segunda-feira, fevereiro 23, 2015

PATRICK LOUET, MEU AMIGO FRANCÊS

 

 

 

PATRICK LOUET, MEU AMIGO FRANCÊS

 
 

Um breve intervalo

 
 
Calfilho
 
 
 
 
 
                             Não era minha intenção falar agora sobre Patrick. Ia deixar mais para a frente, quando estivesse comentando minhas andanças pela França. Mas, meu filho mais novo, Sergio Fernando, o Zuza, (le "cadet" como dizem os franceses), hoje, ao telefone, disse-me que havia lido os seis capítulos que escrevi sobre "A MAGIA DE PARIS" e queria saber quando eu iria contar sobre nosso encontro com Patrick, já que ele foi um dos partícipes da história.
                              Decidi abrir um parêntese em minha narrativa para atender seu pedido, já que ele, assim como eu, somos muito gratos por tudo aquilo que Patrick nos ofereceu e ensinou sobre a França.
                              Foi engraçado... estávamos eu e Zuza (meu filho -- Sergio Fernando), no Hotel Vila Velha, em Salvador (Corredor da Vitória), para onde o levei para passar alguns dias, já que agora era sua vez. Já tinha levado meus dois outros filhos mais velhos um ano antes (o dinheiro era curto, não dava para levar todo mundo de uma só vez). Estávamos em setembro de 1988, e, segundo me recordo, as Olímpiadas corriam a pleno vapor (desculpem-me se me enganei). Já tinha feito amizade com o pessoal da recepção e, principalmente, com um botafoguense de mais de 70 anos, o Professor Saraiva, que usava uma gravata com os escudos do Bahia e do Botafogo.
                              Marquei na recepção uma pequena excursão para a Ilha de Itaparica. Viriam buscar-me no hotel, levar-me até o porto e ali embarcaria num saveiro. Depois, à tardinha, voltaria para o hotel, com o transfer já pago.
                               Pontualmente, no dia seguinte, eu e meu filho, após o café da manhã, aguardávamos o transporte para o porto.
                                Chegou uma van e, no banco de trás havia um passageiro. Cumprimentei-o, mas o motorista, um baiano arretado, em tom de ironia, foi logo dizendo:
                                 -- Fiquem à vontade, podem falar palavrão sem receio, esse babaca aí de trás é francês, não entende porra nenhuma do que vocês estão falando.
                                 Só estávamos os quatro na van.
                                 Patrick olhou para mim timidamente, dizendo apenas:
                                 -- Bonjour, Monsieur.
                                 Eu, lembrando-me das aulas de dona Estefânia e da minha passagem por Paris em 1957, apenas respondi:
                                 -- Bonjour, Monsieur.
                                 Puxei conversa, ávido que estava em voltar a falar um pouco de francês novamente. Perguntei-lhe várias coisas, embarcamos no mesmo saveiro que iria para Itaparica e, no fim do passeio, não sei se por educação ou curiosidade por ter podido a voltar a falar meu francês defasado, dei-lhe meu endereço de trabalho, onde eu já deveria estar na próxima segunda feira (o passeio foi num sábado). Ele também me disse que voltaria para Paris na terça feira e ficou de me visitar.
                                Não acreditei. Conheci o "cara" apenas superficialmente, se o tivesse visto novamente não saberia quem era.
                                 Segunda feira, voltei ao trabalho, no I Tribunal do Júri do Rio de Janeiro. Comentei, apenas de passagem, com o PM que trabalhava na porta do tribunal, cabo Cícero, e com minha secretária, Dra. Efigênia:
                                -- Olha, se aparecer alguém falando francês por aqui, me chama, é um conhecido meu. O nome dele é Patrick.
                                Eu tinha que presidir uma apresentação de jurados naquele início de mês. Era uma coisa de que eu não abria mão de estar presente. Gostava de conversar com eles, explicar-lhes a importância e a responsabilidade de que estavam investidos, enfim, transmitir-lhes confiança na árdua tarefa que iriam desempenhar. Vesti a toga e já me apressava para sair do gabinete, quando o cabo Cícero me chamou:
                                 -- Excelência, tem uma pessoa estrangeira aí fora que quer falar com o senhor...
                                  Efigênia entrou logo após, dizendo, agitada, com seu jeito alegre e comunicativo de falar:
                                   -- Excelência, o Patrick está aqui.
                                   Surpreso, pois sinceramente não esperava sua visita, mandei-o entrar. Ele parece que ficou espantado quando me viu vestindo a toga preta com a faixa branca na cintura.
                                   Trocamos um aperto de mão, ele sempre com um sorriso nos lábios. Disse-lhe, no meu francês arrastado:
