sábado, julho 21, 2018

O VÔLEI FEMININO NO LICEU...






O VÔLEI FEMININO NO LICEU...









Calfilho







Maria e João se conheceram no Liceu de Niterói.

Ele, no primeiro ano do científico, ela no quarto do ginasial.

João pretendia ser engenheiro, Maria ainda não definira o que faria.

A grande maioria de suas colegas pensava em ir para o Instituto de Educação, serem professoras primárias, a carreira preferida e mais indicada para as moças de família daquela época. Outras, em número muito menor, pretendiam cursar o clássico, serem advogadas ou professoras de escolas de nível médio; algumas iriam para o científico, serem médicas ou mesmo engenheiras. Aliás, eram poucas as opções de curso superior para as mulheres naquela época, quando corria o ano de 1958.

A sociedade brasileira, ainda mais a niteroiense, era muito conservadora, escrava de regras e princípios do início do século XX. Apenas alguns anos atrás, a partir de 1950, com o aparecimento da televisão como uma das opções de lazer, aquela mentalidade modificava-se lentamente. Niterói, aliás, continuava sendo considerada uma cidade satélite, simples dormitó­rio do Rio de Janeiro, então o Distrito Federal, capital do Brasil.

O meio de transporte era a antiga barca da Cantareira, que ligava Niterói ao Rio, onde a maioria da população niteroiense trabalhava.

E, como toda cidade conservadora, até mesmo provinciana, os preconceitos e restri­ções sociais preponderavam. Talvez, no Liceu, isso não era tão percebido, por ser escola pública e principal referência de qualidade de ensino no antigo Estado.

Maria, no verdor dos seus quatorze anos, começava a descobrir o mundo. Morava em Santa Rosa, filha de família de classe média niteroiense. Pegava o bonde diariamente no Largo do Marron para ir e voltar de casa para o Liceu, que ficava no centro de Niterói. Sua vida era simples, como a da maioria das meninas de sua idade. Tinha uma irmã mais nova, morava com o pai e a mãe, na rua Martins Torres. O pai, militar, a mãe, dona de casa. Amigas, poucas, apenas as colegas de sala do Liceu, mas amizades superficiais. Dessas, apenas uma, Mariangela, era-lhe mais íntima. Ingressaram no Liceu no primeiro ano ginasial, em 1955 e permaneceram sempre na mesma turma até irem para o turno da manhã para cursarem o quarto ano, em 1958.

Naquele ano descobriram realmente o Liceu.

Curtiam muito os quinze minutos diários do recreio, quando todos os alunos iam para o pátio, para as pistas de atletismo, para as quadras de basquete e vôlei, conversando anima­damente, enquanto comiam um sanduíche de mortadela e bebiam um Mineirinho - “o refrige­rante salutar” – ou uma Coca-Cola, comprados rapidamente na cantina de dona Cremilda.

E foi naquele ano, que o Grêmio Cultural Nilo Peçanha, agora sob nova direção, mu­dava a vida rotineira dos liceístas. Primeiro, com a “Hora do Grêmio”, apenas quinze minutos no recreio, onde eram apresentadas as novidades introduzidas pela entidade, bem como tocadas as músicas de sucesso da época, servindo, ainda, de porta-voz para os recados dos alunos. Alguns, pura brincadeira, outros mensagens amorosas entre os jovens liceístas.

Maria adorava aqueles recreios. De braço dado com Mariangela, passava em frente à pequena janela de onde os dois diretores do Grêmio apresentavam o programa. Olhava disfar­çadamente para eles, com uma ponta de admiração e entusiasmo. Enquanto mastigava um pedaço de seu sanduíche, ouvia músicas de Elvis Presley, Little Richard e, principalmente, as baladas lentas dos “The Platters”, como “Only you” e “My prayer”.

Era a moda da época. A música popular brasileira estava num período de entressafra depois da década de ouro, a de 1930, com Noel na frente de todo mundo. Infelizmente, agora, as que preponderavam eram as músicas importadas dos Estados Unidos. Ocupavam os horários nobres em nossas rádios e televisões. Até o futuro famoso Roberto Carlos iniciou sua carreira cantando versões americanas, inclusive uma no programa de Ary Barroso, um ferrenho defensor do samba autêntico brasileiro. “Malena” foi a música com que se apresentou no aplaudido programa do Ary, em que os piores cantores sofriam com o gongo do Tião Macalé.

