OS DESBRAVADORES
Capítulo 16
Calfilho
XVI
Os dias se sucederam, uns após os outros, lentamente, monótonos, sem nenhuma novidade digna de registro. Parecia que, do amanhecer ao crepúsculo, o tempo parava. Ou, se avançava, era tão vagarosamente como a marcha empreendida pelo “Rosamar”. Ninguém tinha pressa de nada, as tarefas de rotina do navio eram cumpridas mecanicamente, como se uma mão invisível delas se incumbisse, sem necessidade de algum ser humano por trás dela para movimentá-la.
Enfim, deixaram a costa do Ceará, entrando na do Piauí.
Nesse estado, pararam em apenas um porto, Coqueiro. Cidade semelhante àquelas em que aportaram no Ceará. Uma praia bonita, coqueiros, evidentemente, que deram nome ao vilarejo, pequenas casas de pescadores, comércio incipiente, população noventa por cento de analfabetos.
Feita a carga e descarga das mercadorias encomendadas, logo deixaram o pequeno porto.
No dia seguinte, à tardinha, já divisavam ao longe o litoral do Maranhão.
Aportaram em Paulino Neves, onde também ficaram por pouco tempo, aproximadamente umas quatro horas.
Depois, já novamente navegando, divisaram as maravilhosas dunas dos Lençóis Maranhenses. Vista maravilhosa, que a todos extasiou, principalmente Maria Teresa.
A próxima parada, esta um pouco mais demorada, foi na ilha de São Luís, a capital do Estado.
Desceram a terra, almoçaram, fizeram compras, mataram a saudade de uma cidade mais civilizada, mais urbana. Passearam pelas ruas antigas, admiraram o belo casario revestido de azulejos, característico de São Luís, sentiram fortemente a presença marcante da civilização francesa na colonização da cidade.
Faustino aproveitou para levar Maria Teresa para uma consulta com o médico que dele tratara quando passara por São Luís na volta da última expedição, tremendo de febre em decorrência da malária. Naquela ocasião, o Dr. Souza foi até o navio, viu seu estado e receitou-lhe a medicação adequada para que ele chegasse até Fortaleza.
Agora, em seu consultório, no centro da cidade, o velho médico examinou Maria Teresa cuidadosamente, prescreveu-lhe alguns remédios e, dirigindo-se aos dois, disse:
– Tudo bem com sua gravidez, minha senhora. Estou receitando algumas vitaminas e alguns remédios para enjôo.
Faustino sorriu. Disse:
– O que ela tinha que vomitar, já vomitou, doutor. Agora, nem sente mais o balanço do mar.
Dr. Souza também sorriu. Retrucou:
– Bem, de qualquer jeito, ela vai continuar enjoando um pouco por causa da gravidez.
Fez uma pausa. Continuou, agora dirigindo-se a Faustino:
– Fico contente de ver que o senhor se recuperou da malária. Ainda tem alguma crise?
– Às vezes ela ameaça voltar. Mas, tenho tomado o remédio e acho que está sob controle.
Despediram-se e foram almoçar.
Jeremias procurou um mecânico seu conhecido para que fizesse uma revisão geral nas máquinas do “Rosamar”, o que foi muito importante para o bom prosseguimento da viagem. Algumas peças foram trocadas, todas passaram por uma sessão de lubrificação.
À noite, Faustino e Maria Teresa foram assistir a uma festa, um típico bumba-meu-boi, numa pracinha da cidade. Muita música, barraquinhas, comida regional, já que era o mês das festas juninas. Dançaram um pouco, beberam, comeram, divertiram-se bastante.
Dos homens da expedição, somente Pedro foi à cidade. Os outros, não se sabe o motivo, preferiram ficar no navio.
Pedro voltou com mais mercadorias que comprou e mais um homem que contratou. Um português radicado há muito tempo em São Luís que, com o mesmo espírito aventureiro de Faustino, ficou entusiasmado com a possibilidade de tirar o umbigo de trás do balcão de um botequim e tentar a possibilidade de ficar rico em pouco tempo. Quando soube que Pedro procurava gente para a expedição, logo a ele se apresentou, aceitando de pronto as condições que lhe foram apresentadas. Não tinha medo de nada, gostava de enfrentar o perigo e de há muito acalentava o sonho de ir para a selva amazônica, lugar misterioso, cheio de encantos e do qual ouvira muito falar pelos que lá estiveram e passavam por São Luís.
No navio, como não havia mais beliche disponível, não reclamou de ter que dormir no chão da cabine, aquela já ocupada por Raimundo, Venâncio, Zeferino e Mário.
E, engraçado, enquanto os outros tratavam o índio Auã com indiferença, até uma certa hostilidade, ele, logo ele que era português, tornou-se seu maior amigo. Conversavam muito, passaram a andar sempre juntos, trocavam idéias, até confidências. Essa a grande mágica que o Brasil fazia nas pessoas: mesmo de nacionalidades, cor de pele e culturas diferentes: as pessoas se interligavam, mantinham um relacionamento cordial e amigo, sem qualquer espécie de preconceito ou superioridade de umas em relação às outras.
No dia seguinte, partiram.
No Maranhão, ainda pararam rapidamente em Alcântara e Turiaçu, seguindo “celeremente” em direção ao Pará.XVI
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