A MAGIA DE PARIS
Primeira parte
Calfilho
Há uns quatro anos atrás, quando jantava em Paris com meu amigo francês Patrick Louet, sugeriu-me ele que escrevesse um pequeno guia turístico para brasileiros que pretendessem viajar para a França.
Guia esse, segundo ele, destinado a pessoas da classe média brasileira, que não quisessem fazer uma viagem dispendiosa, mas que fosse, acima de tudo, bastante proveitosa em termos culturais e turísticos. Achava Patrick que eu conhecia bastante coisas da França e, principalmente de Paris, e que minha experiência pudesse ser transmitida a outras pessoas.
Claro que não levei a sério sua ideia, pois não tinha pretensão alguma de escrever um guia turístico, nem me achava capacitado para tal. Nas minhas várias viagens que fiz à França depois da minha aposentadoria, realmente conheci bastante coisas sobre aquele país, mas da forma que eu escolhi conhecer: por minha conta, sem recorrer a excursões, elaborando meu próprio roteiro, visitando os lugares que eu queria conhecer, por sua história, por sua tradição. Lá consegui acompanhar minha mulher, meus filhos e mulheres, meu irmão e cunhada, meu neto, alguns amigos...
Procurei sempre hospedar-me em hotéis medianos, de duas ou três estrelas (mesmo porque não tinha muito dinheiro para gastar), mas sempre perto de locais onde achava que iria encontrar aquilo que realmente me interessaria. As viagens entre cidades, sempre as fiz de trem, o melhor meio de locomoção na Europa, confortáveis, pontuais e com estações no centro das cidades. Dentro de Paris, locomovi-me, na grande maioria das vezes, sempre de metrô, transporte rápido, eficiente e com uma rede extraordinária, que permite ao visitante locomover-se por quase toda a cidade, além de barato. Mais recentemente, usei bastante o ônibus, raramente o táxi.
Recentemente, conversando por e-mails trocados com meu amigo ex-liceísta Jorge Carrano, que também assina um blog maravilhoso, sugeriu-me ele que eu escrevesse alguma coisa sobre pontes, pois ele já havia discorrido sobre essa matéria numa sua publicação anterior.
Pensei na sugestão anterior do inesquecível parisiense Patrick Louet, que prematuramente nos deixou em dezembro de 2013. Atrevi-me então a escrever alguma coisa sobre minha experiência de viagens à França, sugerindo locais que visitei, hotéis em que me hospedei, caminhos que percorri durante essas viagens.
Quero deixar bem claro que tudo aquilo que aqui for publicado não constitui um guia turístico para quem pretender visitar a França e, principalmente Paris. Trata-se, apenas, de um relato de minhas experiências pessoais, com a impressão que colhi durante as visitas que fiz em diversos locais de interesse da capital francesa, bem como de algumas cidades das várias regiões visitadas. Procurei dar indicações de onde me hospedei, de como cheguei lá, sem que isso seja necessariamente a melhor orientação a seguir.
Em viagens, principalmente as internacionais, cada pessoa segue suas preferências pessoais. Uns preferem as excursões, onde terão menos trabalho em procurar lugares para visitar, menos preocupações com malas, meios de transporte, acomodações em hotéis. Outros preferem as viagens por conta própria, mas gostam de hotéis sofisticados, de um grande conforto, de finos restaurantes, de locomoção privativa.
Os relatos que vou fazer referem-se a viagens simples, de trem ou metrô, à hospedagem em hotéis de duas ou três estrelas, mas quase sempre muito bem localizados. Não se trata de viagem de mochileiros, até porque já passei da idade de carregar uma mochila nas costas. Mas, também não foram viagens dispendiosas. Se servirem eles de orientação àqueles que pretendem fazer uma viagem proveitosa, intensa e sem muito gastar, já ficarei recompensado por ter ajudado...
Esclareço, também, que as expressões grafadas em francês que vão aparecer nesses relatos não se devem a demonstração de esnobismo ou erudição (que não possuo). Servem apenas para familiarizar aqueles que me derem a honra da leitura com os termos usados pelos franceses no seu dia a dia...
Em breve preâmbulo, vou relatar como surgiu meu interesse e minha enorme atração pela cidade mágica...
Tinha eu 14 anos de idade quando visitei Paris pela primeira vez. Meu pai, que era médico pediatra, ia participar de um congresso naquela cidade, o que já fizera anteriormente em 1954 e 1955. Agora, em 1957, novamente convidado pelo Centre International de L'Enfance, decidira levar toda a família: minha mãe, meus dois irmãos gêmeos mais novos que eu, e minha avó materna.
Embarcamos, em fevereiro daquele ano, no "CONTE GRANDE", transatlântico italiano que fazia a linha regular entre a América do Sul e a Europa. Naquela época, as viagens internacionais eram feitas de navio, na sua maioria. A aviação comercial ainda engatinhava. Por isso, havia linhas regulares de navios que faziam aquela rota, como os italianos "CONTE BIANCAMANO", "CONTE GRANDE", "AUGUSTUS" e "GIULIO CESARE", e os franceses "BRETAGNE" e "PROVENCE", além de alguns outros, misto de cargueiro e passageiro, de bandeiras diversas.
