OS DESBRAVADORES
Capítulo 42
Calfilho
XLII
Três dias depois, a
“Filomena” já estava carregada, o convés coberto com as pélas bem protegidas
por grossas lonas de tecido grosso e fortemente amarradas.
Pela manhã, pouco depois das oito,
Morais despedia-se de Faustino:
– Bem, Faustino, vou andando. Pensei
que teu filho fosse nascer antes que eu partisse e eu estivesse aqui para
alguma coisa que precisasse. Mas, como não nasceu, vou deixar Ana e Maria do
Céu aqui com vocês e vou entregar esta mercadoria pra gente não pagar nenhuma
multa. Mas, volto em seguida, não se preocupe. Ainda mais que você ainda tem
muita péla estocada e já deve ter mais quando eu voltar.
– Está certo, Morais. É pena você não
poder ficar, mas,
realmente é melhor você ir. Quando voltar, teu afilhado já deve ter nascido.
realmente é melhor você ir. Quando voltar, teu afilhado já deve ter nascido.
– Meu afilhado? – perguntou Morais
surpreso. – Porra, Faustino, você me deixa envaidecido...
– É claro que você será o padrinho...
Quem mais poderia ser? – rebateu Faustino, abraçando o amigo.
O convite ainda não havia sido feito
anteriormente, mas Faustino já conversara com Maria Teresa e já tinham decidido
que Morais e Ana seriam os padrinhos.
Ana também abraçou Maria Teresa,
agradecendo o convite. Depois, despediu-se do marido:
– Vai com cuidado, Morais. E vê se
volta logo, não fica perdido em farras lá em Belém.
Morais só sorriu.
– Você e Maria do Céu, tomem cuidado,
estão em plena selva. Não vão querer ficar passeando por aí como se estivessem
em cidade grande – disse.
Beijou a mulher e a filha e pulou
para dentro da “Filomena”. Miranda ligou o motor.
A gaiola sumiu ao longe, na curva do
igarapé.
O acampamento voltou à sua rotina.
Maria Teresa mostrou a Ana e Maria do
Céu, como convivia com as índias, como estas tinham interesse em aprender a
costurar, fazer rendas e cozinhar. Mesmo as Akawés, a princípio arredias, agora
atravessavam o igarapé pela manhã com os maridos, e ficavam o dia inteiro em
volta de Maria Teresa, convivendo em harmonia com as Denis. Naquele 29 de
novembro, dia da partida de Morais e Miranda, Maria Teresa ainda conseguiu
andar normalmente, mostrando o acampamento a Ana e a filha. Fez a roda normal
de costura com as índias, almoçou com Faustino e o resto do pessoal junto a uma
das fogueiras. Andava com bastante dificuldade, carregando com muito esforço o
filho em seu ventre. Tinha dificuldade em respirar, suava
abundantemente, a toda hora procurava um lugar onde pudesse sentar e descansar por alguns instantes. Ana não saiu do seu lado, vigiando com atenção todos os seus movimentos. Sabia que a hora do parto estava próxima e queria tomar todas as providências necessárias para que tudo corresse em normalidade, sem nenhum imprevisto que pudesse atrapalhar o nascimento da criança.
abundantemente, a toda hora procurava um lugar onde pudesse sentar e descansar por alguns instantes. Ana não saiu do seu lado, vigiando com atenção todos os seus movimentos. Sabia que a hora do parto estava próxima e queria tomar todas as providências necessárias para que tudo corresse em normalidade, sem nenhum imprevisto que pudesse atrapalhar o nascimento da criança.
À noite, Maria Teresa estava
indisposta e andar causava-lhe muito esforço. Deitou em sua rede e avisou a
Faustino que estava bem, mas preferia descansar. O marido levou-lhe o jantar na
rede, mas ela só conseguiu tomar algumas colheres de sopa. Dormiu mal durante a
madrugada, acordando a todo o momento, sentindo muita dificuldade em virar de
lado na rede. Faustino mandou chamar Ana em sua tenda, pedindo-lhe que ficasse
ao lado da mulher, indo ele dormir na cabana de Pedro.
Aquela madrugada foi terrível para
Maria Teresa. Pouco dormiu, a criança mexia muito em sua barriga.
Na manhã seguinte, entretanto, ela
acordou bem disposta, conseguindo sair da rede sem maior dificuldade. Foi ao
banheiro, escovou os dentes, tomou um banho de água fria, sempre acompanhada
por Ana, que não a deixou sozinha um único instante.