Maria olhava com admiração para os dois meninos mais velhos que faziam as vezes de locutores da “Hora do Grêmio”. Para ela, parecia que os dois viviam num mundo muito distante do seu, simples ginasiana que acabara de chegar no turno da manhã.

E, ela, já bem alta para os seus 14 anos, quase um metro e setenta, ouvia com atenção o que os locutores diziam:



“ATENÇÃO, ATENÇÃO!!!  O GRÊMIO ESTÁ FORMANDO SUA EQUIPE DE VÔLEI FEMININO!!! CONVOCAMOS TODAS AS LICEÍSTAS, NÃO IMPORTA A SÉRIE, NEM A IDADE, QUE TENHAM MAIS DE  UM METRO E SESSENTA E CINCO CENTÍMETROS PARA NOSSA EQUIPE. PROCUREM NOSSOS TREINADORES NA SALA DO GRÊMIO!!!”



Ouviu com atenção a notícia. Comentou com a colega:

– Puxa, Mariangela, nós duas somos as mais altas da turma. Vamos nos inscrever?

A outra respondeu, um pouco receosa de entrar naquele mundo de alunos do científico e clássico, alguns dos rapazes já com barba no rosto, várias meninas ostentando seios pontiagudos, a alça do soutien aparecendo por baixo da blusa do uniforme:

– Não sei, Maria, vamos pensar um pouco.

– Que nada, Mariangela, vamos lá na sala do Grêmio saber dos detalhes após as aulas de hoje – respondeu Maria, entusiasmada.

E, assim fizeram.

Quando tocou a sirene anunciando o fim das aulas do turno da manhã, as duas se dirigiram para a salinha do Grêmio, situada junto ao lance de escadas no fim de um dos corredores do prédio, aquele que dava para a pequena rua atrás do colégio, onde funcionava um Jardim de Infância, colado no terreno do Liceu.

Timidamente, entraram na sala.

Várias carteiras escolares, coladas umas nas outras, formavam uma espécie de balcão, separando os diretores do Grêmio dos demais alunos. Os diretores ficavam sentados por trás dessas carteiras, medida que se tornou necessária dada a grande afluência de estudantes em busca dos passes para os trolleys e bondes, agora vendidos diretamente pelo Grêmio liceísta, evitando o deslocamento dos alunos até a sede da FESN, na rua XV de Novembro, no Rink. Foi a primeira grande vitória do Grêmio, visando facilitar a vida dos alunos, muitos deles que trabalhavam após o turno da manhã ou estudavam à noite e não tinham tempo de adquirir os passes que lhes davam o desconto no transporte urbano.

Vários alunos, aproveitando o recreio, compravam os passes, formando uma pequena fila, atendida por alguns diretores do Grêmio. Ali estavam Irapuam, José Henrique (o Josa), Carlinhos, Verinha, Manequinho e João.

Maria e Mariângela ficaram em pé, atrás da fila, aguardando sua vez.

Quando esta chegou, Josa perguntou:

– Vocês querem passe para o trolley ou bonde?

As duas hesitaram por um momento, uma esperando que a outra respondesse.

Finalmente, Maria disse:

– Não, não queremos comprar os passes, nós já temos. Queremos nos inscrever para treinar no time de vôlei feminino.

– Ah! Tá certo – retrucou Josa. – Não é comigo, é ali com o João – apontou com a mão um outro rapaz sentado na outra ponta da fila de cadeiras... – João, é pra você – falou alto, chamando a atenção do rapaz.

João levantou os olhos, encarando as duas meninas. Bonitinhas, boa altura, deveriam ser testadas. Elas se aproximaram de sua mesa.

– Vocês já jogaram vôlei em algum lugar? – perguntou.

Elas hesitaram, esperando que uma respondesse primeiro.

Maria acabou falando:

– Só na rua, um pouco na praia, apenas de brincadeira – respondeu.

Mariangela completou:

– Eu também, só na rua e na praia, às vezes.

João continuou olhando interrogativamente para as duas: Depois, disse:

– Bem, nós estamos procurando meninas que já tenham alguma experiência no vôlei, tenham jogado por algum clube ou disputado algumas partidas. Enfim, que conheça bem as regras, para não começarem do zero. Nossa ideia era formar logo uma equipe praticamente pronta para disputar competições em Niterói e em outras cidades. Vocês conhecem bem as regras?