                                    "-- S'il vous plait, attendez-moi dix minutes, nous irons déjeuner ensemble" (Por favor, espere-me uns dez minutos que iremos almoçar juntos).
                                    Deixei-o à vontade em meu gabinete, sentado num dos confortáveis sofás que o mobiliavam, pedi à Dra. Efigênia que providenciasse água e café para a visita.
                                    Dirigi-me à sala secreta, que ficava do outro lado do prédio, após atravessar o famoso Salão dos Passos Perdidos. Os jurados já ali estavam sentados à minha espera. Alguns já conhecidos de julgamentos anteriores, outros estreando como juízes do Tribunal do Júri. Dei-lhes as boas vindas, fiz uma rápida preleção sobre o trabalho que ali iriam desempenhar naquele mês de outubro, respondi a algumas dúvidas e perguntas. Encerrada a sessão de apresentação, convoquei-os para o dia seguinte, quando iríamos realizar o primeiro julgamento do mês.
                                    Voltei ao meu gabinete. Patrick imediatamente levantou-se, em sinal de respeito. Sorrindo, apenas disse-lhe:
                                       "-- Asseyez-vous, Monsieur, pas besoin de se lever".
                                        Ele sentou-se, um pouco encabulado. Fui tirando a toga, pendurando-a num cabide, coloquei novamente o paletó do terno e perguntei-lhe:
                                        "-- Allors, allons-nous déjeuner?"
                                        Claro que meu francês de 1988 não chegava aos pés do atual, onde, após várias viagens a Paris, além dos cursos audiovisuais que fiz, devo ter dado uma boa melhorada.
                                         Por isso, não sei como Patrick entendeu o que falei, meus evidentes erros de francês, bem como o sotaque carioca. Mas, sempre sorrindo ao meu lado, deixamos o antigo prédio da rua Dom Manuel e dirigimo-nos ao restaurante "Chamego do Papai", que ficava ali perto, na avenida Erasmo Braga (pena que fechou). Ali fui recebido pelo amigo João Miguel, garçom com bastante tempo de casa que logo nos indicou minha mesa favorita.
                                         Pedi um bife de carne seca acompanhado de arroz, feijão preto, batata frita e farofa. Sugeri o mesmo para Patrick, mas por ele não saber o que era carne seca, preferiu pedir um prato de peixe. Ele tomou uma cerveja, eu uma água mineral, pois tinha que voltar para trabalhar.
                           Conversamos bastante, com alguma dificuldade é claro, pois ele não falava quase nada de português e eu, pouca coisa de francês. Às vezes entremeávamos com algumas frases em inglês, língua que nós dois conhecíamos um pouco.
                           Trabalhava numa firma de seguros internacional, famosa no mundo inteiro, a GENERALI. Trabalhava em Paris, mas morava nos arredores, numa pequena cidade chamada L'ÉTANG LA VILLE. Era solteiro, tinha quarenta anos (seis mais novo que eu), cabelos prematuramente grisalhos, estava quase noivo em Paris de uma russa, chamada Natasha. Já viera ao Brasil por três vezes anteriormente, a trabalho e a passeio. Mas, costumava ficar mais em São Paulo, onde tinha negócios de sua firma a resolver. Adorava o Brasil, principalmente pelo futebol e a música, mas também pela espontaneidade de seu povo. Disse-me que ficou surpreso ao me ver de toga recebendo-o em meu gabinete, depois de ter me visto de short em Itaparica, ajudando meu filho a descer de um pequeno bote que nos transportou do saveiro até a praia dos Frades. Na França, disse-me ele, era praticamente impossível alguém do povo ser recebido no gabinete de um juiz, a não ser que fosse réu ou testemunha.
                            E contou-me da sua surpresa, quando ao chegar ao meu gabinete, antes mesmo de falar comigo, minha secretária foi logo abraçando-o efusivamente, dizendo-lhe em português:
                             "-- Patrick, Patrick, que satisfação... o Dr. Carlos já espera o senhor..."
                             Contou-me ele que, na França, isso seria impossível de acontecer. Lá, as pessoas só se tratam por tu depois de muito tempo de conhecimento e intimidade. Antes, o tratamento é vous, que é como nos dirigimos a um garçom ou a um motorista de táxi. O francês, nesse ponto, é muito formal.
                              Terminado o almoço, solicitou-me ajuda para confirmar seu voo de volta para Paris, com escala em Madri, pois era um voo da Ibéria. Deixei-o aos cuidados da Dra. Efigênia que telefonou para a Cia. aérea e logo resolveu o problema.
                               Trocamos endereços, telefones, tendo eu lhe dito que ansiava por rever Paris, após contar minha aventura de 1957 e que aquele nosso encontro casual em Salvador fez reacender esse meu desejo.
                       

