sexta-feira, outubro 21, 2016

OS DESBRAVADORES Capítulo 23





OS DESBRAVADORES


Capítulo 23

Calfilho





XXIII






Mais dois dias ininterruptos de viagem e ingressaram, afinal, na imensidão do rio Amazonas. Aportaram rapidamente em Prainha, ainda no Pará. Outro reabastecimento, algumas pequenas compras de víveres e seguiram novamente viagem.
A paisagem, agora, era realmente de imensidão, de deslumbramento. Às vezes, mesmo viajando pelo meio do rio-mar, não se conseguia enxergar uma das margens, tão largo era o Amazonas. Aquele monumental volume d’água às vezes dava medo, outras causava uma espécie de paralisia nas pessoas. Nas margens, árvores enormes, de mais de quinze metros de altura. Vegetação cerrada, cipós, bambus, toda espécie de plantas. Silêncio absoluto, quebrado apenas pelo roncar da máquina da “Filomena”, pelo rumorejo das águas do rio ou pelo grito estridente de um ou outro pássaro. Viram vitórias-régias, jacarés, muitos macacos pendurados nas árvores ribeirinhas, preguiças, tucanos, araras, papagaios. Pescaram várias qualidades de peixes, que eram servidos com fartura no almoço ou jantar.
Finalmente, dois outros dias de viagem e chegaram a Santarém, onde o Amazonas cor de barro recebia as águas negras e quase transparentes do Tapajós. Era o primeiro encontro das águas da região. A cidade surgia ao longe, as casas brancas com telhas vermelhas e a paisagem costumeira por trás: grandes árvores, vegetação cerrada, o verde da mata predominando sobre as outras cores.
Santarém já era uma cidade de razoável porte, sendo considerada a segunda em importância do Pará. Por ali escoava grande parte da produção de borracha, bem como da extração de madeira. Já tinha uma infraestrutura de cidade média, com agência de banco, farmácia, hospital, escola pública, hotéis. O comércio era relativamente forte, já que era grande a circulação de dinheiro proveniente da compra e venda da borracha e da madeira. Vários navios de grande calado ali já aportavam, mesmo que ao largo, pois o porto não oferecia condições para que encostassem diretamente.
Uma gaiola como a “Filomena”, entretanto, podia encostar tranquilamente no rudimentar cais de madeira. Praticamente todos foram visitar a cidade, esticando as pernas e aproveitando para esquecer um pouco a rotina de vários dias passados em navegação contínua.
Faustino continuava com o terno de linho branco e o chapelão de abas largas. Maria Teresa, entretanto, colocou umas roupas mais leves, não tão formais como os costumeiros vestidos compridos, que chegavam a cobrir os tornozelos. Já calçava também botas de cano longo, saia de tecido grosso, blusa simples de algodão. Trocou a sombrinha que usava para se proteger do sol por um chapéu de palha também de abas largas.
 Agora, as investidas dos mosquitos já eram mais frequentes e todos já protegiam a pele com óleos repelentes. Como os banhos na gaiola eram difíceis de serem tomados, aproveitavam qualquer parada como aquela para irem até um hotel e banharem-se decentemente. Os homens da expedição, exceto Faustino e Morais, tomavam banho nas próprias águas do rio.
Faustino aproveitou para ir até o banco para saber com o gerente a cotação da borracha no mercado internacional. Apesar de não ser aquele o preço cobrado na realidade nas transações de venda do ouro viscoso, quis apenas atualizar-se quanto ao valor médio da mercadoria.
O gerente do banco fez uma advertência:
– Os preços da borracha estão despencando a uma velocidade espantosa, “seu” Faustino. Depois que os ingleses conseguiram contrabandear as sementes da seringueira e começaram a plantar nas colônias deles lá na Ásia, quase toda a exploração aqui na Amazônia foi paralisada. A sua talvez seja uma das últimas. É só as árvores deles estarem crescidas e aqui vai parar tudo.
– É verdade mesmo? – perguntou Faustino. – Já tinha ouvido boatos sobre isso, mas não consegui acreditar. Pensei que haveria mercado para todo mundo.
– Nada disso, “seu” Faustino. Aqui só teve mercado bom até 1912. De lá para cá, a exploração vem caindo ano a ano e agora, quase não tem mais nada.
Faustino deu um suspiro de alívio. Comentou:
– Ainda bem que a minha produção está praticamente toda vendida antecipadamente. Até essa minha expedição foi toda financiada pelos meus compradores.
– Mas, como é que o senhor conseguiu isso? Vender tudo antecipadamente, sem saber o preço real da hora da venda?
Faustino retrucou, sem esconder uma ponta de vaidade:
– Confiança no meu trabalho, meu amigo, confiança. As pessoas sabem com quem estão lidando e a palavra de um homem de bem vale mais que tudo.
– É verdade, “seu” Faustino. Coisa rara hoje em dia, quando se dá mais valor a uma promissória, a um papel assinado.
Despediram-se e foram almoçar os três, Faustino, Maria Teresa e Morais, no restaurante do hotel em que tomaram banho.
Faustino iniciou a conversa:
– Então, Morais, está indo tudo bem, não é?
– Claro, a gente tem dado sorte. Ainda não choveu um só dia – respondeu.
 Virando-se para Maria Teresa, perguntou:
– E você, Maria Teresa, está estranhando muito? Estou gostando de ver sua coragem, quase não reclama de nada.
Faustino soltou uma gostosa gargalhada, enquanto saboreava um pedaço de carne de capivara:
– Essa aí, Morais, é ferro malhado. Enfrenta tudo com um sorriso nos lábios. Quando eu comecei a namorar com ela, pensei até que ela fosse da Paraíba.
Maria Teresa interveio:
– É claro que a gente estranha um pouco, Morais. Mas, fora os mosquitos e o enjôo que eu tive no mar, o resto está indo tudo bem. E, a mulher tem que acompanhar o marido onde ele for, não é mesmo?
Morais assentiu com a cabeça. Comentou:
– Mas, a Ana, duvido que ela tivesse coragem de me acompanhar numa viagem dessa até aqui. Não abre mão do seu conforto.
Continuaram conversando animadamente até as três da tarde.
Entre os homens, Pedro levou Raimundo, que novamente estava com problemas estomacais, até uma farmácia local, onde lhe passaram um remédio.
À tardinha partiram novamente.

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