OS DESBRAVADORES
Capítulo 11
Calfilho
XI
O primeiro problema com o “Rosamar” ocorreu entre
Baleia e a enseada dos Patos, a próxima escala do navio.
Enquanto Faustino, Maria Teresa e Jeremias almoçavam,
conversando alegremente, entrou Zé Maria no refeitório. Fisionomia séria,
demonstrando preocupação.
O imediato cumprimentou os presentes, dirigindo-se em
voz baixa a Jeremias:
– Capitão, o senhor me desculpe interromper seu
almoço, mas estamos com um problema. Uma das caldeiras estourou.
Jeremias acabava de enfiar uma garfada de espaguete
boca adentro.
– Eu sabia, estava demorando a acontecer.
Levantou-se rapidamente, passando antes o guardanapo
na boca suja de molho de tomate.
– Queiram me desculpar, “seu” Faustino, minha senhora.
Vou ter que ver isso.
Levantou as
mãos para o alto, apertando-as fortemente uma contra a outra.
– Tomara que
não seja nada grave – disse, em voz baixa, como se fizesse uma prece.
Só mais tarde, após terem acabado de almoçar e quando
descansavam sentados numas das poucas cadeiras que havia no convés, foi que
Faustino e Maria Teresa souberam o que realmente acontecera.
Jeremias aproximou-se e disse, com sua voz de trombone:
– Bem, acho que vou ter o prazer de sua companhia por
mais tempo que o previsto.
Faustino e Maria Teresa olharam para ele
interrogativamente.
– Realmente, uma das caldeiras estourou e acho difícil
consertá-la aqui em viagem. Vamos tentar numa das nossas escalas, mas acredito
que só em Belém vamos conseguir. Mas, a viagem vai continuar, só que vamos
demorar um pouco mais.
Faustino não escondeu sua preocupação:
– Quanto tempo mais, capitão? Eu já contratei uma
gaiola para me levar para a Amazônia, ela vai estar me esperando em Belém na
data em que a gente devia chegar lá.
– Infelizmente, não sei, “seu” Faustino. Acredito, em
princípio, em dois ou três dias mais. Nem que a gente tenha que diminuir o
tempo de parada nos portos seguintes.
– Tudo bem, capitão, acho que não vai me atrapalhar
muito não. Mas, eu preciso passar um telegrama para o pessoal lá de Belém.
– Sem problema, “seu” Faustino. A gente providencia
isso.
Jeremias afastou-se, deixando o casal a sós. Faustino
comentou:
– Está vendo, Teresa, nesse tipo de negócio surge
sempre um imprevisto. Mas, já estou acostumado com isso, esse é o menor dos
problemas.
Apesar de ter ficado um pouco chateado com o atraso,
Faustino não queria passar essa preocupação para a mulher. Estava doido para
brincar com ela, dar-lhe um susto com a cobra empalhada que comprara em Baleia.
Mas, receando que o susto pudesse ser muito grande e aquilo pudesse interferir
com a gravidez de Teresa, acabou por contar-lhe:
– Olha, Teresa, eu ia fazer uma brincadeira contigo,
te dar um susto com uma cobra que comprei na nossa última escala, lá em Baleia.
Mas, não sei qual seria a tua reação, por isso desisti.
– Cobra, que cobra, Faustino? Você teve coragem de
trazer uma cobra para me assustar? Onde está ela? Na cabine? – perguntou ela,
assustada.
Ele riu sonoramente:
– Não, sua boba, ela ficou com o Pedro.
– O quê? Com o Pedro? E ele não está com medo? Está
alimentando ela?
Ele riu novamente. Disse:
– Alimentando como, Teresa? A cobra está morta,
empalhada...
Continuou a rir, gozando da ingenuidade da mulher. Ela
disse, resmungando:
– Você me paga, vai ver só...
– Depois, eu te mostro. Deixa o Pedro acabar de
almoçar.
– Não quero ver cobra nenhuma, pode ficar com ela –
disse Teresa levantando-se e caminhando resoluta para a cabine.
Ele permaneceu sentado, continuando a rir.
O “Rosamar”, agora adoentado, desfalcado de uma das
caldeiras, continuava sua lenta marcha através dos mares nordestinos...
Nenhum comentário:
Postar um comentário