XXI
As águas barrentas do rio Pará já anunciavam a chegada
a Belém.
Do lado direito do “Rosamar” divisava-se a costa
imensa da ilha de Marajó, a terra dos búfalos brasileiros. A floresta virgem
estendia-se cerrada, uniforme, até onde a vista alcançava. Do lado esquerdo,
apontava ao longe a capital do Pará. Os telhados de cor vermelha contrastavam
com o branco predominante do casario da cidade.
Em pé, na amurada do convés, Faustino e Maria Teresa
viam a terra se aproximando lentamente. Pedro e os homens também já estavam
prontos para o desembarque.
Dia 26 de junho de 1916, trinta e sete dias de viagem.
Quando o “Rosamar” finalmente desligou suas máquinas,
os preparativos para deixar o navio sucederam-se rapidamente, com a
movimentação frenética dos marinheiros gritando ordens, descendo e subindo
cordas, escadas, mercadorias
– Capitão, então, mais uma vez muito obrigado. E bom
retorno a Fortaleza – disse Faustino, apertando a mão direita de Jeremias.
– Obrigado “seu” Faustino. Boa sorte na sua expedição.
Deseja algum recado para sua família em Fortaleza? – respondeu Jeremias.
– Sim, se for possível, diga às minhas irmãs e ao meu
pai que chegamos bem até aqui. Vou tentar escrever para eles, mas o senhor
sabe, correio aqui é artigo de luxo. O senhor sabe o endereço?
– Sei sim. O casarão da Praça José de Alencar, não é?
– Isso mesmo. E peça a eles, por favor, que avisem à
família da minha mulher – concluiu
Faustino.
Jeremias fez um gesto cerimonioso, inclinando-se
respeitosamente em frente a Maria Teresa.
– Boa viagem, madame, e uma boa hora – despediu-se.
Ela também fez um gesto de agradecimento com a cabeça,
respondendo:
– Obrigado, capitão. Boa sorte na volta.
Faustino e Maria Teresa também se despediram de Zé
Maria, repetindo-se os votos de boa sorte, boa viagem, bom retorno e bom parto.
Já em terra firme, o porto de Belém abria-se
movimentado, cheio de barracas que vendiam de tudo. Principalmente, peixe e
frutos do mar. Mas, também outras mercadorias, como pimenta, ervas,
especiarias, legumes, frutas, roupas, peneiras, tamancos e uma infinidade de
tudo que podia ser vendido. Também passarinhos em gaiolas, cobras sem dentes,
pequenos animais em jaulas de madeira, araras, papagaios, etc...
Os barraqueiros e ambulantes, logo que Faustino e
Maria Teresa pisaram o chão de Belém, aproximaram-se em bando, ávidos para
oferecer seus produtos. Cercaram o casal elegantemente trajado, ele, com o
costumeiro terno de linho branco, chapéu de aba larga na cabeça, botas de cano
alto até o joelho; ela com um vestido longo que lhe cobria os sapatos, a
habitual sombrinha numa das mãos para se proteger do sol. Pedro, à frente dos
dois, ia afastando os insistentes vendedores, que gritavam a plenos pulmões a
qualidade de seus produtos.
Mais à frente, Faustino divisou Morais, o dono da
gaiola que havia contratado. Barriga volumosa, camisa aberta no peito, chapelão
na cabeça grande, charuto no canto da boca, abriu um largo sorriso quando viu
Faustino caminhando em sua direção.
Os dois já se conheciam das duas vezes anteriores em
que Faustino fora à Amazônia, em 1909 e 1912. Fora ele quem transportara em sua
rudimentar gaiola as duas expedições, nas quais Faustino era o capataz.
Abriu os braços gordos, neles enlaçando Faustino.
– Que prazer, Faustino. Vejo que ficou bom da malária...
– Graças a Deus, Morais. Quem é ruim não morre cedo –
brincou.
Apontou para a mulher, apresentando-a ao dono da
gaiola:
– Essa aqui é Maria Teresa, minha mulher.
Morais fez uma curvatura com a cabeça, tirando o
chapéu do couro cabeludo e apertando-lhe a mão.
– Muito prazer, minha senhora. O Faustino já havia me
falado da senhora. Vai com a gente ou vai ficar aqui em Belém?
Faustino respondeu:
– Ela vai, Morais. Está esperando o meu filho e quero
ver ele nascer.