Tomou o café da manhã junto com
Faustino, Ana e Maria do Céu.
– Como é Teresa, melhorou? –
perguntou Faustino.
Ela, bebendo um pouco de chá de ervas
que Ana preparara:
– Um pouco melhor, Faustino –
respondeu. – Mas, o “bichinho” está muito agitado, está se mexendo muito. Acho
que está doido para sair da barriga – tentou brincar.
Sua fisionomia estava pálida, o suor
escorria-lhe pela face e pela testa.
Faustino tentou disfarçar a
preocupação, enquanto mastigava um pedaço de bolo de mandioca.
– Vê se descansa bastante, não tem
necessidade de ficar andando pra lá e pra cá – disse. – A Ana vai estar sempre
do seu lado, não precisa se preocupar.
– Tá bem, tá bem, Faustino – retrucou
ela, um pouco impaciente. – Vai trabalhar em paz, pode deixar que eu estou bem.
Faustino levantou-se, deu um beijo na
testa da mulher, dizendo:
– Está certo, vou trabalhar. Mas, vou
ficar aqui por perto. Qualquer coisa manda me chamar.
Depois que ele se afastou, Ana comentou
com Maria Teresa:
– Ele está preocupado, Teresa.
Também, não é para menos, é o primeiro filho, quem sofre mais são os homens.
Ajudou Maria Teresa a levantar da
espreguiçadeira e conduziu-a pelo braço até o interior da tenda. Maria Teresa
acomodou-se na rede com dificuldade, a enorme barriga pesando-lhe os movimentos.
acomodou-se na rede com dificuldade, a enorme barriga pesando-lhe os movimentos.
As índias, tanto as Denis como as Akawés,
logo a rodearam. Ana tentou explicar-lhes que a “professora” de costura não
estava bem, que o neném estava para nascer. Elas pareceram não se importar com
as explicações, brincando e rindo alegremente em volta da gestante. Maria
Teresa pediu a Ana que as deixasse de lado, que não se importasse com elas, não
lhe estavam fazendo mal.
Por volta das dez horas, Ana tentou
tirar Maria Teresa da rede.
– Vamos, Teresa, vê se saí um pouco
dessa rede, se mexe um pouco. Vamos tentar fazer alguns exercícios de
respiração.
Ela levantou-se a muito custo.
Reclamou:
– Estou meio tonta, Ana. A barriga
está pesando muito.
Sentou-se no chão, Ana mandou que
cruzasse a pernas e forçasse a respiração, inspirando e expirando lentamente.
Depois, estendeu uma toalha no chão e mandou que ela deitasse de costas. Fez
outros exercícios de respiração, expelindo o ar dos pulmões bem devagar.
Faustino, de quinze em quinze minutos,
vinha até a barraca saber como ela estava. Era visível sua preocupação, sua
ansiedade. Perguntava a Ana se havia algo que pudesse fazer, apertava a mão da
mulher tentando transmitir-lhe uma sensação de calma que ele mesmo não
conseguia aparentar.
Chegaram duas velhas índias, uma
Deni, outra Akawé, com intervalo de meia hora aproximadamente. Dirigiram-se
primeiro a Maria Teresa, depois a Ana. Nenhuma das duas entendeu o que elas
queriam dizer. Faustino foi chamado. Como também não entendesse o que elas tentavam
explicar, mandou chamar Auã.
O enorme índio seminu entrou na
barraca. Faustino pediu-lhe que tentasse traduzir o que as duas velhas índias
queriam. Depois de conversar rapidamente com as duas, explicou secamente:
– Elas fazem os partos nas tribos delas.
Estão oferecendo seus serviços.
Ana respondeu prontamente:
– São muito bem-vindas. Toda ajuda
que eu puder ter vai ser de muita valia.
Na hora do almoço, Maria Teresa comeu
muito pouco. Uma sopa de tartaruga, sem sal ou tempero. Quase vomitou tudo, mas
conseguiu segurar o alimento no estômago.
Depois de dormir um pouco após o
almoço, pediu a Ana que a ajudasse a andar por alguns minutos.
– Isso é bom – disse Ana. – Você não
deve ficar muito tempo parada. Incha os pés.
De braços com Ana e Maria do Céu, ela
saiu da barraca e andou um pouco pela margem do igarapé. Chegou a brincar:
– Maria do Céu, que tal a gente dar
uma voltinha de canoa?
