OS DESBRAVADORES
Capítulo 45
Calfilho
XLV
Os dias de viagem se sucediam
monótonos, um repetindo o outro. As novidades ficavam por conta dos portos em
que ancoravam. Após cinco dias de navegação em alto-mar depois que deixaram
Leixões, o porto seguinte foi Funchal, capital da Madeira.
Ilha de colonização portuguesa,
apresentava um desenvolvimento muito grande para uma simples colônia. Apesar de
ali também os navios de grande calado não atracarem diretamente no porto, a
cidade era bem planejada, ruas limpas e bem cuidadas, jardins exuberantes. Mais
para o interior, na região montanhosa, várias lavouras de banana e muitas
habitações sendo construídas. Como no litoral, tudo limpinho e bem conservado.
Ali também Manolo e seus companheiros
espanhóis foram até a cidade, tentando esquecer um pouco os cinco dias passados
no mar. Repetiram o que fizeram em Leixões: Manolo comprou mais cigarros, os
outros algumas lembrancinhas para os parentes. Tomaram mais uns tragos,
passearam pela ilha, acabaram almoçando por lá. Almoço simples, numa pensão
modesta. E só fizeram isso porque estavam longe do porto e não daria tempo de
retornar para o almoço no navio. Economia, para eles, era uma questão de
sobrevivência, já que tinham apenas o dinheiro contado para chegar ao destino.
– Esse lugar estava bom para eu ficar – comentou Manolo, enquanto comiam fatias de
presunto com pão – Vocês viram o número de prédios sendo construídos?
– E por que você não fica? – brincou
Raphael.
– Agora não dá mais. Meu irmão já
está me esperando lá no Brasil, não vou deixar ele na mão. Mas, que dava vontade
de ficar, isso dava. Com tanta obra por aqui em andamento, emprego é que não me
faltaria – retrucou Manolo.
– É aquele negócio – interveio
Antonio, virando uma caneca de vinho tinto. – A gente nunca consegue fazer
aquilo que quer, aquilo que gosta. Sempre acabamos aceitando alguma coisa fora
do nosso ramo de trabalho.
– Caso contrário, morre-se de fome –
filosofou Miguel – Mas, tenho esperança de que, após algum tempo de trabalho,
mesmo sendo naquilo que a gente conseguir arranjar, vamos nos dar melhor, achar
alguma coisa que seja do nosso gosto. Por falar nisso, vocês pensam em voltar
para a Espanha depois que conseguirem algum dinheiro?
– Não sei, não sei – respondeu
Manolo, com hesitação – Tudo vai depender de como as coisas vão se passar lá
pelo Brasil. Quem sabe acabo casando com uma brasileira? – indagou, com um
sorriso maroto nos lábios.
– Dizem que elas são muito bonitas e
muito “calientes”– brincou Antonio, pegando um pepino em conserva com um palito
e enfiando-o na boca. – Já eu, que vou para a Argentina, penso em voltar para
minha terra. É só juntar um bom dinheiro. Mal ou bem, deixei uma namorada firme
lá minha cidade, não penso em me fixar em Buenos Aires.
– Eu também não sei – disse Raphael.
– Como disse o Manolo, tudo vai depender do que eu conseguir lá no Brasil. Para
mim, tudo é incerto, não sei de nada do que vai me acontecer. E você, Miguel?
Ele coçou a cabeça, refletindo sua
hesitação. Respondeu:
– Eu estou como vocês. Ainda não
pensei sobre isso. É lógico que se puder e tiver condições para isso, volto
para a minha terra. Afinal de contas, minhas raízes estão lá, minha família,
minha língua...
– Mas, por que vocês escolheram o
Brasil e a Argentina? Todo mundo diz que os Estados Unidos oferecem melhores
condições para fazer um pé-de-meia rápido
– perguntou Manolo.
– Sei disso – respondeu Antonio. –
Tenho um tio e dois irmãos que estão lá. Mas, tem o problema da língua... Eu
que sou analfabeto no espanhol, só sei assinar meu nome, quem dirá no inglês...
– Além disso, eu não tenho ninguém
nos Estados Unidos para me dar acolhida, ao contrário do Brasil, onde já tenho
emprego garantido no restaurante onde trabalha meu primo – retrucou Raphael.
– É duro a gente ter que largar nossa
família, nossa terra e ir buscar trabalho num país distante, que deve ser mais
atrasado que o nosso – comentou Miguel. – Mas, o frio, o inverno, a fome acabam
nos obrigando a fazer isso.
– Lá no Brasil, pelo menos, dizem que
faz calor o ano inteiro – brincou Raphael.
– É, acho que lá minha barriga não
vai roncar de fome. – acrescentou Miguel.
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