terça-feira, fevereiro 17, 2015

A MAGIA DE PARIS 4

 A MAGIA DE PARIS

Quarta Parte

Redescobrindo a cidade


Calfilho
 
 
 
 
                            Seria muito útil que o viajante soubesse falar alguma coisa em francês. Não precisa ser fluente na língua. Eu não sou, apesar das minhas várias viagens à França. Não consigo, por exemplo, acompanhar a conversação rápida dos estudantes franceses nos bares da Sorbone. Nem consigo assistir um filme francês sem legendas, mesmo que estas estejam  apenas na língua deles, o que dá para compreender razoavelmente. Quando ouço a juventude conversando num barzinho nas imediações da Sorbone, consigo entender somente, talvez, sessenta por cento do que falam. Conversam muito rapidamente, usam muitas gírias e têm o hábito de cortar as palavras pela metade. Assim, para eles, "faculté" é "fac", "manifestation" é "mani", "impermeable" é "imper", "calvados" é "calvas"... Aí, realmente, fica difícil...
                            Deve ser a mesma dificuldade que eles têm quando nos ouvem falar "tá bom", "tá legal", "é por aí"... Lembro que, recentemente, o presidente da FIFA, Joseph Blatter, ao tentar discursar abrindo a Copa das Confederações no Brasil, tentou falar em espanhol "Mis amigos de Brasil...Hoy (hoje)..." e o Maracanã inteiro respondeu, em tom de gozação: "Oi..."
                            Por isso, não se preocupem por não dominarem o idioma. Poucos estrangeiros o fazem corretamente. Aliás, reparei que os cursos especializados em línguas aqui no Brasil, como a Aliança Francesa ou a Cultura Inglesa, preocupam-se em ensinar o idioma estrangeiro sob o aspecto meramente literário. Não visam eles passar para o aluno o dia a dia do habitante do país, o cotidiano. Vi alguns amigos e amigas que fizeram o curso completo, tanto da Aliança como da Cultura, não saberem se expressar na França ou Inglaterra, quando entram numa loja, num restaurante, num táxi, ou pedem uma informação na rua. Falam de modo formal, correto mas literário, e o homem do povo por vezes não os compreendem.
                            Sobre o aprendizado da língua francesa tenho apenas os quatro anos do curso ginasial do Liceu de Niterói, e, depois que voltei a Paris, em 1990, procurei estudar um pouco através de cursos de audiovisual, entre eles o "Bienvenue en France", e o "Francês em ação" (este último gerado pela TV Educativa). Ajudaram-me muito a desenvolver meu francês básico e a saber me "virar" no dia a dia da vida parisiense. Além disso, Patrick, esse amigo que já mencionei, auxiliou-me bastante para que eu pudesse andar pela cidade, pedir uma refeição num restaurante, conversar com um garçon, pedir uma informação, dar o endereço a um motorista de táxi. Patrick já tinha vindo ao Brasil três vezes antes de nos conhecermos, em 1988. Adorava o Brasil, seu povo, sua música e o futebol. Pouco falava do português, por isso conversávamos em francês. Ele falava pausadamente para que eu pudesse entende-lo com clareza. Quando eu ia a Paris, almoçávamos ou jantávamos com frequência. Outras vezes acompanhou-nos a passeios fora da cidade, como a Versailles, Fontainebleau, Auxerre, Deauville. Assim, meu francês foi melhorando aos poucos.
                          Mas, para falar com fluência uma língua estrangeira entendo que é necessário passar um longo período no país, convivendo diariamente com seus habitantes, sendo obrigado a falar, dia após dia, a língua local. Não consegui isso porque não fico lá muitos meses seguidos, apenas de 15 a 30 dias, no máximo 60, o que é insuficiente para um domínio da língua.
                         Bem, voltemos a 1990. Depois de termos deixado as malas no quarto do hotel, saímos para almoçar. Tentava lembrar-me de algum lugar conhecido, de algum ponto de referência esquecido num canto qualquer de minha memória. Descemos a ruazinha em frente ao SENLIS, rue Paillet, dobramos à esquerda na rue Souflot. Olhei para a direita, lá estava ele, imponente, no fim da rua: o Pantheon. Descendo a Souflot, em direção ao Jardin du Luxembourg, que já divisava ao longe, logo alcançamos o Boulevard de Saint Michel, meu velho conhecido de 1957.
                       O velho "Boul' Mich" estava um pouco modificado. Alguns dos cafés e restaurantes que existiam em 1957 haviam sido substituídos por lojas do MacDonald's e King's Burger, bem como com outras de marcas modernas, como a GAP. Descemos o boulevard, na direção do Sena. Na esquina com a rue Cujas, divisei o velho hotel Excelsior, onde me hospedara em 1957. Mas, o pequeno restaurante que havia na esquina, onde eu almoçava salsichas francfort com fritas ou jogava "flipper" com meus irmãos menores, já não existia mais.
                       Continuei descendo e, logo cheguei à pracinha, onde, ao fundo, se divisava a Sorbone. Tudo continuava igual, salvo algumas lojas novas que substituíram as antigas. O busto de Auguste Comte ali ainda se encontrava, alguns cafés e restaurantes do lado direito da praça, na direção da grande faculdade. Como sempre, repletos de gente, na grande maioria estudantes.
                       Prossegui na minha caminhada, em direção ao Sena. Atravessei a rue des Écoles, cheguei à rue du Sommerard. Na esquina começavam as Termas de Cluny, ruínas da época da passagem dos romanos pela cidade. Impressionante como elas se mantém intactas, preservadas, cercadas apenas por uma grade de ferro. Na rua du Sommerard está a entrada do Musée du Cluny, que guarda objetos do período romano e mostra o interior das termas.
                       Rapidamente, veio-me à mente a imagem de um senhor bonachão, um pouco obeso, de bigode, italiano, vestindo sempre um grosso sobretudo escuro, que tinha uma pequena barraca de frutas naquela esquina e que, em 1957, costumava dizer para mim e meus irmãos, quando por ali passávamos, numa mistura de italiano e português (pois soubera que éramos brasileiros):
                       "-- Allora passare por aqui...".
                       As ruínas das termas de Cluny ocupam todo aquele quarteirão, entre a Sommerard e o Boulevard de Saint German-des-Prés, considerado o reduto dos existencialistas. Na esquina com este último fica um pequeno jardim.
                       Atravessando o boulevard, podemos continuar descendo por Saint Michel ou seguir em frente pela rua de La Harpe, ingressando no denominado "quartier grec". Por aqui, surge logo aquela grande quantidade de pequenas lojas de souvenirs e restaurantes de várias nacionalidades, predominando os gregos. Mas, também  muitos italianos, orientais, até mesmo franceses. É costume ver-se os gerentes desses restaurantes convidando os possíveis fregueses para saborearem os quitutes regionais, numa disputa ferrenha por clientes.
                        O bairro grego é, realmente espetacular, é um dos meus preferidos. Sempre fervilhando de gente de todas as nacionalidades, você pode passear por ele tranquilamente, escolhendo com calma a lojinha em que vai comprar um presentinho para alguém do Brasil, ou o restaurante em que vai almoçar ou jantar. Ou, se preferir, apenas beber uma cerveja Guiness ou de outra marca, num dos vários bares à sua disposição. Tem até um MacDonald's na esquina dae La Harpe com Saint Germain-des-Prés, para aqueles que preferem um sanduíche rápido.
                      Desculpem-me se, de agora em diante, vou misturar minhas impressões parisienses: as que vivenciei em 1957 com aquelas de 1990 até os dias de hoje. Vou evitar fazer comparações e convidar o amigo leitor a me acompanhar nessa viagem no tempo.
              Entre os vários restaurantes que frequento atualmente destaco o "Le Depart", que fica na esquina do Boulevard Saint Michel com o rio Sena, junto à estação de Metro. Os franceses fazem uma diferença entre "bistrô" e "restaurant". O bistrô é, ao mesmo tempo, bar e restaurante, servindo refeições mais ligeiras, menos sofisticadas. É quase sinônimo de "brasserie", sendo que nestes, predominam o serviço de restaurante. Já o "restaurant" é o estabelecimento mais fino, onde só servem bebidas acompanhando refeições. Aliás, uma das características dos franceses mais antigos é o de fazer grandes refeições. Tudo regado a um tipo de vinho escolhido para o prato escolhido: um para a entrada, outro para o prato leve , outro para o pesado (geralmente uma carne), outro mais para os queijos, mais um para a sobremesa e, finalmente um digestivo, pois ninguém é de ferro. São célebres as histórias de que as pessoas mais antigas sentavam-se à mesa às 12 horas e só a deixavam por volta das 16.
"Le Départ"
                  