Ana olhou para a filha
interrogativamente. Perguntou:
– Você quer ir, Céu?
A menina hesitou um pouco.
– Não tem perigo, mãe? – indagou.
– Acho que não – respondeu. – Tem,
Teresa?
Ela riu. Olhou para Maria do Céu e
respondeu:
– Não, sua boba, eu já andei várias
vezes. De vez em quando aparece um jacaré ou um peixe-boi, mas nunca fizeram
nada comigo.
Maria do Céu engoliu em seco. Maria
Teresa e Ana riram à vontade, soltando boas gargalhadas.
– Cadê tua coragem? Com medo de um
pobrezinho de um jacaré?
Acabaram desistindo da canoa. Maria
Teresa pediu a Ana que a acompanhasse até o barracão no fundo do acampamento,
onde Faustino deveria estar.
– Vamos até lá? Assim acalmo um pouco
o Faustino.
Dirigiram-se para lá, passando pelas
fogueiras e pelas tendas dos empregados. Mário lavava as marmitas e as panelas
utilizadas no almoço. Brincou com Maria Teresa:
– O que o neném vai querer para o
jantar, dona Teresa?
Ela respondeu, sorrindo, passando por
ele:
– Faz uma sopa de surucucu, Mário. E,
bota bastante pimenta.
Faustino ficou um pouco surpreso com
a visita das três mulheres. Maria Teresa raramente o procurava lá nos fundos do
acampamento. Vestiu rapidamente a camisa, abotoando-a no peito.
– A que devo a honra da visita? –
brincou. – Você está bem, Teresa?
Ela respondeu, um pouco ofegante:
– Tudo bem, Faustino. Decidimos dar
uma volta e viemos aqui visitá-lo. Estamos te atrapalhando?
– Não, meu bem. Não atrapalham não.
Somente estranhei, pensei que você estivesse sentindo alguma coisa.
Ana e Maria do Céu olhavam curiosas
para as enormes pélas estocadas e para os buiões
fumegando. Faustino, reparando na curiosidade de ambas, explicou-lhes como eram
preparadas as pélas.
– É assim que eu ganho a vida, Ana. É
meio dura, não é?
– brincou.
– brincou.
– É, na realidade tem que ser
aventureiro para vir para cá e ficar tão isolado de tudo. Vocês já se
acostumaram, não é?
– No início, eu estranhei muito –
respondeu Maria Teresa. – Hoje, nem percebo que a gente está tão só aqui, no
meio do nada. É tanta coisa para a gente fazer que o dia passa tão rápido que
nem se percebe.
Despediram-se de Faustino, voltando
para a cabana.
As índias, tanto as Denis como as Akawés,
aguardavam pacientemente o retorno da “professora”, exibindo, orgulhosas, as
peças de renda em suas mãos. Saudaram Maria Teresa com entusiasmo,
acariciando-lhe o rosto e os cabelos. Entraram todas na tenda. A gestante
sentou-se numa das espreguiçadeiras, tendo as índias em sua volta. Ela sentia
algumas dores, ora mais leves, ora mais agudas, apertando os lábios com força,
procurando disfarçar o desconforto. Procurou distrair-se, ajudando as índias na
grande toalha de renda que todas faziam em conjunto. Mas, de vez em quando, a
criança mexia-se em seu ventre, ela sentia uma pontada forte, dava um gemido
disfarçado.
Quando Faustino chegou, por volta das
cinco e meia, perguntou:
– E então, Teresa, vamos jantar?
Ela tentou levantar da
espreguiçadeira. Não conseguiu.
– Não, Faustino, não estou muito bem.
Vai você – respondeu.
Ele olhou para ela, preocupado:
– Mas, o que houve? Você estava tão
bem ainda há pouco.
– Não sei, Faustino, não sei –
respondeu ela. – Está doendo muito, acho que está chegando a hora. Estou
sentindo as pernas pesadas, talvez tenha sido o esforço de ter andado hoje à
tarde.
– Então, está bem. Vou mandar o Mário
te preparar uma sopinha, alguma coisa leve.
Virou-se para Ana:
– Ana, Maria do Céu, vocês vêm
jantar? – perguntou ele.
Ana retrucou:
– Maria do Céu, vai você. Eu fico
aqui com a Teresa.
Faustino concluiu, enquanto deixava a
tenda:
– Mando trazer alguma coisa para você
também, Ana. Qualquer coisa, é só gritar.
Maria do Céu o acompanhou.
Nenhum comentário:
Postar um comentário