OS DESBRAVADORES
Capítulo 35
Calfilho
XXXV
Mais dois dias se passaram desde a caçada do jacaré.
Os homens voltaram ao trabalho normal, apesar de ainda
estarem com um olho na mata, preocupados com a movimentação que havia em seu
redor. Continuavam a perceber que estavam sendo vigiados. Mas, não viram
ninguém, nenhum índio da tribo dos akawés.
Como nada de anormal acontecera, já trabalhavam mais
despreocupados, a vigilância fora relaxada. Brincavam entre eles, contavam
piadas, riam alegremente.
Até Maria Teresa, depois que Faustino verificara que
não havia perigo imediato, ousou sair da tenda. Dava uma volta com as índias
pelo acampamento, visitou a taba dos Denis, lá na parte do fundo, voltou a
ensinar a arte de fazer toalhas e colchas de renda.
Estava ela na margem do igarapé, molhando descuidadamente
os pés, quando viu os dois índios. Levou um susto quando levantou a cabeça e
viu a canoa, no meio do riacho, conduzida pelos dois akawés. Correu rapidamente
de volta à tenda, enquanto os índios, da canoa, olhavam para ela com
curiosidade. Suas roupas, chapelão na cabeça, a barriga aumentada pela
gravidez, certamente chamaram a atenção dos silvícolas. Devia ser umas três da
tarde, Faustino não estava no acampamento. Maria Teresa, nervosa, mandou chamar
Pedro, que estava lá nos fundos, nos barracões dos buiões.
O capataz veio correndo:
– Pois não, dona Teresa – disse, ao entrar na tenda,
segurando o chapéu de palha entre as mãos.
– Pedro, quando eu estava ainda há pouco na margem do
rio, vi dois índios remando numa canoa. Ficaram olhando fixamente para o
acampamento. Tenho certeza de que não eram da tribo de Arumã.
– É mesmo, dona Teresa? E eles fizeram o quê?
– Só passaram remando e olhando para o acampamento.
Estavam a uns vinte metros de distância.
– Vou esperar o patrão chegar para ver o que ele vai
fazer. Não se preocupe, vou colocar alguém tomando conta da sua tenda –
concluiu Pedro, despedindo-se.
Maria Teresa ficou temerosa. Conversava com as índias
que a rodeavam, mas o pensamento estava lá fora, naquela canoa com os dois
homens. “Quem seriam eles? Por que passaram tão perto do acampamento, como
se quisessem observar tudo o que ali se passava?”.
O tempo custava a passar. Faustino demorava a chegar.
De tão nervosa que estava, o bebê mexia-se agitado na barriga de Maria Teresa.
As índias que lhe faziam companhia, não entendendo a gravidade e a extensão do
problema, riam, divertidas, enquanto ela fazia os seus pontos na toalha de
renda.
Finalmente, lá pelas cinco e meia, Faustino regressou
com uma turma de seringueiros. Enquanto supervisionava o descarregamento dos
baldes de látex nos buiões, Pedro aproximou-se, relatando-lhe o que Maria
Teresa lhe contara.
Ele deixou rapidamente o que estava fazendo, andando
apressado até sua tenda, acompanhado de Pedro. Ali, Maria Teresa repetiu o
relato que fizera ao capataz, mostrando sua preocupação.
Faustino acalmou-a:
– Calma, Teresa. Eles deviam estar só sondando o
ambiente. Não precisa ficar nervosa, cuidado com o neném.
Ele deixou a tenda, caminhando até a margem do
igarapé. Olhou para a frente e para os lados, procurando divisar alguma coisa
de anormal. Nada, somente a imensidão da floresta que o cercava. O riacho à sua
frente, com uns cinquenta metros de largura, parecia tranquilo, a água correndo
mansamente, em direção ao rio-mar, longe dali, mais de dois quilômetros de
distância. Na margem do outro lado, em frente, floresta densa, mata cerrada, o
barulho das aves e micos nas altas árvores.
Faustino disse para Pedro, em voz baixa:
– Pedro, coloque uns três homens vigiando aqui na
margem. Eles ficaram agitados depois que Maria Teresa viu a canoa com os
índios?
– Um pouco, patrão. Mas, eu acalmei eles, pode ficar
tranquilo.
– Hoje, na hora do jantar, serve uma dose de cachaça
pra todo mundo. Isso vai ajudar a relaxá-los.
– Pode deixar, patrão – respondeu Pedro, afastando-se.
Faustino deu uma última olhada para o igarapé,
conferindo novamente se tudo estava normal.
Entrou na tenda, tirou a arma da cintura e disse para
Maria Teresa:
– Teresa, está tudo quieto, por enquanto. Vou tomar um
banho e depois a gente vai jantar. Acho que, por ora, não há motivo para
preocupação.
Saiu da cabana, dorso nu, toalha pendurada nos ombros,
sabonete na mão direita.
Quando a noite caiu, sem que nenhum movimento fosse
percebido, uma agitação intensa de folhas e árvores era feita na outra margem
do igarapé, numa atividade febril de pernas e braços se movendo. Tudo num
silêncio absoluto.
Só se ouvia, na noite escura como breu, o rumorejar
das águas do igarapé e um ou outro animal noturno soltando um grito aqui e ali.
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