OS DESBRAVADORES
Capítulo 23
Calfilho
XXIII
Mais dois dias ininterruptos de viagem e ingressaram,
afinal, na imensidão do rio Amazonas. Aportaram rapidamente em Prainha, ainda
no Pará. Outro reabastecimento, algumas pequenas compras de víveres e seguiram
novamente viagem.
A paisagem, agora, era realmente de imensidão, de
deslumbramento. Às vezes, mesmo viajando pelo meio do rio-mar, não se conseguia
enxergar uma das margens, tão largo era o Amazonas. Aquele monumental volume
d’água às vezes dava medo, outras causava uma espécie de paralisia nas pessoas.
Nas margens, árvores enormes, de mais de quinze metros de altura. Vegetação
cerrada, cipós, bambus, toda espécie de plantas. Silêncio absoluto, quebrado
apenas pelo roncar da máquina da “Filomena”, pelo rumorejo das águas do rio ou
pelo grito estridente de um ou outro pássaro. Viram vitórias-régias, jacarés,
muitos macacos pendurados nas árvores ribeirinhas, preguiças, tucanos, araras,
papagaios. Pescaram várias qualidades de peixes, que eram servidos com fartura
no almoço ou jantar.
Finalmente, dois outros dias de viagem e chegaram a
Santarém, onde o Amazonas cor de barro recebia as águas negras e quase
transparentes do Tapajós. Era o primeiro encontro das águas da região. A cidade
surgia ao longe, as casas brancas com telhas vermelhas e a paisagem costumeira
por trás: grandes árvores, vegetação cerrada, o verde da mata predominando
sobre as outras cores.
Santarém já era uma cidade de razoável porte, sendo
considerada a segunda em importância do Pará. Por ali escoava grande parte da
produção de borracha, bem como da extração de madeira. Já tinha uma infraestrutura
de cidade média, com agência de banco, farmácia, hospital, escola pública,
hotéis. O comércio era relativamente forte, já que era grande a circulação de
dinheiro proveniente da compra e venda da borracha e da madeira. Vários navios
de grande calado ali já aportavam, mesmo que ao largo, pois o porto não
oferecia condições para que encostassem diretamente.
Uma gaiola como a “Filomena”, entretanto, podia
encostar tranquilamente no rudimentar cais de madeira. Praticamente todos foram
visitar a cidade, esticando as pernas e aproveitando para esquecer um pouco a
rotina de vários dias passados em navegação contínua.
Faustino continuava com o terno de linho branco e o
chapelão de abas largas. Maria Teresa, entretanto, colocou umas roupas mais
leves, não tão formais como os costumeiros vestidos compridos, que chegavam a
cobrir os tornozelos. Já calçava também botas de cano longo, saia de tecido
grosso, blusa simples de algodão. Trocou a sombrinha que usava para se proteger
do sol por um chapéu de palha também de abas largas.
Agora, as
investidas dos mosquitos já eram mais frequentes e todos já protegiam a pele
com óleos repelentes. Como os banhos na gaiola eram difíceis de serem tomados,
aproveitavam qualquer parada como aquela para irem até um hotel e banharem-se
decentemente. Os homens da expedição, exceto Faustino e Morais, tomavam banho
nas próprias águas do rio.
Faustino aproveitou para ir até o banco para saber com
o gerente a cotação da borracha no mercado internacional. Apesar de não ser
aquele o preço cobrado na realidade nas transações de venda do ouro viscoso,
quis apenas atualizar-se quanto ao valor médio da mercadoria.
O gerente do banco fez uma advertência:
– Os preços da borracha estão despencando a uma
velocidade espantosa, “seu” Faustino. Depois que os ingleses conseguiram
contrabandear as sementes da seringueira e começaram a plantar nas colônias
deles lá na Ásia, quase toda a exploração aqui na Amazônia foi paralisada. A
sua talvez seja uma das últimas. É só as árvores deles estarem crescidas e aqui
vai parar tudo.
– É verdade mesmo? – perguntou Faustino. – Já tinha
ouvido boatos sobre isso, mas não consegui acreditar. Pensei que haveria
mercado para todo mundo.
– Nada disso, “seu” Faustino. Aqui só teve mercado bom
até 1912. De lá para cá, a exploração vem caindo ano a ano e agora, quase não
tem mais nada.
Faustino deu um suspiro de alívio. Comentou:
– Ainda bem que a minha produção está praticamente
toda vendida antecipadamente. Até essa minha expedição foi toda financiada pelos
meus compradores.
– Mas, como é que o senhor conseguiu isso? Vender tudo
antecipadamente, sem saber o preço real da hora da venda?
Faustino retrucou, sem esconder uma ponta de vaidade:
– Confiança no meu trabalho, meu amigo, confiança. As
pessoas sabem com quem estão lidando e a palavra de um homem de bem vale mais
que tudo.
– É verdade, “seu” Faustino. Coisa rara hoje em dia,
quando se dá mais valor a uma promissória, a um papel assinado.
Despediram-se e foram almoçar os três, Faustino, Maria
Teresa e Morais, no restaurante do hotel em que tomaram banho.
Faustino iniciou a conversa:
– Então, Morais, está indo tudo bem, não é?
– Claro, a gente tem dado sorte. Ainda não choveu um
só dia – respondeu.
Virando-se para
Maria Teresa, perguntou:
– E você, Maria Teresa, está estranhando muito? Estou
gostando de ver sua coragem, quase não reclama de nada.
Faustino soltou uma gostosa gargalhada, enquanto
saboreava um pedaço de carne de capivara:
– Essa aí, Morais, é ferro malhado. Enfrenta tudo com
um sorriso nos lábios. Quando eu comecei a namorar com ela, pensei até que ela
fosse da Paraíba.
Maria Teresa interveio:
– É claro que a gente estranha um pouco, Morais. Mas,
fora os mosquitos e o enjôo que eu tive no mar, o resto está indo tudo bem. E,
a mulher tem que acompanhar o marido onde ele for, não é mesmo?
Morais assentiu com a cabeça. Comentou:
– Mas, a Ana, duvido que ela tivesse coragem de me
acompanhar numa viagem dessa até aqui. Não abre mão do seu conforto.
Continuaram conversando animadamente até as três da tarde.
Entre os homens, Pedro levou Raimundo, que novamente
estava com problemas estomacais, até uma farmácia local, onde lhe passaram um
remédio.
À tardinha partiram novamente.
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