Os italianos tinham como porto final, geralmente, Nápoles, enquanto os franceses tinham Le Havre como porto de destino.
Já fora levar meu pai até o píer da Praça Mauá em seus embarques anteriores, em 1954 e 1955, quando viajou pelo "BRETAGNE" e pelo "AUGUSTUS" e ficara deslumbrado com a imponência e o tamanho dos navios, bem como o luxo interior, já que era permitido visitá-los.
Acabara de concluir o curso ginasial em 1956, no Liceu Nilo Peçanha, de Niterói. Em 1957 iria começar a cursar o científico, cujas aulas teriam início no mês seguinte, em março. Não queria perder aulas num curso com matérias novas, como Física, Química, Biologia. Também estava totalmente envolvido num namoro platônico com uma colega de classe do quarto ano ginasial e que iria cursar o normal, no Instituto de Educação. Apesar do namoro ser apenas à distância, achava que se viajasse naquele momento, tudo iria esfriar.
Por isso, embarquei no "CONTE GRANDE" bastante contrariado. Não queria viajar de jeito nenhum, largar meus amigos, meu futebol, perder minhas férias na praia, a namorada em potencial. Tudo isso mexia com a cabeça do menino de 14 anos.
Meu pai insistiu, quase me obrigou a viajar à força. Apesar da contrariedade, curti relativamente bem a viagem de navio, a segunda que fazia (a primeira foi em 1948, do Rio para Fortaleza). Paramos em Salvador, Recife, Dakar, Lisboa, Barcelona, Gênova e, finalmente Nápoles.
Em cada parada descíamos do navio, dávamos uma volta pela cidade. Salvador e Recife eu já conhecia. Em Dakar, lembro-me bem que um dos meus irmãos, então com dez anos, trocou um tubo metálico de lança perfume com um negro africano que levava suas mercadorias ao porto. Deu a meu irmão várias carteiras e objetos de couro de cobra e crocodilo. Só não ficou muito satisfeito, reclamando bastante com gestos, quando o navio já ia embora e o líquido do lança perfume acabara...
Em Lisboa, em plena ditadura salazarista, recordo-me com clareza que, no Rocio, após comprar um isqueiro com a imagem da Torre de Belém, fui avisado que não poderia usá-lo pois a polícia me prenderia.
Perguntei, inocente:
-- Mas, por quê?
-- Ora, pois é proibido -- respondeu o vendedor. -- Aqui é obrigatório o uso de fósforos, que paga um imposto ao governo.
Em Barcelona, já com muito frio, minha mãe foi comprar alguns agasalhos para todos nós, pois ainda estávamos no inverno europeu. Lembro-me bem que, caminhando pelas Ramblas, famosa avenida da cidade, vi as manchetes dos jornais anunciando a chegada do atacante Evaristo, recém-contratado ao Flamengo, do Rio.
Em Gênova, visitamos, entre outras coisas, o busto de Cristóvão Colombo.
Finalmente, chegamos a Nápoles, 17 dias após embarcarmos no Rio. Ficamos num hotel por duas noites. Visitamos a cidade e também Pompéia.
Fomos de trem para Roma, onde também ficamos duas noites. Depois, Florença, mais dois dias. Finalmente, Veneza, a esplendorosa.
A Itália, passados pouco mais de onze anos do fim da Segunda Grande Guerra, era um país em reconstrução. Muita pobreza, muitas ruínas. Uma cena que me marcou foi quando atirei uma ponta de cigarro no chão (dava meus primeiros passos no vício, que, felizmente, logo larguei) e vários homens se atiraram sobre ela, disputando-a ferozmente. Afinal, a Itália fora uma das perdedoras da guerra, tendo apoiado a Alemanha no sonho louco hitlerista.
Depois de conhecer a maravilhosa Veneza, pegamos o trem que nos conduziria até Paris. Lembro-me que, por volta da meia-noite, fizemos uma parada em Milão e, da janela, comprei uma garrafa de água mineral.
Chegando em Paris, ficamos hospedados no Hotel Excelsior, na rue Cujas, quase esquina com o Boulevard de Saint-Michel. Aquele bairro era chamado de Quartier Latin (Bairro Latino), onde ficava a Sorbonne, o Pantheon, com vários cafés e restaurantes frequentados pela juventude estudantil de Paris e de vários lugares da França e de todo o mundo.
O Hotel Excelsior era simples, diria modesto mesmo. Naquela época não tinha banheiro nos quartos, apenas um no corredor, utilizado por todos os hóspedes do andar. Um elevador bem antigo, daqueles com porta de sanfona, levava aos cinco pavimentos. Ficamos em dois quartos. O hotel existe até os dias de hoje, no mesmo local e com o mesmo nome, mas bastante remodelado e modernizado, com banheiros individuais, televisão nos quartos e wi-fi em todo o prédio.