Patrick em Fontainebleau, quando visitamos a cidade, residência de verão de Napoleão
       Em julho de 1990 requeri minha aposentadoria. Em agosto daquele ano, já estava deixando minhas malas no quarto do hotel de Senlis que Patrick havia me reservado. Ele fora me esperar no aeroporto e me conduziu até o hotel. Durante os 20 dias que ficamos em Paris, almoçamos e jantamos várias vezes, fazendo ele questão de me mostrar as coisas novas que aconteceram na cidade depois da minha passagem por lá em 1957.
                                  Apresentou-me a alguns colegas de trabalho, como Jean-Pierre, Anne-Marie, Gérard, Loic, entre outros. Às vezes jantamos em alguns restaurantes da redondeza. Quando eles conversavam lentamente dava para eu entender o que falavam. Mas, quando aceleravam a rotação da conversa eu ficava sem compreender grande parte do que diziam. Aos poucos fui melhorando, assimilando uma coisa aqui, outra ali.
                                   Patrick sempre relembrava aos seus colegas como eu e ele nos conhecemos, o espanto quando ele me viu de toga, o almoço no Chamego...
                                    Em outubro daquele mesmo ano, 1990, ele veio ao Brasil, trazendo seu amigo Jean-Pierre com ele. Reservei hotel para eles em Copacabana (Patrick, anteriormente, até por desconhecimento, só se hospedara em hotéis da Lapa ou Santa Teresa). Reservei passagens de avião e hotel para que eles fossem a Paraty, Porto Alegre, Gramado, Canela, Curitiba, Foz do Iguaçu e Salvador. Levei-os de carro até Petrópolis e Niterói. Almoçamos e jantamos juntos várias vezes em restaurantes do Rio.
                                     Daí, nossa amizade se fortaleceu e, nas vezes seguintes em que viajei para a Europa tive sempre a companhia dele e de seus colegas de trabalho, que não se cansavam de nos cumular de gentilezas.

Patrick, Anne-Marie, Gérard et Jean-Pierre
                                       Patrick acabou casando com Natasha e, quando o filho deles nasceu (acredito que em 1992), teve a gentileza de me telefonar dizendo, transbordando de alegria:
                                      "-- Carlos, le bébé est né... un garçon..."
                                       Infelizmente, seu casamento não durou muito tempo. Segundo minha opinião pessoal, Natasha queria apenas obter a cidadania francesa, casando-se com um francês. Isso amargurou Patrick durante muito tempo, que, entretanto, fez questão de acompanhar o crescimento do filho, levando-o a todos os lugares por nós frequentados.
                                        Devido a ele (e a seus amigos) minha paixão por Paris e pela França se consolidou fortemente durante o período em que tive a honra de ser seu amigo...
                                        

                                    
                                     

Um comentário:

Jorge Carrano disse...

Um encontro circunstancial resultou numa bela e sólida amizade.
Gostei na forma narrativa, clara e objetiva, e da colocação das imagens ilustrativas, que permitem aos leitores a visualização dos personagens citados, sem necessidade de conjecturar sobre suas aparências físicas.