Morais franziu o cenho por um segundo, quase
imperceptivelmente. Faustino notou sua preocupação:
– Já sei o que você está pensando. Selva, bichos,
mosquitos, índios, falta de conforto, etc... Mas, já a preveni disso tudo e ela
quis vir comigo. O que eu podia fazer? – perguntou, fingindo um ar de
resignação, abrindo os braços num gesto largo.
Morais retrucou:
– Bem, ninguém melhor que você para saber o que vai
ter pela frente.
Virou-se para Maria Teresa e disse:
– Dona Teresa, ninguém conhece melhor esse lugar aqui
que seu marido. É querido por todo mundo, os índios o tratam com um respeito
que só vendo. Enfim, se a senhora quis mesmo vir, ninguém melhor que ele para
levá-la de volta sã e salva.
Faustino perguntou:
– Bem, Morais como estão com as coisas? Está tudo
preparado? Ainda preciso contratar mais uns dois homens, comprar mais alguma
coisa... Quero partir logo que puder.
Morais retrucou:
– Da minha parte, tudo pronto. A “Filomena” está em
ponto de bala. E, já adivinhando que você ia precisar de mais gente, selecionei
alguns homens antes de você chegar. Você decide quem levar.
Morais e Faustino se davam muito bem, tinham uma
amizade muito forte um pelo outro. Quando Faustino pegou a malária, foi ele
quem foi buscá-lo no acampamento, trazendo-o até Belém, onde lhe foram
prestados os primeiros socorros. Acolheu-o em sua casa, até que chegasse um
navio que pudesse transportá-lo até Fortaleza. Tratavam-se como irmãos, sem
nenhuma cerimônia entre os dois, fruto da amizade que cultivaram durante todos
aqueles anos.
– Obrigado, Morais, foi bom você ter feito isso, já me
poupa tempo de sair procurando gente por aí.
Chamou Pedro;
– Pedro, pode embarcar nossas tralhas na “Filomena”.
Depois, vai ver esses homens que o Morais arranjou. Escolhe mais dois e vamos
partir, se possível amanhã cedinho.
Pedro cumprimentou Morais, seu velho conhecido das
vezes anteriores em que ali estivera com Faustino.
Chamou os homens e os conduziu até a gaiola, onde
começaram a embarcar os utensílios que iriam utilizar na expedição.
Faustino e Maria Teresa acompanharam Morais até a casa
deste, a umas três quadras do porto. Foram caminhando, o casal de braço dado,
Morais ao lado de Faustino, conversando os dois alegremente sobre episódios das
expedições anteriores, relembrando fatos passados nos quais se solidificou a
amizade entre ambos. A manhã estava quente, como costuma acontecer em Belém.
Abafada mesmo. Entretanto, as ruas emolduradas de frondosas mangueiras, tinham
a sombra destas projetada sobre as calçadas, tornando mais amena a temperatura
ambiente. As calçadas e ruas coalhadas de mangas caídas pelo chão era outra das
características mais marcantes da capital paraense.
– Pois veja bem, Teresa – disse Faustino. – É a esse
homem aqui do lado da gente a quem você deve o fato de estar casada comigo
atualmente. Se não fosse ele, eu certamente teria morrido da malária lá no meio
da selva. Quando soube que eu estava doente, largou tudo que tinha que fazer
por aqui e foi lá me buscar. E, aqui na casa dele, os cuidados que ele e Ana, a
mulher dele, me dispensaram, foi o que realmente me salvou.
Maria Teresa ouvia tudo com admiração, imaginando como
os fatos deveriam ter ocorrido e como seria sua vida naqueles próximos meses.
Morais retrucou, com modéstia:
– Nada disso, dona Teresa. Posso lhe chamar de Teresa,
a senhora não se importa, não é?
Sem esperar resposta, continuou:
– Não fiz mais nada que minha obrigação. Amigos são
para essas coisas e eu não me perdoaria se não tivesse partido em seu socorro.
Agora, o que ele não conta é que quando eu precisei comprar um barco novo, ele
me emprestou o dinheiro que ganhou com a borracha e, quando eu fui pagar, não
quis receber. E, olha que não foi pouco dinheiro, não. Disse que era um
presente e que se sentiria ofendido se eu insistisse em pagá-lo. Isso antes de
eu socorrê-lo quando ele pegou a malária, quando nem direito ele me conhecia.
