OS DESBRAVADORES
Capítulo 14
Calfilho
XIV
Próxima parada: Camocim, última escala da costa
cearense.
Dia 4 de junho de 1916.
– Pronto, “seu” Faustino – disse Jeremias. – Essa é a
nossa última parada no Ceará. Daqui pra frente, vamos parar menos. Quase não
temos mercadoria para o Piauí e o Maranhão. O senhor vai a terra?
– Acho que sim, capitão. Já não aguento mais ficar
aqui dentro do navio.
– Pois é, para o senhor ver. Eu, passo minha vida toda
aqui dentro dele, já até acostumei a andar balançando o corpo – brincou. – O
senhor viaja uma vez ou outra, fica logo saturado.
– É muito monótono, capitão. A gente chega num ponto
em que não tem mais nada pra fazer. Ainda bem que eu trouxe alguns livros para
ler. Agora, imagine os meus homens, que nem ler eles sabem direito. Confinados
naquela cabine, vão acabar se matando uns aos outros – brincou também Faustino.
– O senhor, pelo menos, tem o consolo de voltar rico
da sua viagem. Eu não, pra mim vai continuar tudo na mesma.
Os dois conversavam encostados na amurada do navio,
vendo Camocim aproximar-se ao longe. Jeremias, com o seu inseparável cachimbo
preso no canto da boca, Faustino com o cigarro de palha pendurado nos lábios.
– Veja só, capitão, como esse Brasil é grande. Quanta
terra desabitada, onde ninguém ainda colocou os pés – filosofou Faustino. – Pra
gente ir de um lugar ao outro são vários dias de viagem. Já imaginou isso tudo
povoado, cheio de gente, o avião realmente funcionando, encurtando distâncias,
essa terra imensa produzindo de tudo, botando essa riqueza toda pra fora? Quem
o senhor acha que poderá segurar esse país?
– É verdade, “seu” Faustino. Veja o seu exemplo. Vai
pra dentro da selva, trabalha duro, é verdade, mas fica rico logo, logo, com a
extração da borracha. E se o povo explorasse as outras riquezas que nós temos?
– retrucou Jeremias.
– Foi assim nos Estados Unidos da América. Desbravaram
o oeste, transformaram o país numa grande potência. E, olha que eles têm
aproximadamente a mesma idade do Brasil, quatrocentos e poucos anos – continuou
Faustino. – O brasileiro, infelizmente, ainda é muito acomodado, muito
indolente. Fica satisfeito com o pouco que consegue alcançar, não se lança a voos
mais arrojados.
– É verdade – confirmou Jeremias. – Aqui, quando se
consegue obter o que comer, não se progride mais. As pessoas se acomodam, não
têm ambição. Com exceções, é claro. O senhor, por exemplo...
Faustino o interrompeu:
– Não, o senhor está enganado, eu não posso servir de
exemplo. Tudo o que ganhei nas duas expedições anteriores, eu perdi. Ou no jogo
ou em farras. Agora que a idade chegou é que estou mais ajuizado, pensando no
futuro. Mas, também não quero ficar rico, guardar dinheiro. Quero apenas o
suficiente para manter minha família, dar uma boa educação para o meu filho e
só. Nada de acumular riquezas pois não vou levar nada comigo quando morrer.
– O senhor está certo, “seu” Faustino. A gente tem que
aproveitar a vida enquanto se está por aqui. Depois que morrer, ninguém vai dar
valor ao que a gente fez, o mundo é muito ingrato.
Foram interrompidos em suas divagações por Zé Maria,
que gritou lá da ponte de comando:
– Capitão, podemos jogar a âncora aqui? Estou com medo
de me aproximar mais, acho que tem muito banco de areia.
Jeremias mediu visualmente a distância que separava o
“Rosamar” do embarcadouro lá embaixo. Olhou para a água do mar, límpida e
cristalina, onde quase se podia ver a areia no fundo. Respondeu:
– Pode sim, Zé Maria. Aqui está bom, não se aproxime
mais.
Passados alguns instantes, ouviu-se o ranger da grossa
corrente descendo a âncora na proa do navio.
Faustino despediu-se de Jeremias.
– Bem, capitão, vou lá na cabine ver se minha mulher
vai querer descer. Até já.
– Até já, “seu” Faustino – retrucou ele, enquanto se
dirigia para a ponte para ajudar Zé Maria nas manobras de parada do navio.
Pedro encontrou Faustino no caminho. Perguntou:
– Patrão, vai querer que eu desça pra ver se contrato
mais alguém?
Faustino respondeu, depois de pensar um pouco:
– Não sei, Pedro. O que é que você acha?
– Não custa nada ver. Pode ser que haja algum que
sirva.
– Então, está bem. Mas, não demore muito, o capitão
disse que só vamos ficar aqui só três horas – concluiu Faustino.
Maria Teresa já saía da cabine, usando um vestido
branco que ia até o tornozelo e carregando uma sombrinha na mão, pronta para o
passeio em Camocim.
Faustino apenas esboçou um sorriso...
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