Nos três primeiros dias de Paris meu pai saiu conosco e mostrou-nos as atrações principais da redondeza: Notre Dame, Conciergerie, Sainte Chapelle, Pantheon, Jardim de Luxembourg. No dia seguinte, início de março, ele iria começar seu curso no Bois de Boulogne, onde ficava o Centre International de L'Enfance.
Os restaurantes de Paris, mesmo os mais simples, eram extraordinários. Podia-se almoçar ou jantar refeições ligeiras e baratas, como salsichas grelhadas com fritas, acompanhadas da picante mostarda francesa e já estávamos bem alimentados. No café da manhã, pedíamos uma xícara de café com leite (café-au-lait), uma tartine beurrée (um pedaço do genuíno pão francês, aberto ao meio e lambuzado de manteiga), uma geleia (confiture) e um suco de laranja (jus d'orange).
Claro que sentíamos falta do arroz com feijão preto, coisa praticamente impossível de ser encontrada. Mas, logo nos habituamos à culinária francesa, mesmo a mais simples.
Na véspera de começar seu curso, que duraria quase 30 dias, meu pai me chamou num canto:
-- Olha, você é o mais velho, vou te explicar algumas coisas para você poder andar em Paris e mostrar a cidade e os pontos mais interessantes à sua mãe, avó e irmãos.
Mostrou-me o mapa do metrô, ensinou-me como locomover-me através dele, indicou-me os locais a serem visitados.
No Liceu, desde o primeiro ano ginasial, eu havia tido aulas de francês. Nos dois primeiros com Dª. Estephania, excelente professora. No terceiro, com o professor Michel Saad e no quarto, já na turma da manhã, com a professora Acyra. Tinha um razoável conhecimento da língua, mas apenas superficial.
E, apenas com meus 14 anos, fui servir de guia para minha família, sem conhecer nada da cidade, sem dominar a língua.
Hoje, digo com muito orgulho: até que não me saí muito mal. Visitamos vários museus, monumentos, bairros distantes, apenas me guiando por um mapa da cidade e pelas indicações que meu pai me dera. O metrô não foi problema: num instante aprendi seu mecanismo de funcionamento. Não havia ainda o RER, as linhas eram em menor número.
Meu pai só ficava conosco aos domingos, já que durante a semana saía cedo do hotel, por volta das 8 horas e só retornava à noite. Toda noite, quando ele chegava, eu fazia-lhe o relato das atividades do dia.
Na duas últimas semanas em Paris, ainda em curso o mês de março, mudamos para outro hotel, o Acacias, perto do Arco do Triunfo.
Lembro-me com nitidez que, quando completei quinze anos, no dia 16 de março, meu pai e minha mãe me levaram para comemorar num jantar, só nós três, num restaurante elegante da avenida de Champs Elysées, o "La Pérgola". E, que lá, experimentei o famoso "coq au vin".
Deixamos Paris no início de abril, partindo para Londres, onde ficamos por três dias. Na capital inglesa, o intérprete realmente fui eu, pois meu pai não falava a língua e eu, mal ou bem, além dos três anos de estudo no Liceu, ainda tinha terminado o segundo ano da Cultura Inglesa.
Em Southampton, pegamos um navio, metade cargueiro, metade atendendo a passageiros eventuais, sem qualquer luxo. Chamava-se "HIGHLAND CHIEFTAIN" e nele regressamos ao Rio de Janeiro.
Aquele mês passado em Paris marcou-me profundamente. Foi caso de amor à primeira vista com a cidade. Nunca mais dela esqueci, pensava a ela voltar logo que fosse possível.
Essa possibilidade só veio a acontecer quase quarenta anos depois...
4 comentários:
"Jorge Carrano que assina um blog maravilhoso" é generosidade do amigo de muitos anos e vivências comuns.
Por favor, não criem expectativas porque há um certo exagero na qualificação.
Quanto às dicas acho que poderão ser extremamente úteis para muita agente, entre as quais me incluo.
Como certa feita o Veríssimo colocou em crônica dominical, para conhecer um pouco de Paris é preciso visita-la, minimamente, três vezes. Esgotados os roteiros turísticos tradicionais e obrigatórios: Eiffel, Louvre, d'Orsay, Moulin Rouge e passeio de Bateau Mouche, estas coisas, é preciso caminhar muito à pé, ou recorrer a sugestões de quem já fez várias viagens e conhece bem a cidade. Indicar aquele bistrô pouco conhecido, aquela doceria de deixar com água na boca, onde comprar bons queijos para comer com baguete no hotel ( e economizar refeições), sugestões de vinhos, etc., só mesmo quem tem experiência pode faze-lo.
Estou seguro que as recomendações serão valiosas.
Abraço
Esse do jipe cansei de assistir na bifurcação da Rua XV com Padre Anchieta.
Muitas saudades!!!
Obrigado pelo comentário, mas não o reconheci. Quem é, por favor?
Tem razão, Carrano, "Paris é uma festa", como já dizia Hemingway nos anos 20 do século passado. Não é só torre Eiffel, Louvre, Arco do Triunfo, Galleries Lafayette e outras atrações turísticas... é muito mais... tem-se que andar, conhecer "ses petites rues", sua história, suas contradições, seu povo, seu passado e seu presente...
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