sábado, setembro 17, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 14




OS DESBRAVADORES

Capítulo 14

Calfilho






XIV






Próxima parada: Camocim, última escala da costa cearense.
Dia 4 de junho de 1916.
– Pronto, “seu” Faustino – disse Jeremias. – Essa é a nossa última parada no Ceará. Daqui pra frente, vamos parar menos. Quase não temos mercadoria para o Piauí e o Maranhão. O senhor vai a terra?
– Acho que sim, capitão. Já não aguento mais ficar aqui dentro do navio.
– Pois é, para o senhor ver. Eu, passo minha vida toda aqui dentro dele, já até acostumei a andar balançando o corpo – brincou. – O senhor viaja uma vez ou outra, fica logo saturado.
– É muito monótono, capitão. A gente chega num ponto em que não tem mais nada pra fazer. Ainda bem que eu trouxe alguns livros para ler. Agora, imagine os meus homens, que nem ler eles sabem direito. Confinados naquela cabine, vão acabar se matando uns aos outros – brincou também Faustino.
– O senhor, pelo menos, tem o consolo de voltar rico da sua viagem. Eu não, pra mim vai continuar tudo na mesma.
Os dois conversavam encostados na amurada do navio, vendo Camocim aproximar-se ao longe. Jeremias, com o seu inseparável cachimbo preso no canto da boca, Faustino com o cigarro de palha pendurado nos lábios.
– Veja só, capitão, como esse Brasil é grande. Quanta terra desabitada, onde ninguém ainda colocou os pés – filosofou Faustino. – Pra gente ir de um lugar ao outro são vários dias de viagem. Já imaginou isso tudo povoado, cheio de gente, o avião realmente funcionando, encurtando distâncias, essa terra imensa produzindo de tudo, botando essa riqueza toda pra fora? Quem o senhor acha que poderá segurar esse país?
– É verdade, “seu” Faustino. Veja o seu exemplo. Vai pra dentro da selva, trabalha duro, é verdade, mas fica rico logo, logo, com a extração da borracha. E se o povo explorasse as outras riquezas que nós temos? – retrucou Jeremias.
– Foi assim nos Estados Unidos da América. Desbravaram o oeste, transformaram o país numa grande potência. E, olha que eles têm aproximadamente a mesma idade do Brasil, quatrocentos e poucos anos – continuou Faustino. – O brasileiro, infelizmente, ainda é muito acomodado, muito indolente. Fica satisfeito com o pouco que consegue alcançar, não se lança a voos mais arrojados.
– É verdade – confirmou Jeremias. – Aqui, quando se consegue obter o que comer, não se progride mais. As pessoas se acomodam, não têm ambição. Com exceções, é claro. O senhor, por exemplo...
Faustino o interrompeu:
– Não, o senhor está enganado, eu não posso servir de exemplo. Tudo o que ganhei nas duas expedições anteriores, eu perdi. Ou no jogo ou em farras. Agora que a idade chegou é que estou mais ajuizado, pensando no futuro. Mas, também não quero ficar rico, guardar dinheiro. Quero apenas o suficiente para manter minha família, dar uma boa educação para o meu filho e só. Nada de acumular riquezas pois não vou levar nada comigo quando morrer.
– O senhor está certo, “seu” Faustino. A gente tem que aproveitar a vida enquanto se está por aqui. Depois que morrer, ninguém vai dar valor ao que a gente fez, o mundo é muito ingrato.
Foram interrompidos em suas divagações por Zé Maria, que gritou lá da ponte de comando:
– Capitão, podemos jogar a âncora aqui? Estou com medo de me aproximar mais, acho que tem muito banco de areia.
Jeremias mediu visualmente a distância que separava o “Rosamar” do embarcadouro lá embaixo. Olhou para a água do mar, límpida e cristalina, onde quase se podia ver a areia no fundo. Respondeu:
– Pode sim, Zé Maria. Aqui está bom, não se aproxime mais.
Passados alguns instantes, ouviu-se o ranger da grossa corrente descendo a âncora na proa do navio.
Faustino despediu-se de Jeremias.
– Bem, capitão, vou lá na cabine ver se minha mulher vai querer descer. Até já.
– Até já, “seu” Faustino – retrucou ele, enquanto se dirigia para a ponte para ajudar Zé Maria nas manobras de parada do navio.
Pedro encontrou Faustino no caminho. Perguntou:
– Patrão, vai querer que eu desça pra ver se contrato mais alguém?
Faustino respondeu, depois de pensar um pouco:
– Não sei, Pedro. O que é que você acha?
– Não custa nada ver. Pode ser que haja algum que sirva.
– Então, está bem. Mas, não demore muito, o capitão disse que só vamos ficar aqui só três horas – concluiu Faustino.
Maria Teresa já saía da cabine, usando um vestido branco que ia até o tornozelo e carregando uma sombrinha na mão, pronta para o passeio em Camocim.
Faustino apenas esboçou um sorriso...

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