sexta-feira, novembro 25, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 35


OS DESBRAVADORES

Capítulo 35

Calfilho






XXXV





Mais dois dias se passaram desde a caçada do jacaré.
Os homens voltaram ao trabalho normal, apesar de ainda estarem com um olho na mata, preocupados com a movimentação que havia em seu redor. Continuavam a perceber que estavam sendo vigiados. Mas, não viram ninguém, nenhum índio da tribo dos akawés.
Como nada de anormal acontecera, já trabalhavam mais despreocupados, a vigilância fora relaxada. Brincavam entre eles, contavam piadas, riam alegremente.
Até Maria Teresa, depois que Faustino verificara que não havia perigo imediato, ousou sair da tenda. Dava uma volta com as índias pelo acampamento, visitou a taba dos Denis, lá na parte do fundo, voltou a ensinar a arte de fazer toalhas e colchas de renda.
Estava ela na margem do igarapé, molhando descuidadamente os pés, quando viu os dois índios. Levou um susto quando levantou a cabeça e viu a canoa, no meio do riacho, conduzida pelos dois akawés. Correu rapidamente de volta à tenda, enquanto os índios, da canoa, olhavam para ela com curiosidade. Suas roupas, chapelão na cabeça, a barriga aumentada pela gravidez, certamente chamaram a atenção dos silvícolas. Devia ser umas três da tarde, Faustino não estava no acampamento. Maria Teresa, nervosa, mandou chamar Pedro, que estava lá nos fundos, nos barracões dos buiões.
O capataz veio correndo:
– Pois não, dona Teresa – disse, ao entrar na tenda, segurando o chapéu de palha entre as mãos.
– Pedro, quando eu estava ainda há pouco na margem do rio, vi dois índios remando numa canoa. Ficaram olhando fixamente para o acampamento. Tenho certeza de que não eram da tribo de Arumã.
– É mesmo, dona Teresa? E eles fizeram o quê?
– Só passaram remando e olhando para o acampamento. Estavam a uns vinte metros de distância.
– Vou esperar o patrão chegar para ver o que ele vai fazer. Não se preocupe, vou colocar alguém tomando conta da sua tenda – concluiu Pedro, despedindo-se.
Maria Teresa ficou temerosa. Conversava com as índias que a rodeavam, mas o pensamento estava lá fora, naquela canoa com os dois homens. “Quem seriam eles? Por que passaram tão perto do acampamento, como se quisessem observar tudo o que ali se passava?”.
O tempo custava a passar. Faustino demorava a chegar. De tão nervosa que estava, o bebê mexia-se agitado na barriga de Maria Teresa. As índias que lhe faziam companhia, não entendendo a gravidade e a extensão do problema, riam, divertidas, enquanto ela fazia os seus pontos na toalha de renda.
Finalmente, lá pelas cinco e meia, Faustino regressou com uma turma de seringueiros. Enquanto supervisionava o descarregamento dos baldes de látex nos buiões, Pedro aproximou-se, relatando-lhe o que Maria Teresa lhe contara.
Ele deixou rapidamente o que estava fazendo, andando apressado até sua tenda, acompanhado de Pedro. Ali, Maria Teresa repetiu o relato que fizera ao capataz, mostrando sua preocupação.
Faustino acalmou-a:
– Calma, Teresa. Eles deviam estar só sondando o ambiente. Não precisa ficar nervosa, cuidado com o neném.
Ele deixou a tenda, caminhando até a margem do igarapé. Olhou para a frente e para os lados, procurando divisar alguma coisa de anormal. Nada, somente a imensidão da floresta que o cercava. O riacho à sua frente, com uns cinquenta metros de largura, parecia tranquilo, a água correndo mansamente, em direção ao rio-mar, longe dali, mais de dois quilômetros de distância. Na margem do outro lado, em frente, floresta densa, mata cerrada, o barulho das aves e micos nas altas árvores.
Faustino disse para Pedro, em voz baixa:
– Pedro, coloque uns três homens vigiando aqui na margem. Eles ficaram agitados depois que Maria Teresa viu a canoa com os índios?
– Um pouco, patrão. Mas, eu acalmei eles, pode ficar tranquilo.
– Hoje, na hora do jantar, serve uma dose de cachaça pra todo mundo. Isso vai ajudar a relaxá-los.
– Pode deixar, patrão – respondeu Pedro, afastando-se.
Faustino deu uma última olhada para o igarapé, conferindo novamente se tudo estava normal.
Entrou na tenda, tirou a arma da cintura e disse para Maria Teresa:
– Teresa, está tudo quieto, por enquanto. Vou tomar um banho e depois a gente vai jantar. Acho que, por ora, não há motivo para preocupação.
Saiu da cabana, dorso nu, toalha pendurada nos ombros, sabonete na mão direita.
Quando a noite caiu, sem que nenhum movimento fosse percebido, uma agitação intensa de folhas e árvores era feita na outra margem do igarapé, numa atividade febril de pernas e braços se movendo. Tudo num silêncio absoluto.
Só se ouvia, na noite escura como breu, o rumorejar das águas do igarapé e um ou outro animal noturno soltando um grito aqui e ali.

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