sábado, fevereiro 07, 2015

ALGUNS BARES DE NITERÓI DOS ANOS 50 E 60




ALGUNS BARES DE NITERÓI DOS ANOS 50 E 60



Calfilho


                       Niterói, nos anos finais da década de 50 e início da de 60, tinha vários bares e restaurantes frequentados pela boemia niteroiense, mas também por outros representantes da sociedade local, bem, como e, principalmente, pela juventude da cidade, aqueles que completavam os 18 anos de idade e davam os primeiros passos na vida adulta.
                    Não havia, é claro, para os jovens da cidade naquela época, onde a construção da Ponte Rio-Niterói ainda era um sonho distante, as opções de lazer que o Rio de Janeiro oferecia aos seus habitantes.
                  Niterói só tinha um teatro, o João Caetano, e poucas peças eram ali apresentadas. Cinemas, tinha alguns, espalhados pelos vários bairros, mas os filmes que lá chegavam já tinham passado há alguns meses no Rio.
             Apesar de separadas apenas por uma travessia de barca que durava pouco mais de 30 minutos, as duas cidades apresentavam estilos de vida bem diferentes uma da outra.
              O Rio de Janeiro era a capital do Brasil, o Distrito Federal, sede do governo federal e onde estavam localizados todos os ministérios que dirigiam o país. Era o centro cultural, o coração intelectual do Brasil, onde eram tomadas as mais importantes decisões que ditariam o presente e o futuro de nossa nação. Nada mais justo que ali se concentrassem os principais estabelecimentos destinados ao entretenimento do povo brasileiro: variedade de teatros, multiplicidade de cinemas, casas noturnas, boates, botequins famosos...
                    Já Niterói, então capital do Estado vizinho, guardava ainda o aspecto provinciano de cidade de interior. Apesar de muitos de seus habitantes trabalharem no Rio de Janeiro, fazendo a travessia diária de barca entre as duas cidades, o ritmo de vida era mais calmo, mais tranquilo do que na capital do país.
                      Havia a praia, principal local de encontro e lazer. Icaraí,  Itapuca e Flexas (a grafia original era assim mesmo, com um x), as mais badaladas. Cinemas e clubes, em número reduzido, existentes em alguns dos bairros. Somente isso, segundo me recordo.
                      Os jovens costumavam ir a bailes nos clubes ou festinhas em casas de família. Passaram, então, a frequentar alguns dos restaurantes ou bares da cidade, onde pudessem apenas beliscar algum tira-gosto e beber uma cerveja ou um chope, já que a maioria ainda não trabalhava, vivendo das mesadas que os pais forneciam.
                      Entre os restaurantes, os mais conhecidos eram o Municipal e o Monteiro, na rua da Conceição, o Derby, na Visconde do Rio Branco, próximo à antiga loja da Mesbla, além das leiterias Arcádia (na Av. Amaral Peixoto) e Brasil (na rua da Conceição), que também funcionavam como restaurante. Em Icaraí havia a Gruta de Capri . Evidentemente, outros deveriam funcionar naquela época, mas não tão conhecidos como os acima mencionados.
                    Já os bares eram em número maior. No centro da cidade, havia o Riviera (também restaurante), na rua da Conceição, o Elite (na rua Moreira Cezar, em Icaraí), o Manel's, já mencionado em narrativa anterior, o Luciu's (na rua Tavares de Macedo, Icaraí), o Soares (hoje Edson's, na rua Presidente Pedreira, no Ingá), o Canto do Rio (no final da Praia de Icaraí, onde o bonde ou o trolley nº. 4 fazia o retorno), o Fragata (na rua Coronel Gomes Machado), a Confeitaria Sportiva (rua da Conceição), o Atanásio e o Horácio (na praia de São Francisco) e muitos outros menores, às vezes uma pequena porta que dava para um diminuto estabelecimento, onde, normalmente, o português ou o espanhol serviam cerveja, cachaça, conhaque e outras bebidas aos fregueses cansados após um duro dia de trabalho.
     Tentarei fazer algumas observações sobre dois deles, pois a respeito do Manel's já me reportei anteriormente.
     Um dos locais que costumávamos frequentar, após deixarmos o Liceu, no final da tarde, era a Gruta de Capri, em Icaraí. Situado na rua Miguel de Frias, quase chegando na Praia de Icaraí, era mais restaurante do que bar. Naquela época, onde o consumo de pizza não era tão disseminado como hoje,  eu e meu amigo Irapuam, às vezes Josa ou Silvinho, costumávamos dar uma passada na Gruta para beliscar umas fatias de pizza e bebermos dois ou três chopinhos, a fim de aclarar as ideias. 