Pela primeira vez, Maria Teresa viu o marido ficar
encabulado. Ele virou o rosto para o lado, sem palavras para responder na hora.
Ela olhou para Faustino com admiração. Não conhecia aquele seu lado, sempre o
vira como uma pessoa muito confiante em tudo que fazia, sem vacilações, sem
maiores emoções. Era duro com seus homens, rigoroso demais até, achava ela. Foi
duro a vida toda com as irmãs. Normalmente, aparentava ser frio, insensível,
com um coração de aço. Só com ela, quando estavam a sós, permitia-se o
extravasamento de algumas emoções, de momentos de carinho. Mesmo assim, muito
vagamente, muito distante.
Ele, afinal, retrucou a observação de Morais, quase
num tom ríspido:
– Se eu te dei o barco foi porque você mereceu –
disse. – Além do mais, eu estava visando meus interesses, você é que não sabia
– brincou. – Aquela tua antiga banheira ia me deixar na mão a qualquer hora e
eu já adivinhava que ia pegar a malária.
Morais riu sonoramente:
– Presta bem atenção, Teresa, posso lhe chamar assim?
– repetiu, esquecendo-se de que fizera a mesma pergunta momentos antes.
– É claro, “seu” Morais, o meu nome é esse mesmo –
respondeu ela, rindo.
Morais continuou:
– Esse seu
marido só falta rasgar dinheiro. Quando está com o bolso cheio, joga tudo fora.
Ajuda todo mundo que precisa, veja como o Pedro adora ele. Por que ele tinha
necessidade de me dar um barco de presente? Podia apenas me emprestar o
dinheiro, depois eu pagava... Mas, não, é mão aberta, gosta de gastar... Toma
cuidado, dona Teresa, caso contrário a senhora e seu filho vão acabar na
miséria – brincou.
Finalmente, chegaram à casa. Ana, a mulher de Morais,
já os esperava. Abriu um largo sorriso em direção a Faustino:
– Como vai, Faustino? – cumprimentou-o efusivamente,
dando-lhe um forte abraço.
Feitas as apresentações à Maria Teresa, inclusive o
filho e a filha do casal, Nilson e Maria do Céu, já estavam todos
confortavelmente sentados na espaçosa varanda da casa, tomando um refresco de
seriguela.
Ana comentava com Maria Teresa, sentada ao seu lado:
– Você precisava ver, Teresa, o jeito que seu marido
chegou aqui. Magrinho, ardendo de febre, suando em bica. Nem parecia o
homenzarrão que a gente tá vendo hoje aqui.
– É, eu vi em Fortaleza quando ele estava se
recuperando. Mas, acho que ele já devia estar bem melhor do que quando esteve
aqui – disse Teresa.
Ficaram ali jogando conversa fora até pouco depois do
meio-dia, quando a empregada avisou que o almoço estava servido.
Dirigiram-se todos até a ampla sala da residência,
onde uma grande mesa retangular, com várias cadeiras em sua volta, dominava o
ambiente. O chão era de tábuas enormes, as paredes decoradas com vários quadros
retratando a cultura da região: búfalos de Marajó, mangueiras de Belém, as
redes dos pescadores, as igrejas da cidade, o grande mercado junto ao cais, as
largas ruas ou estreitas ruelas de casas antigas. Três grandes janelas, de
quase três metros de altura, todas elas abertas, deixavam entrar a
resplandecência da luz do sol e a brisa refrescante que amenizava o forte calor
daquela hora.
Todos à mesa, atracaram com vontade o farto e variado
almoço que estava servido: peixe ensopado, peixe frito, camarão pitu, carne de
sol, carne de porco, galinha ao molho pardo, acompanhamentos diversos. Como
sobremesa, frutas variadas, principalmente as da região, e doces caseiros de
várias qualidades.
Faustino brincou:
– Vocês chamaram a cidade inteira para o almoço? Cadê
eles, ainda não chegaram?
Ana ficou um pouco encabulada. Mas, logo retrucou a
brincadeira:
– Você, Faustino, eu já sabia o que gosta de comer.
Mas, a Teresa aqui, eu não sabia. Já imaginou se ela não gosta de peixe? Ou de
galinha? Ou carne de porco? Por via das dúvidas, pedi para fazer um pouquinho
de cada coisa. Assim, também, a gente pode experimentar de tudo um pouco.