Hoje, isso dificilmente ocorre. As pessoas geralmente preferem os bistrôs, onde, fazem uma refeição mais simples (uma vitela à milanesa acompanhada de espaguete; um filet com fritas; uma carne de boi à bourgogne; metade de frango com fritas ou salada; uma lasanha, entre outras), acompanhada de um cerveja, uma taça de vinho, água mineral ou refrigerante (experimentem a "orangina"), ou mesmo um "jus de fruits". E, não deixem de experimentar as sobremesas ("ile flotante", "tarte aux amendes", "tarte de citron aux merengues", entre várias). São simplesmente deliciosas, um convite a engordar rapidamente.
                           Gosto de acompanhar a refeição com um "pichet" (pequena jarra com 25 ou 50 centilitros) de vinho tinto, como o Sancerre, o Bordeaux, o Côte de Rhone ou o Beaujolais. Não sou especialista em vinhos, apenas indico aqueles que costumo beber. E, também uma garrafinha de "Badoit", "Perrier" ou "São Pelegrino", as águas minerais mais comuns em Paris.
                             Não se preocupem. Acredito que a maioria dos viajantes não irá engordar, pois após o almoço irá perder os quilos que ganhou, repetindo aquilo que também costumo fazer: caminhar, andar muito por Paris, conhecer a cidade a pé, sem pressa, sem ansiedade, curtindo cada esquina, cada cantinho escondido, cada monumento, cada igreja, cada museu, cada ponto de interesse, parar onde quiser, observar, imaginar-se no século XIII, XIV, XV, até cairmos na realidade dos anos 2000...
                          O "Le Depart", além de ter funcionários muito prestativos e simpáticos (fiquei amigo de um deles, o ERIC), oferece uma razoável variedade de pratos e vinhos. Fica situado num local privilegiado, de seu interior vê-se o grande movimento de pessoas indo e vindo pela rua, subindo e descendo as escadas do metrô Saint Michel, bem em frente. Por outro lado, ficou famoso, pois nele foram prestados os primeiros socorros às vítimas de um atentado à bomba ocorrido do outro lado da rua, numa outra saída do metrô Saint Michel (o RER), já do lado do Sena, há alguns anos atrás, na década de 90, segundo me recordo...
                      
                        

Um comentário:

Jorge Carrano disse...

Primeiramente obrigado por aumentar o corpo de letra no post. Esta fonte facilita a leitura dos velhinhos, como eu.
Estou recomendando seu blog, com está série, para os amigos que gostam e podem viajar.
Abraço