– Não, respondeu Maria. Queríamos aprender, pensávamos que fosse uma espécie de escolinha de vôlei.

João ainda pensou um pouco antes de responder.

– Bem, não custa nada tentar. Até mesmo porque ainda temos poucas alunas que atenderam nosso chamado, não dá para formar duas equipes para treinos. Hoje à tarde, às quatro horas, está bem? Vou apresentar vocês às outras meninas que já se inscreveram e ver qual o nível de vocês. Tragam o material de ginástica e tênis. Sentem aqui que vou fazer a ficha de vocês duas — disse, indicando-lhe duas cadeiras à sua frente.

Elas obedeceram, passando-lhe seus dados pessoais, enquanto ele preenchia suas fichas.

– Bem, é só isso, por enquanto. Tragam um retrato 3 X 4 e até às quatro horas.

O Grêmio do Liceu, depois de muito anos inativo, foi reerguido em 1958, com a eleição do colega Jorge Carrano para seu presidente. A ideia do reerguimento veio de várias reuniões entre alguns alunos do segundo científico, principalmente Irapuam, Telúrio e Carlinhos, apaixonados por esportes e insatisfeitos com o que o colégio oferecia para eles nessa atividade. As aulas de educação física, obrigatórias por lei, eram uma verdadeira piada: a maioria dos alunos não comparecia, os professores, também desinteressados, limitavam-se a confirmar a presença dos que iam e até dos que lá não apareciam. Para os poucos que ali estavam eram apenas simples flexões, no máximo um polichinelo. Mera formalidade, apenas para justificar os salários dos professores.

Os alunos limitavam-se às atividades do currículo escolar. O colégio, para a maioria, era apenas uma obrigação diária a ser cumprida nos três turnos oferecidos: manhã, tarde e noite. Após encerrados os respectivos turnos, cada um voltava para suas casas e o Liceu era esquecido, a não ser quando faziam a grande quantidade de deveres que eram levados para as residências.

Ao grupo inicial, que então cursava o segundo científico, juntaram-se outros alunos de séries mais novas, entre eles o José Henrique (o Josa), a Verinha, o João, o Toninho do turno da noite, o Eduardo (que cursava o clássico), o Manequinho e alguns outros entusiastas pela prática de esportes. Escolheram o Carrano, que estudava no primeiro científico para ser o presidente. Era o mais sério deles. De vez em quando, disputava uns “rachas” com alguns alunos mais antigos nas quadras de vôlei ou basquete e, mesmo transferido de outro colégio, num instante fez amizade com o pessoal veterano do Liceu. Aliás, desse grupo, apenas Irapuam e Telúrio (que já eram repetentes), além de Carlinhos, Josa, Verinha, Toninho e Eduardo estudavam no Liceu desde o primeiro ano ginasial. Os outros vieram transferidos de outros colégios de Niterói.

O Grêmio estava, à época em situação deplorável. Já não funcionava há uns dois anos. Tinha uma sala, no fundo do corredor que dava para a ruazinha de trás do Liceu , a Evaristo da Veiga (talvez não fosse seu nome em 1958), onde também funcionava um Jardim de infância, nos fundos do Liceu, com entrada independente.

A salinha era minúscula, tinha poucos móveis, cheia de poeira e teias de aranha. Logo após eleitos, os novos diretores tomaram pé da situação e arregaçaram as mangas. Varreram e enceraram a salinha, conseguiram algumas cadeiras e mesas que estavam abandonadas num depósito do colégio, até mesmo um velho armário.

Na primeira reunião que fizeram, tudo de maneira informal, foi escolhida a diretoria com os respectivos ocupantes. Carrano, o presidente; Telúrio, diretor geral de esportes e de basquete; Carlinhos, diretor de futebol de campo e salão; Irapuam, diretor social; Verinha, diretora do Departamento Feminino; Josa, assistente geral da presidência; João, diretor de voleibol.

A primeira medida foi pedir autorização ao diretor para transmitirem “A Hora do Grêmio”, inicialmente apenas nos recreios do turno da manhã, a fim de comunicar a posse da nova diretoria e seus planos para o ano que se iniciava. O professor Aldo, que tinha fama de muito severo quando fora diretor do colégio no final da década de 1940, relutou um pouco, a princípio. Acabou cedendo diante da insistência daquele grupo de jovens entusiasmados:

– Bem, vocês podem usar o aparelho de som daquela salinha que dá para o pátio. Mas, não transmitam em tom elevado, não quero que ninguém se sinta incomodado – advertiu.