Faustino continuou brincando:
– Pode deixar que eu vou experimentar mesmo – sorriu,
enquanto ia colocando uma colher cheia de cada coisa em seu prato.
Virou-se para Teresa:
– E você, Teresa? Também vai experimentar um pouquinho
de cada coisa? Olha, que essa comida aqui de Belém você não encontra em lugar
nenhum.
Ela, timidamente:
– Só um pouquinho, Faustino. Não quero abusar.
Faustino voltou-se para Ana, ainda com a boca cheia de
farinha de mandioca e pernil de porco:
– Ah! Ana, foi bom a Teresa falar em não abusar...
queria te pedir um favor.
Ela olhou para ele interrogativamente. Ele continuou:
– Queria te pedir que você levasse Maria Teresa para
uma consulta com aquele médico que vocês trouxeram aqui quando eu tive a malária.
Não lembro mais o nome dele, qual era mesmo? Um velhinho boa praça...
– Dr. Malaquias – respondeu Ana.
Faustino prosseguiu, agora atracado numa posta de
pirarucu:
– Essa talvez seja nossa última oportunidade dela ser
examinada por um médico antes da gente se embrenhar na selva. Lá, só Deus vai
estar do nosso lado.
– Claro, Faustino, claro. Se você preferir, peço a ele
para vir aqui ou então levo ela no consultório – retrucou ela, com aquele seu
sotaque nordestino.
– Se não der muito trabalho, se ele puder vir aqui, eu
preferia... queria que ele me orientasse sobre a hora do parto e as medidas que
devo tomar antes de chegar essa hora... lá, só vou contar com a ajuda de umas
índias parteiras e mais ninguém...
– Tudo bem, mando um recado pra ele. Também acho que
ele vai querer te rever, ver tua recuperação.
Depois do farto almoço, com o estômago bem cheio,
Faustino e Morais foram sentar-se na varanda, tomando um licor de jenipapo e
fumando seus cigarros e charutos. Ana levou Maria Teresa até seu quarto.
Disse-lhe, na porta:
– Descansa um pouco, Teresa. Vou mandar avisar o
médico. Ele deve vir lá pelas três e meia, antes da chuva da tarde.
Realmente, em Belém quase sempre chove
muito forte nos fins de tarde. Isso todo dia, durante o ano inteiro.
Faustino e Morais ainda estavam deitados em
confortáveis redes na varanda quando a chuva caiu forte, fazendo com que mais
mangas caíssem ao chão, trazendo um aroma delicioso de terra molhada.
Um homem de terno, chapéu e sapatos brancos bateu o
portão de entrada da casa, subindo as escadas apressadamente. Trazia nas mãos
um guarda-chuva que tinha dificuldade em fechar. Morais e Faustino se
levantaram. Ele cumprimentou Morais e quando apertava a mão de Faustino, ficou
olhando para ele com curiosidade.
– Eu não conheço o senhor? Sua fisionomia não me é
estranha... – perguntou.
Olhava por trás de grossas lentes dos óculos que tirou
para limpá-las da água da chuva.
Faustino sorriu, enquanto apertava a mão do médico:
– Acho que engordei um pouco, por isso o senhor não me
reconhece. Mas, devo lhe agradecer mais uma vez: se não fosse o senhor cuidar
de mim naquela ocasião, quando a malária estava brava, eu já teria morrido.
Malaquias, agora colocando novamente os óculos,
reconheceu Faustino:
– “Seu” Faustino... como o senhor está diferente...
graças a Deus, ficou curado, não é?
– Graças a Deus e à medicina – retrucou Faustino. – Se
não fossem os seus conhecimentos, adeus...
Morais convidou o médico para entrar um pouco.
– Toma um conhaque, doutor? Por causa da chuva, pra
não ficar resfriado...
– Não, obrigado, Morais. Quero ver a paciente antes –
respondeu.
Morais chamou a mulher. Ana foi acordar Maria Teresa.
Ela, ainda sonolenta, veio até a sala. Ana
apresentou-a ao Dr. Malaquias.
– Onde o senhor vai querer examiná-la, doutor? – Ana
perguntou.
– Não sei, dona Ana, qualquer lugar serve. Que tal num
quarto sossegado?
– Vou providenciar, só um minuto.
Depois da consulta, que durou uma meia hora, Malaquias
voltou à sala. Dirigiu-se a Faustino:
– “Seu” Faustino, tudo bem com sua senhora. A gravidez
está evoluindo normalmente, não constatei nada de anormal. Ela já está com três
meses, não é?
