OS DESBRAVADORES
Capítulo 20
Calfilho
XX
Penúltima parada: Colares, já bem perto de Belém.
A ansiedade pela aproximação do fim da longa e
cansativa viagem tomava conta de todos. Mesmo Jeremias, habituado de muito
àquelas idas e vindas de Fortaleza a Belém, sua rota atual, não conseguia
esconder que também estava ansioso pela chegada ao porto final. Lá, ficaria por
uns dez a quinze dias, para reparos e manutenção do Rosamar, novo carregamento
de mercadorias e depois o retorno à capital cearense.
Sua rotina era aquela há quase dez anos. Mas, a cada
viagem que se encerrava, era invadido por uma sensação de alegria, de
contentamento, da certeza do dever cumprido. Daquela vez, mesmo com todos os
aborrecimentos que tivera que enfrentar, até o problema da caldeira, toda a
carga fora entregue sem atraso, nada de mais grave acontecera. As reclamações
de sempre, um ou outro comerciante mais chato, mas, no fim, tudo saíra bem.
Na hora do almoço, antes de atracarem, já na baía de
Marajó, em frente a Colares, estavam sentados Faustino, Maria Teresa e
Jeremias.
Comiam feijão de corda, jerimum, carne de sol e mandioca
frita.
Faustino comentou, enquanto colocava uma concha de
feijão no prato da mulher:
– Estamos chegando, não é capitão? Viagem longa, mas,
graças a Deus tudo correu bem.
– Ainda bem, “seu” Faustino. Se Deus quiser, depois de
amanhã, chegamos a Belém. Hoje devemos demorar um pouco mais aqui em Colares,
tenho muita mercadoria para desembarcar.
Virou-se para Maria Teresa, indagando:
– E a senhora, madame? Como vai o neném? Tudo correu
bem?
– Tudo bem, capitão – respondeu ela.– Pensei que fosse
estranhar mais, mas só foram os primeiros dias.
– E, quantos dias vai ficar em Belém, capitão? –
interveio Faustino.
– Não sei, “seu” Faustino. Talvez uns dez, quinze, vai
depender da reforma do navio. Tem umas peças que já estão muito gastas, tenho
que trocar. E o senhor, embarca direto pra selva ou fica alguns dias em Belém?
– Acho que logo em seguida, talvez um dia ou mais. Vai
depender também do dono da gaiola que reservei. Se ele já estiver me esperando
com tudo pronto, parto logo. Caso contrário, se faltar alguma coisa, espero
mais um pouco. O senhor sabe como é, se eu não levar tudo que preciso, depois
não consigo que ninguém me mande naquele fim de mundo.
– É verdade, o senhor tem razão. Quer saber, “seu”
Faustino, admiro sua coragem. Se meter naquela selva braba, onde ninguém
colocou os pés antes, é preciso ser muito macho. Chuva, sol, bichos, distância
de tudo e de todos, sem ter a quem recorrer. Sem médico, sem remédio, só tendo
Deus do seu lado. Realmente, é preciso muita coragem.
– Já estou acostumado, capitão – retrucou Faustino
modestamente. – Não vai ser a primeira vez, sei onde vou pisar.
– Mesmo assim, não sei não. Prefiro aguentar o meu
Rosamar por aqui, é mais tranquilo.
Depois do almoço, Jeremias foi até a cidade. Faustino
preferiu ficar no navio, descansando um pouco. Pedro e Raimundo também
desceram, foram procurar alguma coisa que valesse a pena comprar.
O Rosamar só partiu de madrugada. Finalmente, destino:
Belém.
O dia inteiro seguinte foi de navegação.
À noite, Jeremias convidou Faustino e Maria Teresa
para o jantar de despedida. Colocou o seu melhor uniforme de capitão: blazer
azul, dragonas nos ombros, medalhas cor de ouro espalhadas por todo o peito.
Faustino e a mulher também vestiram suas melhores roupas, lavadas e passadas
para a ocasião. Zé Maria, o imediato, também jantou com eles.
Foi servido um pato ao molho de tucupi, para comemorar
a chegada a Belém. Jeremias abriu uma garrafa de champanhe para comemorar a
ocasião.
Já um pouco alcoolizado, ensaiou um pequeno discurso.
Levantou-se com a taça na mão e começou:
– “Seu” Faustino, dona Maria Teresa: queiram que
saibam da minha satisfação em tê-los conduzido na minha humilde embarcação. Não
é todo dia que aqui recebo pessoas tão distintas e, acima de tudo, tão
corajosas. Quero brindar aqui ao senhor e à senhora, exemplos vivos dos
desbravadores brasileiros São pessoas como os dois que o Brasil precisa para
conquistar esse nosso imenso território. Desejo aos dois e à sua expedição todo
o sucesso deste mundo, que sejam felizes nesse grande empreendimento e voltem
sãos e salvos à sua terra natal. E, que a criança que agora esperam nasça como
exemplo dos brasileiros de coragem que os dois representam.
As taças tilintaram, todos de pé.
Faustino agradeceu, sem o tom solene do discurso:
– Obrigado, capitão, por suas palavras. Muito gentil
de sua parte. Quero aproveitar a oportunidade para agradecer a forma cordial e
amiga como fomos recebidos em seu navio, o que tornou a viagem muito agradável,
apesar de um pouco demorada – brincou. – Tenha certeza de que guardaremos do
senhor e de sua amável tripulação a melhor recordação possível e dela nos
lembraremos por muito tempo. Foi esta a primeira fase de nossa expedição e só espero
que as coisas daqui para frente corram tão bem como correram até aqui.
Sentaram-se todos, saboreando o delicioso jantar.
Despediram-se por volta das dez da noite. Faustino levou Maria Teresa até a
cabine. Disse:
– Teresa, vai acabando de arrumar as malas, faz uma
conferência final para ver se não esqueceu nada. Eu vou ver como os homens
estão e mandar que eles preparem a bagagem. Volto já.
Fechou a porta da cabine atrás de si, dirigindo ao
alojamento dos homens. Bateu na porta da cabine de Pedro.
– Tudo bem com vocês? – perguntou, quando a porta foi
aberta.
Pedro levantou-se da sua cama, que ficava na parte de
baixo do beliche. Respondeu:
– Tudo, patrão. A gente já ia dormir.
– Arrumaram tudo? Conferiu o nosso material? Está tudo
em ordem?
– Tudo, patrão – repetiu Pedro.
– Então, até amanhã. O capitão disse que devemos
chegar por volta das dez horas. Tomem o café e depois vamos desembarcar a nossa
mercadoria.
– Até amanhã – responderam os outros.
Faustino voltou para a sua cabine para dormir a última
noite no Rosamar.
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