Foi a primeira vitória. A transmissão diária da “Hora do Grêmio”, nas vozes de Irapuam e Carlinhos era uma grande novidade para alegrar o recreio dos liceístas. As janelas da pequena sala que ficava no fundo (ou início?) de um dos corredores do imenso prédio eram abertas, de segunda a sexta, com a voz de um dois anunciando: “ABREM-SE AS JANELAS DA BROADWAY PARA OFERECER-LHES AS NOTÍCIAS DO NOSSO GRÊMIO E ENTRETER O SEU RECREIO COM MÚSICAS SELECIONADAS”.

Não havia muita seleção de músicas, apenas alguns 78 rotações levados por alguns alunos. Entre eles, como já afirmado, principalmente, “My Prayer” e “Only you”, com “The Platters”... Também alguns discos de Elvis, doados principalmente pelo Manequinho, muito pouca música brasileira...

Na prática, o departamento de futebol de salão foi o primeiro a ser instalado e a funcionar realmente. Até porque a grande maioria dos liceístas do sexo masculino adorava futebol e era o esporte que praticavam nos recreios, em disputas animadas nas quadras de vôlei e basquete e, até, quando estas já se encontravam ocupadas, no campinho junto ao necrotério ou ainda na própria pista de atletismo. Carlinhos lembrava-se bem de que, quando ainda cursava o ginasial, no turno da tarde, principalmente quando estava no primeiro ano, calouro portanto, muitas vezes “rachava” na pista de terra que cercava as quadras e os campos, tendo como “bola” uma simples tampinha de refrigerante. Isto porque as turmas mais velhas já ocupavam as quadras de cimento para a “peladinha” do recreio. Voltava para a sala de aula, após o intervalo, com o dólmã cáqui todo sujo de poeira, suado, transpirando, o rosto vermelho pelo esforço despendido, mas alegre e satisfeito.

Carlinhos, como diretor de futebol, arregaçou as mangas. Convocou os rapazes do Liceu para um mutirão no sábado seguinte, quando iriam preparar as balizas para o futebol de salão. Cada um contribuiu com uma parcela de suas mesadas, compraram a madeira necessária e a tinta de cor amarela. Pediram autorização ao professor Aldo, combinaram com “seu” Azer e, no sábado, lá estavam uns quinze liceístas na quadra de basquete, lixando, pregando e pintando as balizas. Outra vaquinha e conseguiram comprar um par de redes na “Superball”, lá na rua José Clemente.

“A Hora do Grêmio” anunciou:

“ATENÇAO, COLEGAS!!!

“O GRÊMIO CULTURAL NILO PEÇANHA, DEPOIS DE LONGA INATIVIDADE, VOLTA A ATUAR JUNTO AOS LICEÍSTAS. A NOVA DIRETORIA EMPOSSADA, SOB A PRESIDÊNCIA DO COLEGA JORGE CARRANO, JÁ ATIVOU O DEPARTAMENTO DE FUTEBOL DE SALÃO E, DENTRO DE ALGUNS DIAS, REALIZAREMOS A NOSSA PRIMEIRA OLIMPÍADA INTERNA.

“OS ALUNOS INTERESSADOS QUEIRAM FAZER AS INSCRIÇÕES JUNTO AOS REPRESENTANTES DAS RESPECTIVAS TURMAS E DEPOIS PROTOCOLÁ-LAS NA SEDE DO GRÊMIO”.

Foi um sucesso. Já na manhã seguinte, a salinha do Grêmio estava lotada de jovens alunos. Queriam saber detalhes, alguns já levavam os nomes dos que iriam representar suas turmas, outros até já tinham times escalados.

As equipes inscritas foram divididas de acordo com as turmas em que estudavam, escolhido um representante para ser o porta-voz de cada uma junto ao Grêmio.

Duas semanas depois, num sábado de sol maravilhoso, abriu-se o portão lateral do Liceu, que dava acesso às áreas externas e ao pátio do colégio. Aquele portão azul, que ficava ao lado da carrocinha de sorvete do Paulino.

“Seu” Azer, o zelador do colégio, amigo do pessoal do Grêmio, concordou em ir até o colégio naquele sábado para abrir os vestiários e supervisionar a garotada.