– Acho que sim, doutor. Agora, se o senhor me permite,
queria que me orientasse sobre algumas coisas que devo fazer. Não sei se o
senhor sabe, mas nós vamos para a Amazônia, bem no meio da selva, e ela deve
ter a criança lá. Sem médico nem ninguém capacitado a fazer o parto. Vou ter
que recorrer a alguma índia parteira, mas queria que o senhor me orientasse
sobre os cuidados que devo ter antes e na hora da criança nascer.
– Pois não, “seu” Faustino. Estou às suas ordens. Vou
também receitar alguns medicamentos para ela tomar durante o resto da gravidez,
que o senhor deve comprar aqui em Belém, pois não vai achar lá na selva –
retrucou Malaquias.
– Obrigado, doutor.
Malaquias começou a esclarecer Faustino sobre os
pontos mais necessários e as medidas que deveria tomar. Ficaram conversando por
quase uma hora, Faustino anotando as recomendações do médico.
Terminada a consulta, os dois se levantaram. Faustino
perguntou:
– Quanto lhe devo, doutor?
Malaquias sorriu.
– Nada, “seu” Faustino. Foi um prazer atendê-lo.
– Não senhor, doutor. Faço questão de pagar.
O médico olhou para Morais, olhos zombeteiros.
– Se o senhor insistir em me pagar, o Morais aqui me dá
um tiro na cara. De jeito nenhum, foi um prazer.
Faustino despediu-se do médico, dando uma bronca em
Morais:
– Assim, não venho mais na sua casa. Você não me deixa
pagar nada, porra. Isso já é sacanagem.
– Você é meu hóspede, Faustino. Não se esqueça disso.
Ele desistiu de insistir.
– Está certo, você venceu – disse. – Mas, como eu
sabia que isso ia acontecer, já me preveni e trouxe uns presentes para vocês
todos. O Pedro chega daqui a pouco com eles.
Lá pelas seis
da tarde, depois que a chuva passou, Pedro e Raimundo chegaram carregados de
embrulhos. Morais mandou que eles se acomodassem, serviu-lhes uma bebida,
deixou-os à vontade. Chamou a mulher e os filhos. Faustino e Maria Teresa
fizeram a distribuição dos presentes.
Aqueles agradecimentos de sempre:
“– Tão bonito, obrigada. Não precisava, Faustino”,
agradeceu Ana a bela mantilha de renda para usar nas missas de domingo.
“– Obrigado,“seu” Faustino”, disse Nilson, o
filho de Morais, exibindo o chapéu de couro e o cinturão de cangaceiro que
ganhou.
Assim também agradeceram Maria do Céu e Morais. Este
recebeu um belo punhal com o cabo cravejado de esmeraldas.
– As pedras vieram de Minas Gerais – disse Faustino,
enquanto Morais se derramava em elogios à beleza do presente recebido.
Mais tarde, depois que Pedro fez o relatório das
providências tomadas durante a tarde, dizendo a Faustino que tudo estava em
ordem, os dois se despediram.
Faustino disse:
– Bem, amanhã às sete a gente parte. Previne o
pessoal. Ah! outra coisa: o Morais arranjou dois homens para irem com a gente.
Vê se fala com eles ainda hoje à noite, vê se servem e acomoda eles com o
pessoal, se você aprovar.
– Tá certo, patrão – disse Pedro. – O resto do pessoal
já tá todo mundo acomodado, é só soltar as amarras da gaiola.
Os dois, Pedro e Raimundo, depois de se despedirem dos
donos da casa, retiraram-se. Morais indicou a Pedro onde encontrar os homens
que arranjara.
Maria Teresa e Ana ficaram conversando um pouco mais,
até às nove. Foram dormir logo em seguida. Faustino e Morais continuaram o papo
até à meia-noite, molhando a língua com generosas canecas de cerveja.
Já na “Filomena”, Pedro conferiu mais uma vez se tudo
estava em ordem, mercadorias e tripulação. Saiu para procurar os homens
indicados por Morais. Depois que falou com eles, Marivaldo e Luiz Carlos,
aprovou os dois, mandando que voltassem cedo na manhã seguinte para o embarque.
Quando
foi dormir, tinha certeza de que estava tudo pronto para a longa viagem.