OS DESBRAVADORES
Capítulo 34
Calfilho
XXXIV
Os três dias seguintes transcorreram com aquele estado
de tensão pairando no ar. Os homens desempenhavam suas tarefas, mas sempre
preocupados com o que se passava ao seu redor, na mata cerrada que os envolvia.
Continuava o movimento invisível de folhas e arbustos, mas nenhum índio
aparecia. Mais duas flechas incendiárias foram lançadas sobre o acampamento e,
como das vezes anteriores, foram reconhecidas como sendo dos akawés.
Faustino procurava conversar com os homens, tentando
acalmá-los a fim de que não perdessem o controle. Conversou com Arumã e este
lhe disse que aquilo nunca acontecera antes. Quando os akawés atacavam sua
tribo havia logo o confronto direto, com vários mortos dos dois lados. Isso já
não ocorria há muito tempo, somente uma vez desde que ele assumira a chefia dos
Denis. Na época do seu pai cacique, os confrontos entre as duas tribos eram
mais frequentes. Depois que começou o ciclo da borracha, com a invasão dos
brancos em seu território, as tribos ficaram mais afastadas, sendo poucas as vezes
em que os caminhos se cruzaram.
Arumã contou a Faustino e aos homens da expedição
várias histórias desses confrontos, recheando o relato com versões fantásticas
da aparição do boitatá, do saci pererê e de outros mitos do folclore indígena.
Essas histórias fizeram os homens rir à vontade, descontraindo um pouco o
ambiente. Só Arumã é que não entendeu porque eles riam tanto. “Será que não
acreditavam no que ele lhes contava? Era porque nunca viram...”.
Nesse meio tempo, numa daquelas manhãs de tensão, o
acampamento acordou com os gritos de Mário. Faustino pulou da rede, colocou
rapidamente o revólver na cintura e saiu da tenda. Imaginava já um ataque dos
akawés. Do lado de fora, em frente às duas primeiras cabanas, a sua e a de
Pedro, junto à margem do igarapé, Mário e outros homens gritavam, agitados.
Mas, não era o tão esperado ataque da tribo inimiga.
Um enorme jacaré havia deixado a água e estava junto à
margem, caminhando vagarosamente em direção ao acampamento. Nem os gritos de
Mário o assustavam. Ia avançando lentamente, as grandes patas enfiando-se na
terra mole. Devia ter quase três metros de comprimento.
Os índios Denis, em sua taba lá nos fundos da
colocação, ouvindo a gritaria de Mário também, também pensaram que eram os
akawés atacando. Armaram-se com seus arcos e flechas e chegaram correndo até o
local de onde vinham os gritos.
Ninguém sabia o que fazer.
Mário gritou:
– Atirem nele! Atirem nele!
Zeferino também deu sua opinião:
– Vou dar uma paulada na cabeça dele!
Manuel, o português, também gritou:
– Botem um jerimum para ferver. Ouvi dizer que quando
ele abrir a boca é só jogar o jerimum que ele engole e morre logo!
E o enorme jacaré continuava a sua lenta caminhada em
direção à tenda de Faustino. Maria Teresa, já de pé, colocou o rosto para fora,
soltando um grito de pavor quando viu o tamanho do réptil, a uma distância de
aproximadamente um metro da entrada da tenda.
Arumã chegou apressado e vendo o que se passava, deu
várias ordens aos seus guerreiros, em aruak.
Quatro índios, com suas lanças na mão, cercaram o
jacaré, mantendo uma prudente distância de meio metro do mesmo. A um sinal de
Arumã atiraram suas lanças contra o bicho.
Apesar de ter ele o couro bem grosso, a precisão e
força com que as lanças foram atiradas penetraram-lhe o corpo. Ele
contorceu-se, espanou o ar com violência com o rabo, abriu a bocarra onde
apareciam os dentes ferozes. Maria Teresa ficou imóvel, paralisada de medo na
porta da barraca. Faustino já tinha o revólver apontado para o réptil.
Ele continuava a contorcer-se, acabando por virar com
a barriga para a cima. Então, o golpe de misericórdia. Um dos guerreiros cravou
sua lança no meio do peito do jacaré. Este ainda continuou a contorcer-se por
mais alguns minutos, acabando por ficar imóvel.
Os homens gritaram de satisfação, pulando e dançando
em volta da presa. Mário disse, sorrindo, batendo com uma colher numa panela:
– Hoje, vamos ter carne de jacaré e sopa de jacaré!
Pegou o seu afiado facão e foi tirando o couro do
bicho com maestria. Todos comentavam a caçada, enquanto enchiam suas canecas
com o café do bule que esquentava nas fogueiras.
Foram trabalhar mais descontraídos, com o espírito
menos carregado. A aventura da manhã lhes fizera bem. No almoço, os que ficaram
no acampamento provaram o delicioso guisado de jacaré. À noite, foi servida
sopa no jantar e, para os homens que foram trabalhar nas seringueiras, também o
guisado. Todos se deliciaram com o gosto diferente da carne do réptil.
Nenhum comentário:
Postar um comentário