quarta-feira, dezembro 14, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 47


OS DESBRAVADORES

Capítulo 47


Calfilho




XLVII 



Mais três dias de viagem e alcançaram Dakar, na costa africana. A capital do Senegal, colônia francesa, era um porto movimentado do Atlântico, na África.
Quando desembarcaram, os cinco companheiros de viagem ficaram surpresos com o número de pessoas que os assediaram, oferecendo suas mercadorias, indicando-lhes passeios, bares e restaurantes. Quase não podiam andar, tamanho o número de negros, com suas vestes compridas que iam até os pés, atravancando-lhes o caminho.
Compraram uma bugiganga aqui, outra ali, conseguindo a muito custo desvencilhar-se dos importunos. Ficaram por ali mesmo, nas imediações do porto, não se atrevendo a conhecer melhor a cidade. Além de não desejarem gastar o pouco dinheiro que levavam, o navio também não iria demorar muito tempo em Dakar. Somente o tempo necessário para o reabastecimento de combustível e o carregamento de alguma mercadoria perecível, que se destinaria ao consumo dos passageiros.
Fizeram o que estavam acostumados: um passeio pelas ruas estreitas da região do cais, um trago ou outro num boteco escondido. Joaquim, mais precavido, preparou três sanduíches de salame no café da manhã do navio, levando-os com ele. Tendo bom coração, dividiu a pequena refeição com os amigos. Manolo, como de hábito, comprou três pacotes de cigarros senegaleses.
Enquanto bebiam alguns copos de vinho em pé, junto ao balcão engordurado de um barzinho da cidade, Joaquim contava suas mágoas:
– Eu tenho que arranjar logo um bom dinheiro no Brasil. Minha família está até o pescoço de dívidas.
– Você vai para qual cidade, Joaquim? – perguntou Miguel.
– Vou ficar no Rio de Janeiro – respondeu. – Meu cunhado, casado com minha irmã, tem um estabelecimento num subúrbio da cidade. Acho que se chama Encantado... ou coisa parecida.
– Então, vais trabalhar para o teu cunhado... Esse estabelecimento é de quê? – perguntou Antonio.
Joaquim olhou para ele interrogativamente.
– Não entendi... estabelecimento de quê?
– O que faz esse estabelecimento? Vende o quê? É um bar? Um restaurante? – esclareceu Antonio.
– Ah! sim – retrucou Joaquim. – É um armazém de secos e molhados.
– E você sabe onde fica esse subúrbio? O Encantado?
– Não tenho a mínima ideia. Espero que seja junto da praia para que eu possa admirar as cachopas – respondeu, com um sorriso nos lábios.
– Acho difícil – duvidou Manolo. – Subúrbio geralmente é lugar afastado, longe de tudo que é bom.
– Lá em Portugal, você vivia com quem, Joaquim? És casado? Tens filhos? – perguntou Miguel.
– Não, sou muito novo para isso – respondeu Joaquim, sorrindo. – Vivia com meus pais e meus irmãos, que são oito.
– Puxa vida, parecido comigo. – comentou Manolo. – É muita gente para sustentar.
– A gente tem uma pequena propriedade lá em Trás-os-Montes. Mas, com o frio, a lavoura não tem dado nada. O nosso gado, que já era pouco, agora quase não dá leite. Cinco cabeças, apenas. Tínhamos algumas cabras, mas fomos obrigados a vender. Emprego não se arranja. Fui tentar a sorte nas cidades próximas, cheguei a passar fome – lamentou-se Joaquim.
– É, está duro mesmo – filosofou Raphael. – Acho que nós todos temos uma história parecida. Ninguém sai de sua terra porque quer.
Cada um deles trazia consigo um passado de tristeza, de amargura, de sofrimentos. E, agora, quando alguns encerravam a segunda década de vida e outros iniciavam a terceira, partiam cheios de esperanças para o desconhecido, para a terra nova que lhes abria as portas, oferecendo-lhes um futuro promissor e uma vida menos sacrificada.
Na volta ao navio foram novamente cercados pelos negros senegaleses oferecendo-lhes colares, pulseiras e outros objetos típicos da região. Falavam francês, a língua de seus colonizadores.
Manolo saía gritando em espanhol:
– Não compreendo, não compreendo – afastando de perto dele os vendedores.
Nem os nativos também compreendiam o que ele dizia...

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