisar trabalhar na vida. Mas, se acham que não vão aguentar, digam agora, voltem para Fortaleza. Agora, se quiserem ficar, têm que obedecer às minhas regras. Caso contrário, vão voltar igual àqueles outros dois.
Todos ouviram em silêncio, nenhum ruído se ouvia a não ser o barulho das ondas batendo no casco do navio. Ninguém perguntou nada, ousou abrir a boca.
Faustino concluiu:
– Estamos entendidos, não é?
Outro silêncio, alguns dos homens concordaram com um gesto de cabeça.
– Se alguém quiser desistir, fale com o Pedro, que no próximo porto, arranjo para voltar para Fortaleza.
Virou as costas e saiu do refeitório. Chamou Pedro ao sair, com um sinal com os dedos.
Já do lado de fora, disse em voz baixa para Pedro:
– Fique de olho nesse pessoal, Pedro. Se alguém reclamar de alguma coisa que eu falei, me diga que eu mando logo embora. Tenho que ter gente de absoluta confiança junto de mim.
– Tudo certo, patrão. Mas, me diga uma coisa: o senhor já pensou quem vai colocar no lugar do João e do Firmino?
– Já, Pedro. Deixa comigo.
Despediram-se e Faustino foi até o camarote de Jeremias, que o convidara para uma última dose de conhaque.





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