quinta-feira, setembro 01, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 11



OS DESBRAVADORES

Capítulo 11

Calfilho





XI






O primeiro problema com o “Rosamar” ocorreu entre Baleia e a enseada dos Patos, a próxima escala do navio.
Enquanto Faustino, Maria Teresa e Jeremias almoçavam, conversando alegremente, entrou Zé Maria no refeitório. Fisionomia séria, demonstrando preocupação.
O imediato cumprimentou os presentes, dirigindo-se em voz baixa a Jeremias:
– Capitão, o senhor me desculpe interromper seu almoço, mas estamos com um problema. Uma das caldeiras estourou.
Jeremias acabava de enfiar uma garfada de espaguete boca adentro.
– Eu sabia, estava demorando a acontecer.
Levantou-se rapidamente, passando antes o guardanapo na boca suja de molho de tomate.
– Queiram me desculpar, “seu” Faustino, minha senhora. Vou ter que ver isso.
 Levantou as mãos para o alto, apertando-as fortemente uma contra a outra.
 – Tomara que não seja nada grave – disse, em voz baixa, como se fizesse uma prece.
Só mais tarde, após terem acabado de almoçar e quando descansavam sentados numas das poucas cadeiras que havia no convés, foi que Faustino e Maria Teresa souberam o que realmente acontecera.
Jeremias aproximou-se e disse, com sua voz de trombone:
– Bem, acho que vou ter o prazer de sua companhia por mais tempo que o previsto.
Faustino e Maria Teresa olharam para ele interrogativamente.
– Realmente, uma das caldeiras estourou e acho difícil consertá-la aqui em viagem. Vamos tentar numa das nossas escalas, mas acredito que só em Belém vamos conseguir. Mas, a viagem vai continuar, só que vamos demorar um pouco mais.
Faustino não escondeu sua preocupação:
– Quanto tempo mais, capitão? Eu já contratei uma gaiola para me levar para a Amazônia, ela vai estar me esperando em Belém na data em que a gente devia chegar lá.
– Infelizmente, não sei, “seu” Faustino. Acredito, em princípio, em dois ou três dias mais. Nem que a gente tenha que diminuir o tempo de parada nos portos seguintes.
– Tudo bem, capitão, acho que não vai me atrapalhar muito não. Mas, eu preciso passar um telegrama para o pessoal lá de Belém.
– Sem problema, “seu” Faustino. A gente providencia isso.
Jeremias afastou-se, deixando o casal a sós. Faustino comentou:
– Está vendo, Teresa, nesse tipo de negócio surge sempre um imprevisto. Mas, já estou acostumado com isso, esse é o menor dos problemas.
Apesar de ter ficado um pouco chateado com o atraso, Faustino não queria passar essa preocupação para a mulher. Estava doido para brincar com ela, dar-lhe um susto com a cobra empalhada que comprara em Baleia. Mas, receando que o susto pudesse ser muito grande e aquilo pudesse interferir com a gravidez de Teresa, acabou por contar-lhe:
– Olha, Teresa, eu ia fazer uma brincadeira contigo, te dar um susto com uma cobra que comprei na nossa última escala, lá em Baleia. Mas, não sei qual seria a tua reação, por isso desisti.
– Cobra, que cobra, Faustino? Você teve coragem de trazer uma cobra para me assustar? Onde está ela? Na cabine? – perguntou ela, assustada.
Ele riu sonoramente:
– Não, sua boba, ela ficou com o Pedro.
– O quê? Com o Pedro? E ele não está com medo? Está alimentando ela?
Ele riu novamente. Disse:
– Alimentando como, Teresa? A cobra está morta, empalhada...
Continuou a rir, gozando da ingenuidade da mulher. Ela disse, resmungando:
– Você me paga, vai ver só...
– Depois, eu te mostro. Deixa o Pedro acabar de almoçar.
– Não quero ver cobra nenhuma, pode ficar com ela – disse Teresa levantando-se e caminhando resoluta para a cabine.
Ele permaneceu sentado, continuando a rir.
O “Rosamar”, agora adoentado, desfalcado de uma das caldeiras, continuava sua lenta marcha através dos mares nordestinos...

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