domingo, dezembro 11, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 45


OS DESBRAVADORES

Capítulo 45

Calfilho




XLV



Os dias de viagem se sucediam monótonos, um repetindo o outro. As novidades ficavam por conta dos portos em que ancoravam. Após cinco dias de navegação em alto-mar depois que deixaram Leixões, o porto seguinte foi Funchal, capital da Madeira.
Ilha de colonização portuguesa, apresentava um desenvolvimento muito grande para uma simples colônia. Apesar de ali também os navios de grande calado não atracarem diretamente no porto, a cidade era bem planejada, ruas limpas e bem cuidadas, jardins exuberantes. Mais para o interior, na região montanhosa, várias lavouras de banana e muitas habitações sendo construídas. Como no litoral, tudo limpinho e bem conservado.
Ali também Manolo e seus companheiros espanhóis foram até a cidade, tentando esquecer um pouco os cinco dias passados no mar. Repetiram o que fizeram em Leixões: Manolo comprou mais cigarros, os outros algumas lembrancinhas para os parentes. Tomaram mais uns tragos, passearam pela ilha, acabaram almoçando por lá. Almoço simples, numa pensão modesta. E só fizeram isso porque estavam longe do porto e não daria tempo de retornar para o almoço no navio. Economia, para eles, era uma questão de sobrevivência, já que tinham apenas o dinheiro contado para chegar ao destino.
– Esse lugar estava bom para eu ficar  – comentou Manolo, enquanto comiam fatias de presunto com pão – Vocês viram o número de prédios sendo construídos?
– E por que você não fica? – brincou Raphael.
– Agora não dá mais. Meu irmão já está me esperando lá no Brasil, não vou deixar ele na mão. Mas, que dava vontade de ficar, isso dava. Com tanta obra por aqui em andamento, emprego é que não me faltaria – retrucou Manolo.
– É aquele negócio – interveio Antonio, virando uma caneca de vinho tinto. – A gente nunca consegue fazer aquilo que quer, aquilo que gosta. Sempre acabamos aceitando alguma coisa fora do nosso ramo de trabalho.
– Caso contrário, morre-se de fome – filosofou Miguel – Mas, tenho esperança de que, após algum tempo de trabalho, mesmo sendo naquilo que a gente conseguir arranjar, vamos nos dar melhor, achar alguma coisa que seja do nosso gosto. Por falar nisso, vocês pensam em voltar para a Espanha depois que conseguirem algum dinheiro?
– Não sei, não sei – respondeu Manolo, com hesitação – Tudo vai depender de como as coisas vão se passar lá pelo Brasil. Quem sabe acabo casando com uma brasileira? – indagou, com um sorriso maroto nos lábios.
– Dizem que elas são muito bonitas e muito “calientes”– brincou Antonio, pegando um pepino em conserva com um palito e enfiando-o na boca. – Já eu, que vou para a Argentina, penso em voltar para minha terra. É só juntar um bom dinheiro. Mal ou bem, deixei uma namorada firme lá minha cidade, não penso em me fixar em Buenos Aires.
– Eu também não sei – disse Raphael. – Como disse o Manolo, tudo vai depender do que eu conseguir lá no Brasil. Para mim, tudo é incerto, não sei de nada do que vai me acontecer. E você, Miguel?
Ele coçou a cabeça, refletindo sua hesitação. Respondeu:
– Eu estou como vocês. Ainda não pensei sobre isso. É lógico que se puder e tiver condições para isso, volto para a minha terra. Afinal de contas, minhas raízes estão lá, minha família, minha língua...
– Mas, por que vocês escolheram o Brasil e a Argentina? Todo mundo diz que os Estados Unidos oferecem melhores condições para fazer um pé-de-meia rápido  – perguntou Manolo.
– Sei disso – respondeu Antonio. – Tenho um tio e dois irmãos que estão lá. Mas, tem o problema da língua... Eu que sou analfabeto no espanhol, só sei assinar meu nome, quem dirá no inglês...
– Além disso, eu não tenho ninguém nos Estados Unidos para me dar acolhida, ao contrário do Brasil, onde já tenho emprego garantido no restaurante onde trabalha meu primo – retrucou Raphael.
– É duro a gente ter que largar nossa família, nossa terra e ir buscar trabalho num país distante, que deve ser mais atrasado que o nosso – comentou Miguel. – Mas, o frio, o inverno, a fome acabam nos obrigando a fazer isso.
– Lá no Brasil, pelo menos, dizem que faz calor o ano inteiro – brincou Raphael.
– É, acho que lá minha barriga não vai roncar de fome. – acrescentou Miguel.

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