                     Éramos atendidos por um italiano simpático, beirando os cinquenta anos, forte, alto, vasta cabeleira com fios brancos já aparecendo na cabeça. Chamava-se Braz, não era de muito sorrir, mas sempre muito educado, sempre atencioso. Quando o movimento era fraco, ficava junto à nossa mesa, sempre em pé, em atitude respeitosa, batendo um papo agradável, falando de sua terra natal, uma pequena cidade da Itália.
                       Ali passamos vários fins de tarde, aproveitando a brisa serena que vinha da praia, apreciando uma ou outra moça interessante que passava em frente à mesa de ferro coberta com uma toalha, em plena calçada da rua Miguel de Frias.
                      A Gruta de Capri existe até hoje, apesar de bastante modificada em seu aspecto original. Até ar condicionado colocaram no salão interno, coisa inimaginável de ser pensada naquela época...
           O outro bar muito frequentado era o Riviera. Situado no início da rua da Conceição, lado direito de quem sobe, chamava logo a atenção de quem passava pela sua frente. Bem na entrada havia um enorme aquário, povoado de peixes exóticos de diversas espécies coloridas. Funcionava principalmente como restaurante no jirau superior, onde existiam umas seis mesas, alcançadas por uma pequena escada do lado direito. No térreo funcionava como bar, com vários banquinhos enfileirados junto ao comprido balcão, que se estendia até o final do estabelecimento, onde havia um acanhado mictório.
                      Fora inaugurado pelo Mário, um português de meia idade, meio alourado, bigode fino sobre os lábios. Pouco tempo depois chegou José, irmão mais novo. E, alguns anos mais tarde, veio João, outro irmão, que deveria ser o do meio.
                        Fez logo sucesso, por inovar com os banquinhos junto ao balcão, ao estilo dos bares europeus e americanos. Aliás, os três irmãos eram originários da ilha da Madeira. Vivia sempre lotado, cheio de fregueses, que saboreavam, com satisfação, as fatias de pizza feitas na hora (víamos a cozinha do banquinho onde estávamos sentados), acompanhadas de um chope bem gelado tirado na nossa frente.
                  "-- Sem colarinho, Zezinho" -- pedíamos.
     Zezinho foi como, carinhosamente, passamos a chamar o José, o irmão mais novo, que ficava atrás do balcão nos atendendo e jogando conversa fora. Era o mais simpático e conversador dos três: Mario era mais reservado, apesar de sua simpatia; João o mais antipático, só pensando em vender, em obter lucro. Acabou assassinado em circunstâncias meio suspeitas.
        Zezinho, não. Alegre, comunicativo, um pouco mais velho que a gente (devia ter uns 23 ou 24 anos), gostava de conversar, de aprender sobre as coisas do Brasil, de contar sobre sua ilha da Madeira.
                        Eu, que morava ali perto na época (início dos anos 60), na Av. Amaral Peixoto, sempre passava pelo bar para um dedo de prosa com Zezinho. Ficamos amigos e, depois de algum tempo, também passei a "pendurar" algumas contas com ele... Mas, era frequente a ida de colegas do Liceu ao local.
                  Mário, eu revi alguns anos atrás, tinha montado uma confeitaria na rua Visconde do Uruguai. Zezinho, revi-o num pequeno bar que instalou no Vital Brazil, depois acho que voltou para a ilha da Madeira ou foi para Paraty, segundo me disse o Mário.
                  O Manel's, o Riviera, o Elite, o bar Canto do Rio, o Municipal, o Monteiro, as leiterias Arcádia e Brasil, o Derby não existem mais.
             A ação inclemente do tempo, a ponte Rio-Niterói que mudou radicalmente o aspecto físico daquela Niterói pacata e romântica daquela época, fizeram com que a cidade perdesse aquele seu ar de cidade provinciana, ideal para criar os filhos... Hoje, os espigões proliferam, as casas desapareceram, os camelôs invadiram as ruas do centro, os assaltos aumentaram assustadoramente...
                    Mas, ainda guarda alguns traços de cidade-dormitório do Rio... 
                                      
