sexta-feira, novembro 25, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 34


OS DESBRAVADORES

Capítulo 34

Calfilho




XXXIV






Os três dias seguintes transcorreram com aquele estado de tensão pairando no ar. Os homens desempenhavam suas tarefas, mas sempre preocupados com o que se passava ao seu redor, na mata cerrada que os envolvia. Continuava o movimento invisível de folhas e arbustos, mas nenhum índio aparecia. Mais duas flechas incendiárias foram lançadas sobre o acampamento e, como das vezes anteriores, foram reconhecidas como sendo dos akawés.
Faustino procurava conversar com os homens, tentando acalmá-los a fim de que não perdessem o controle. Conversou com Arumã e este lhe disse que aquilo nunca acontecera antes. Quando os akawés atacavam sua tribo havia logo o confronto direto, com vários mortos dos dois lados. Isso já não ocorria há muito tempo, somente uma vez desde que ele assumira a chefia dos Denis. Na época do seu pai cacique, os confrontos entre as duas tribos eram mais frequentes. Depois que começou o ciclo da borracha, com a invasão dos brancos em seu território, as tribos ficaram mais afastadas, sendo poucas as vezes em que os caminhos se cruzaram.
Arumã contou a Faustino e aos homens da expedição várias histórias desses confrontos, recheando o relato com versões fantásticas da aparição do boitatá, do saci pererê e de outros mitos do folclore indígena. Essas histórias fizeram os homens rir à vontade, descontraindo um pouco o ambiente. Só Arumã é que não entendeu porque eles riam tanto. “Será que não acreditavam no que ele lhes contava? Era porque nunca viram...”.
Nesse meio tempo, numa daquelas manhãs de tensão, o acampamento acordou com os gritos de Mário. Faustino pulou da rede, colocou rapidamente o revólver na cintura e saiu da tenda. Imaginava já um ataque dos akawés. Do lado de fora, em frente às duas primeiras cabanas, a sua e a de Pedro, junto à margem do igarapé, Mário e outros homens gritavam, agitados. Mas, não era o tão esperado ataque da tribo inimiga.
Um enorme jacaré havia deixado a água e estava junto à margem, caminhando vagarosamente em direção ao acampamento. Nem os gritos de Mário o assustavam. Ia avançando lentamente, as grandes patas enfiando-se na terra mole. Devia ter quase três metros de comprimento.
Os índios Denis, em sua taba lá nos fundos da colocação, ouvindo a gritaria de Mário também, também pensaram que eram os akawés atacando. Armaram-se com seus arcos e flechas e chegaram correndo até o local de onde vinham os gritos.
Ninguém sabia o que fazer.
Mário gritou:
– Atirem nele! Atirem nele!
Zeferino também deu sua opinião:
– Vou dar uma paulada na cabeça dele!
Manuel, o português, também gritou:
– Botem um jerimum para ferver. Ouvi dizer que quando ele abrir a boca é só jogar o jerimum que ele engole e morre logo!
E o enorme jacaré continuava a sua lenta caminhada em direção à tenda de Faustino. Maria Teresa, já de pé, colocou o rosto para fora, soltando um grito de pavor quando viu o tamanho do réptil, a uma distância de aproximadamente um metro da entrada da tenda.
Arumã chegou apressado e vendo o que se passava, deu várias ordens aos seus guerreiros, em aruak.
Quatro índios, com suas lanças na mão, cercaram o jacaré, mantendo uma prudente distância de meio metro do mesmo. A um sinal de Arumã atiraram suas lanças contra o bicho.
Apesar de ter ele o couro bem grosso, a precisão e força com que as lanças foram atiradas penetraram-lhe o corpo. Ele contorceu-se, espanou o ar com violência com o rabo, abriu a bocarra onde apareciam os dentes ferozes. Maria Teresa ficou imóvel, paralisada de medo na porta da barraca. Faustino já tinha o revólver apontado para o réptil.
Ele continuava a contorcer-se, acabando por virar com a barriga para a cima. Então, o golpe de misericórdia. Um dos guerreiros cravou sua lança no meio do peito do jacaré. Este ainda continuou a contorcer-se por mais alguns minutos, acabando por ficar imóvel.
Os homens gritaram de satisfação, pulando e dançando em volta da presa. Mário disse, sorrindo, batendo com uma colher numa panela:
– Hoje, vamos ter carne de jacaré e sopa de jacaré!
Pegou o seu afiado facão e foi tirando o couro do bicho com maestria. Todos comentavam a caçada, enquanto enchiam suas canecas com o café do bule que esquentava nas fogueiras.
Foram trabalhar mais descontraídos, com o espírito menos carregado. A aventura da manhã lhes fizera bem. No almoço, os que ficaram no acampamento provaram o delicioso guisado de jacaré. À noite, foi servida sopa no jantar e, para os homens que foram trabalhar nas seringueiras, também o guisado. Todos se deliciaram com o gosto diferente da carne do réptil.

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