OS DESBRAVADORES
Capítulo 46
Calfilho
XLVI
Porto seguinte: Lanzarote, nas Ilhas
Canárias.
Novamente, os quatro amigos foram
visitar a cidade. A eles juntou-se Joaquim, um português da região de
Trás-os-Montes. Aliás, eram poucos os imigrantes que desciam à terra, seja
porque não tinham dinheiro para gastar ou não quisessem dispor do pouco que
traziam com eles.
Durante a viagem de Funchal a Lanzarote,
Raphael sugeriu jogarem cartas. Conseguiram um baralho com um dos taifeiros,
mas Antonio não quis participar do jogo. Como eram necessários quatro para
formar a roda de buraco, Joaquim, que já andava peruando as saídas dos
espanhóis nos portos de escala, querendo acompanhá-los, mas com vergonha de se
oferecer, aproveitou a oportunidade para perguntar se poderia participar da
roda. Os espanhóis concordaram e o português juntou-se a eles.
Era um sujeito alegre, descontraído,
vivia contando piadas, um sorriso sempre estampado nos lábios. Baixinho, meio
gordinho, espesso bigode preto, cabelos lisos e negros penteados para trás, no
tradicional estilo “boi lambeu”. Entretanto, nele, o que chamava mais atenção
era a corda que usava na cintura, no cós da calça, fazendo às vezes de cinto.
Ninguém lhe perguntou nada, mas todos reparavam. No navio andava de tamancos de
madeira, camisa de meia encardida cobrindo-lhe o tórax. No dia em que
desembarcaram em Lanzarote vestiu uma camisa velha, mas limpa, e calçou um par
de sapatos surrados, que pareciam nunca ter visto graxa. Não trocou de calça,
já que trouxera somente aquela.
O português que falava era bem
carregado, quase impossível de ser entendido pelos espanhóis. Só conseguiram se
fazer compreender razoavelmente depois de quatro ou cinco dias de convivência.
O mesmo pensava Joaquim em relação
aos espanhóis, que falavam uma língua incompreensível para ele.
Na cidade,
também alcançada de bote, tendo o navio ancorado ao largo, juntaram os trocados
e decidiram alugar uma charrete, onde os quatro se acomodaram precariamente,
além do dono da viatura.
Lanzarote é uma ilha vulcânica, uma daquelas que compõem o arquipélago das
Canárias. É a que fica na parte mais oriental do conjunto de ilhas, formada por
vulcões adormecidos, rios de lava e enormes crateras. O charreteiro, querendo
demonstrar que conhecia bem o local, explicou aos imigrantes que a ilha foi
descoberta por um navegador de Gênova, cujo nome era
Lanzelot. No
século XVIII, entre 1730 e 1736, ocorreram grandes erupções vulcânicas, que
destruíram vilas inteiras, tendo a população fugido para as ilhas vizinhas do
arquipélago.
A capital é Arrecife. Ainda segundo o
charreteiro, que ia fazendo o seu relato com prazer enquanto conduzia o
veículo, o arquipélago fica a uma distância de 1000 kms. da costa ibérica e a
140 da africana. A paisagem é árida, a terra marcada violentamente pela lava
vulcânica, mas era um ponto importante de parada de navios entre a Europa e a
América do Sul, bem como o sul da África. E, o mais importante para os europeus
da época das grandes navegações: o caminho marítimo para as Índias.
O passeio foi bem interessante,
durando aproximadamente umas três horas. Depois, o charreteiro levou seus
clientes para almoçar num botequim perto do porto. Comeram peixe, produto
principal da região.
Já de volta ao navio, Raphael
comentou:
– Olha que eu não podia gastar o
dinheiro que gastei, mas valeu a pena o passeio.
– Também gostei muito – concordou
Antonio. – E, você, Joaquim, o que achou?
O português coçou o espesso bigode.
Respondeu:
– Bonito, bonito, ora pois, pois.
Mas, eu não posso ficar gastando dinheiro desse jeito. Vou acabar passando
fome.
Miguel deu-lhe um tapinha nas costas.
– Aproveita um pouco a vida, homem.
Às vezes, vale a pena gastar um pouquinho.
– É que vocês não devem saber o que é
passar fome – rebateu Joaquim, enquanto tirava o baralho do bolso da calça. –
Vamos jogar uma partidinha?
Manolo respondeu, sempre com o
cigarro pendurado no canto da boca:
– Vamos sim. Ainda falta uma hora
para o jantar.
Sentaram-se no chão do convés, menos
Antonio, que apreciava a partida do navio, a cidade distanciando-se aos poucos.
Em pouco tempo, conversavam alegremente, enquanto as cartas corriam de mão em
mão.
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