OS DESBRAVADORES
Capitulo 15
Calfilho
XV
Pedro voltou ao navio acompanhado de um homem alto,
mais de um metro e oitenta, muito forte, mas quase nu. Vestia apenas uma tanga
minúscula, um colar de contas no pescoço. Trazia uma faca presa à tanga, na
cintura. Pele bem morena, cor de azeitona, quase escura.
Faustino, que estava encostado na amurada do navio
aguardando o retorno do último bote, olhou com curiosidade para o acompanhante
de seu capataz. Logo que os dois pisaram no convés, Pedro foi logo explicando:
– Patrão, esse aqui é o Auã, ele vai conosco se o
senhor não tiver nada contra.
Faustino, que não costumava discutir as decisões de
Pedro nessa matéria, apenas olhou para o homem de alto a baixo, como costumava
fazer. Perguntou:
– Você fala português?
– Sim, sinhô – respondeu o outro, com um sotaque
difícil de compreender.
Pedro interveio:
– Patrão, ele é índio, lá da Amazônia. Veio pra cá e
não conseguiu dinheiro para voltar. Quer ir com a gente, trabalhar na expedição
e depois ficar por lá, junto dos seus.
Faustino meditou por um instante:
– Você explicou bem a ele nosso ambiente de trabalho,
a dureza que vai ser, a disciplina que eu exijo?
Pedro fez um sinal afirmativo com a cabeça. Emendou:
– E o melhor, patrão: ele conhece o Amurã, é de uma
tribo amiga da dele.
Faustino ficou mais sossegado. Disse:
– Está bem, leva ele pra junto dos outros. E arranja
umas roupas decentes para ele vestir. Não quero ver esse cara desfilando por aí
com a piroca balançando. E manda ele tirar essa faca da cinta.
Pedro sorriu e fez um sinal com a mão para que o índio
o acompanhasse. Levou Auã para a sua própria cabine, onde já estavam alojados
João Paulo e José Ribamar, justamente os dois que substituíram João e Firmino,
aqueles já conhecidos anteriormente de Pedro. Depois que foram mandados embora
por Faustino, o capataz achou melhor ficar com os novatos perto dele por algum
tempo, podendo assim conhecê-los melhor.
Indicou a Auã o último beliche vazio da cabine, que
era de quatro lugares. Arranjou-lhe uma muda de roupas novas:
– Tome, vista isso. Você não pode ficar pelado por aí.
Ah!... e me dá essa faca, o patrão não
gosta de ver ninguém armado, a não ser eu e ele – disse.
O índio entregou a faca meio contrariado. Sem qualquer
constrangimento, tirou a tanga, vestindo a ceroula, a calça comprida e a camisa
que Pedro lhe entregara. A roupa ficou meio apertada nele. João Paulo riu,
tendo Auã olhado com cara fechada para o mesmo, tendo o sorriso de deboche
desaparecido imediatamente da cara do negro.
– Ele é índio e vai conosco – disse Pedro, olhando
para João Paulo e José Ribamar. – Não
sabe falar português direito. Espero que vocês não criem problemas com ele. Já
viram que o homem é meio enfezado.
Depois, apresentou Auã aos outros homens da expedição.
Venâncio, Zeferino, Raimundo e Mário, que ainda estavam meio escabreados desde
o episódio da briga em Timbaúba, com medo de que Faustino viesse a despedi-los.
Olharam para o índio meio desconfiados. Nunca tinham visto um de perto, achavam
que todos eles fossem perigosos, ardilosos, dissimulados e que poderiam
atacá-los pelas costas quando menos esperassem.
Pedro repetiu-lhes as mesmas recomendações que fizera
a João Paulo e a José Ribamar.
– Tratem ele muito bem. Cuidado, que a sorte de vocês
pode virar – advertiu-os, fazendo uma velada referência à briga de Timbaúba.
Os quatro baixaram os olhos, concordando com a cabeça.
Foram todos para o refeitório da tripulação, onde
faziam as refeições. Auã foi apresentado aos marujos do navio, causando um
pouco de estranheza, a princípio. Mas, depois que deixou de ser novidade,
integrou-se à rotina da viagem.
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