OS DESBRAVADORES
Capítulo 30
Calfilho
XXX
Na tarde do dia seguinte, conforme prometido, Arumã
chegou. Fizeram uma festa para recepcioná-lo e aos seus bravos.
Essa fora uma tradição que Faustino aprendera nas
vezes anteriores em que estivera na selva: os índios gostam de ser recebidos
com festa.
Durante o dia, antes que eles chegassem, os homens haviam
conseguido caçar uma enorme capivara, que, depois de limpa, foi colocada para
assar por Mário. A mandioca também foi colocada no braseiro, a farofa com os
miúdos do animal foi preparada, várias cestas de frutas ornamentavam a área do
chão que fora limpa e que servia de mesa improvisada entre as duas fileiras de
tendas.
Por volta das três da tarde já se ouvia ao longe o som
dos tambores. Esse barulho foi ficando mais perto, até que lá pelas quatro
horas eles irromperam na clareira. O cacique, homem alto, porte majestoso, com
um belo cocar de penas de aves diversas na cabeça, vinha na frente de uns
quinze homens e umas cinco mulheres aproximadamente. Os dorsos nus, vestiam
eles apenas minúsculas tangas, que lhe cobriam as partes íntimas. Tanto os
homens como as mulheres, já que estas desconheciam o uso do soutien para
cobrir-lhes os seios, costume das mulheres das cidades ditas civilizadas.
Faustino, Pedro e os homens os aguardavam no centro do
acampamento, junto às três fogueiras, já acesas. Faustino saudou Arumã com um
gesto com a mão direita levantada, batendo com a mesma no peito por três vezes.
Depois, abraçou calorosamente o cacique.
– Fico muito satisfeito em receber Arumã aqui no meu
acampamento – disse, numa mistura de português e aruak.
– Grande chefe Fastino, amigo dos índios – retribuiu
Arumã, abrindo um largo sorriso. Ele não conseguia pronunciar o “u” de
Faustino, chamando-o de Fastino.
Faustino apresentou Maria Teresa:
– Esta aqui é minha mulher, Arumã. Está esperando um
filho meu, que vai nascer aqui no Amazonas.
Arumã fez apenas uma reverência com a cabeça. Maria
Teresa ficou com a mão estendida no ar, sem saber o que fazer, pois o cacique
não a apertou, como faziam os brancos.
Faustino sussurrou em seu ouvido:
– Eles não sabem o que é cumprimentar apertando as
mãos. Fazem apenas um movimento inclinando a cabeça para a frente. Retribua.
Ela retribuiu o cumprimento. Arumã voltou a abrir o
sorriso, que mostrava a boca sem vários dentes na frente:
– Seja bem-vinda, grande mulher do chefe branco. Aqui
com Arumã e os seus, é só mandar que a gente obedece.
– Muito obrigada, chefe Arumã – agradeceu ela
timidamente. – Desculpe se eu não conheço muito bem seus costumes. Vou fazer
força para aprender.
Ele riu gostosamente, soltando uma sonora gargalhada.
– Não se preocupe com isso, grande chefe branca. Nós
também demoramos muito para aprender os costumes do homem branco.
Faustino mandou que os homens puxassem conversa com os
outros índios, procurando deixá-los à vontade. Sentaram-se no chão, em volta da
grande fogueira do centro, onde a capivara estava sendo assada. Faustino mandou
Pedro e Raimundo trazerem os presentes que haviam transportado: muito remédio
para doenças da selva, repelentes contra mosquitos, facas, facões, anzóis,
foices, enxadas, vacinas, coisas de que realmente os índios necessitavam.
Apesar de que tinham eles vivido muito bem sem nada daquilo até ali. Mas,
enfim, a civilização havia chegado até eles, levando com ela as doenças e as
coisas do homem branco e eles tinham que a ela se adaptar. Alguns vestidos para
as mulheres, um rifle para Arumã.
As índias se acercaram de Maria Teresa. Duas delas já
eram bem velhas, cabelos brancos, pele enrugada. Outras duas deviam ter por
volta de quarenta anos. E, uma outra mais nova, pouco mais de trinta. Todas
elas tinham os seios flácidos, caídos no peito. A não ser a mais nova, as
outras quatro não tinham dentes, pelo menos os da frente.
Curiosas, passavam os dedos pelas longas tranças de
Maria Teresa. Também tocavam o seu rosto branco, novidade para elas. Uma quis
que ela abrisse a boca, examinando seus dentes. Riam de tudo, como se
estivessem frente a frente com um brinquedo novo.
Maria Teresa mostrou-lhes algumas toalhas e
guardanapos de renda, feitos à mão, produtos típicos do artesanato de
Fortaleza. Elas soltaram risinhos de admiração. Uma tentou vestir a toalha,
pensando que fosse um vestido. Maria Teresa não pôde conter o riso,
explicando-lhes pacientemente para qual finalidade a toalha era usada,
estendendo-a no chão, como se este fosse uma mesa imaginária.
Mesmo não entendendo a língua umas das outras,
facilmente se entenderam pela linguagem universal dos gestos. Trocaram
presentes, enormes colares feitos de pedras preciosas presenteados pelas
índias; tesouras, pentes e brincos, oferecidos por Maria Teresa. Em pouco
tempo, já estavam se comunicando sem maiores problemas, rindo alegremente, as
índias sem parar de brincar com as tranças de Maria Teresa, coisa que,
realmente, atraiu-lhes a curiosidade.
Enquanto isso, depois das saudações costumeiras,
Faustino combinava com Arumã como poderiam os índios ajudar na expedição. O
cacique preferiu instalar seu acampamento, sua taba, um pouco distante dali, a
uns trezentos metros. Queriam ter sua privacidade, cultivar seus costumes, que
nada tinham a ver com aqueles dos brancos. Estavam prontos a colaborar na
extração da borracha, mediante um módico pagamento, bem menor do que aquele
pago por Faustino aos homens contratados. E, vantagem maior: conheciam os
caminhos da selva como ninguém, acostumados que estavam a nela se embrenhar,
varando seus esconderijos mais secretos.
Aquela noite, depois de devorarem a saborosa capivara,
todos no acampamento se divertiram, ouvindo e dançando sob o som dos tambores
indígenas ou o violão de José Ribamar.
Por volta das onze horas, Arumã e seus bravos se
retiraram, indo dormir um pouco mais longe, no local onde, no dia seguinte,
ergueriam a sua taba. Estenderam esteiras de palha no chão e ali dormiram, sem
medo dos mosquitos, das cobras ou de animais selvagens, coisas de que somente
os brancos tinham receio.
Faustino também mandou o pessoal dormir. No dia
seguinte, teriam que acordar cedo, agora realmente é que o trabalho iria
começar.
Maria Teresa, encantada com a recepção das índias,
estava ansiosa pelo retorno de Faustino à tenda. Quando este chegou, tirando
com ar de cansado a roupa do corpo, ela perguntou:
– Faustino, pelo amor de Deus, me ensina alguma coisa
da língua delas. Eu fico sem graça, elas querendo me agradar, rindo sem parar,
e eu não entendendo nada do que dizem.
Ele só ria, quase gozando um pouco da aflição da
mulher.
– Pode deixar, Teresa, você aprende aos poucos. Trata
elas bem, seja você mesma, que logo, logo vocês vão ser unha e carne – disse,
rindo, enquanto tirava com dificuldade as botas de couro dos pés cansados.
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