quarta-feira, dezembro 14, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 46


OS DESBRAVADORES

Capítulo 46

Calfilho



XLVI


Porto seguinte: Lanzarote, nas Ilhas Canárias.
Novamente, os quatro amigos foram visitar a cidade. A eles juntou-se Joaquim, um português da região de Trás-os-Montes. Aliás, eram poucos os imigrantes que desciam à terra, seja porque não tinham dinheiro para gastar ou não quisessem dispor do pouco que traziam com eles.
 Durante a viagem de Funchal a Lanzarote, Raphael sugeriu jogarem cartas. Conseguiram um baralho com um dos taifeiros, mas Antonio não quis participar do jogo. Como eram necessários quatro para formar a roda de buraco, Joaquim, que já andava peruando as saídas dos espanhóis nos portos de escala, querendo acompanhá-los, mas com vergonha de se oferecer, aproveitou a oportunidade para perguntar se poderia participar da roda. Os espanhóis concordaram e o português juntou-se a eles.
Era um sujeito alegre, descontraído, vivia contando piadas, um sorriso sempre estampado nos lábios. Baixinho, meio gordinho, espesso bigode preto, cabelos lisos e negros penteados para trás, no tradicional estilo “boi lambeu”. Entretanto, nele, o que chamava mais atenção era a corda que usava na cintura, no cós da calça, fazendo às vezes de cinto. Ninguém lhe perguntou nada, mas todos reparavam. No navio andava de tamancos de madeira, camisa de meia encardida cobrindo-lhe o tórax. No dia em que desembarcaram em Lanzarote vestiu uma camisa velha, mas limpa, e calçou um par de sapatos surrados, que pareciam nunca ter visto graxa. Não trocou de calça, já que trouxera somente aquela.
O português que falava era bem carregado, quase impossível de ser entendido pelos espanhóis. Só conseguiram se fazer compreender razoavelmente depois de quatro ou cinco dias de convivência.
O mesmo pensava Joaquim em relação aos espanhóis, que falavam uma língua incompreensível para ele.
Na cidade, também alcançada de bote, tendo o navio ancorado ao largo, juntaram os trocados e decidiram alugar uma charrete, onde os quatro se acomodaram precariamente, além do dono da viatura.
Lanzarote é uma ilha vulcânica, uma daquelas que compõem o arquipélago das Canárias. É a que fica na parte mais oriental do conjunto de ilhas, formada por vulcões adormecidos, rios de lava e enormes crateras. O charreteiro, querendo demonstrar que conhecia bem o local, explicou aos imigrantes que a ilha foi descoberta por um navegador de Gênova, cujo nome era Lanzelot. No século XVIII, entre 1730 e 1736, ocorreram grandes erupções vulcânicas, que destruíram vilas inteiras, tendo a população fugido para as ilhas vizinhas do arquipélago.
A capital é Arrecife. Ainda segundo o charreteiro, que ia fazendo o seu relato com prazer enquanto conduzia o veículo, o arquipélago fica a uma distância de 1000 kms. da costa ibérica e a 140 da africana. A paisagem é árida, a terra marcada violentamente pela lava vulcânica, mas era um ponto importante de parada de navios entre a Europa e a América do Sul, bem como o sul da África. E, o mais importante para os europeus da época das grandes navegações: o caminho marítimo para as Índias.
O passeio foi bem interessante, durando aproximadamente umas três horas. Depois, o charreteiro levou seus clientes para almoçar num botequim perto do porto. Comeram peixe, produto principal da região.
Já de volta ao navio, Raphael comentou:
– Olha que eu não podia gastar o dinheiro que gastei, mas valeu a pena o passeio.
– Também gostei muito – concordou Antonio. – E, você, Joaquim, o que achou?
O português coçou o espesso bigode. Respondeu:
– Bonito, bonito, ora pois, pois. Mas, eu não posso ficar gastando dinheiro desse jeito. Vou acabar passando fome.
Miguel deu-lhe um tapinha nas costas.
– Aproveita um pouco a vida, homem. Às vezes, vale a pena gastar um pouquinho.
– É que vocês não devem saber o que é passar fome – rebateu Joaquim, enquanto tirava o baralho do bolso da calça. – Vamos jogar uma partidinha?
Manolo respondeu, sempre com o cigarro pendurado no canto da boca:
– Vamos sim. Ainda falta uma hora para o jantar.
Sentaram-se no chão do convés, menos Antonio, que apreciava a partida do navio, a cidade distanciando-se aos poucos. Em pouco tempo, conversavam alegremente, enquanto as cartas corriam de mão em mão.

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