                                 
                              

5 comentários:

Jorge Carrano disse...

Acabo de ver o post. Lerei com toda a atenção.
Abraço
Carrano

Jorge Carrano disse...

Boas lembranças, meu amigo. Interessante depoimento para a posteridade, ou "após ter idade". O que não é meu caso, pois fui contemporâneo.
Alias, por falar em idade, na minha (75 anos), seria melhor se você escrevesse utilizando um corpo de letra maior, uma fonte mais fácil de ler (rsrsrs).
Dos estabelecimentos citados, a Leiteria Brasil, a Gruta de Capri e o Monteiro, são os que me trazem maiores lembranças.
Sobre a Leiteria Brasil, um amigo está coligindo dados e fotos para virar um post em meu blog.
Parabéns!
Abraço.

Jorge Carrano disse...

Foi esquecimento ou você não conheceu e/ou frequentou o famoso bar "Beira Mar", junto a estação das barcas? E o restaurante Lido, em São Francisco? Era conhecido pelas peixadas e pelo camarão frito no azeite.
No Municipal, no centro, comiam-se coisas exóticas, por assim dizer: testículo de boi, rã e jacaré. Lembra?

Paulo March disse...

Adoro minha Niterói. Belo post !

Eu tinha apenas 18 anos em 1970, e portanto nem pensar em bares e restaurantes na década de 50.

Na de 60 minha diversão eram os bailes no Central, Regatas, Pioneiros, Caixote, Marieta, e os bailes nas casas dos amigos e amigos de amigos. Tudo isso regado a muita MPB, Jovem Guarda, Beatles e Stones.

E aí veio a faculdade em 70, no Rio, e me afastei muito de Nikity e meus amigos, porque estudar no Rio tomava muito do nosso tempo.

Sim, o Bar do Canto do Rio. Meu pai nos levava lá nas tardes de domingo, em seu Ford 41, para "traçarmos" aquele cachorro quente que tinha lá, tradicional. Estou até sentindo o cheiro do danado !

E os cinemas ? São Bento, Mandaro e Icaraí eram os meus preferidos.

Raramente ia na Gruta de Capri, mas lembro do seu varandão enorme, antes do alargamento da rua Miguel de Frias. Hoje está totalmente descaracterizada, e com mau atendimento.

Muita saudade de uma época segura, feliz, podia andar de bicicleta por toda a cidade, chegar tarde em casa, dormir de janela aberta, tínhamos um bom transporte público para a população existente, trânsito calmo ...

Um outro mundo, que não existe mais.

Valeu a lembrança !

Jorge Carrano disse...

O Paulo March que fez o comentário acima, é o amigo que mencionei adredemente que está coletando dados para escrever um post sobre Leiteria Brasil.
Por incrível que pareça, um ícone da cidade, a Leiteria Brasil, não é muita referenciada na internet. Há uma grande carência de imagens, por exemplo.