Foi uma festa. O pátio, a pista em volta da quadra de basquete, mesmo a quadra de vôlei, estavam repletas de alunos, meninos e meninas, que lá foram prestigiar os atletas de suas salas de aula. Vários jogos animados, muita disputa e, finalmente a turma campeã, proclamada no final da tarde. O Liceu tivera, realmente, uma tarde esplendorosa, com grande parte dos alunos participando de atividades fora do currículo normal das aulas teóricas. Uma tarde esportiva... Dessa olimpíada interna foram escolhidos os atletas que formariam os times de futebol de salão do colégio, o primeiro e o segundo, que se tornaram um sucesso posteriormente em disputas contra outros estabelecimentos e em excursões fora da cidade. Alguns já disputavam futebol por clubes de Niterói, como o Canto do Rio, o Cruzeiro, o Fonseca, o Manufatora ou pela LAFA (Liga Atlética de Futebol de Areia), no final da praia de Icaraí.

Mas, os novos diretores não queriam ficar só no futebol de salão e na “Hora do Grêmio”. Queriam mais.

Irapuam, o diretor social, começou a organizar algumas pequenas reuniões festivas para congraçamento da família liceísta. Inicialmente, eram realizadas em casas de alguns colegas, principalmente das meninas, cujos pais preferiam disponibilizar suas residências para uma festinha familiar, onde pudessem vigiar as filhas, em vez de deixá-las comparecer a algum baile num dos clubes da cidade. Não se esqueçam que a sociedade niteroiense, no final da década de 50 do século passado, era ultraconservadora... Vários desses “bailinhos” foram realizados, cobrando-se uma módica quantia de ingresso e na venda de refrigerantes e de uma ou outra “cuba-libre” ou “hi-fi” escondidos dos donos da casa, angariando-se, assim, alguma renda para o Grêmio comprar material de esporte para os seus atletas. Irapuam chegou até a realizar uma monumental festa junina no pátio do Liceu, com quadrilha e tudo...

Em relação ao basquete, Telúrio, exímio jogador do esporte, reuniu alguns outros praticantes do mesmo espalhados pelos clubes da cidade e formou uma equipe muito boa. Ali jogaram Generoso, Renato Kid, os irmãos Roberto e Geraldo Pimentel, Bizuca, entre outros. Fizeram enorme sucesso na excursão a Cachoeiro do Itapemirim, quando foram campeões invictos.

O voleibol, na década de 50, era pouco praticado entre os brasileiros. Com a cultura machista do futebol, considerado “esporte pra homem”, o vôlei, jogado com as mãos, não tinha tanto prestígio. A nível de clubes era disputado tanto por homens e mulheres, chegando a ser formadas seleções nacionais. Lembro-me apenas de Quaresma, Juarez, Bené, Borboleta e de outros poucos. Não me lembro de nenhuma mulher daquela época integrando a equipe brasileira, apesar de ter lido que a seleção foi campeã sul-americana de 1951...

Mas, entre a garotada adolescente do Liceu, poucos se interessavam pelo esporte. Apenas um ou outro rapaz que o praticava nos clubes da cidade, como o Regatas ou o Canto do Rio ou em competições na praia de Icaraí. Era o caso de João, então cursando o primeiro ano científico.

Entre as meninas, acho que nenhuma jogava vôlei de forma competitiva, nem nos clubes. No máximo, uma roda na praia com outras colegas e alguns rapazes. No Liceu, algumas poucas levavam uma bola para se divertirem jogando a bola para o alto nos intervalos do recreio.

João logo organizou o time de vôlei masculino, que chegou até a um bom grau de competição. Estava tentando, agora, com o time feminino. Tarefa difícil, teria que garimpar uma ou outra que tivesse boa altura, já tivesse alguma noção do esporte e das regras, pudesse ter a autorização dos pais para treinos e jogos.

Foi pedida autorização ao Professor Aldo, o diretor.

Como sempre, a princípio, ele relutou. Devido à insistência dos gremistas, acabou cedendo:

– Mas, só se vocês conseguirem uma professora de Educação Física que acompanhe os treinos. Não vou deixar essas meninas virem para o colégio à tarde sem algum adulto responsável por elas.

Irapuam ainda tentou argumentar:

– Pode deixar, professor Aldo. Nós, os rapazes do Grêmio, tomamos conta delas.

O diretor deve ter pensado intimamente:

“É o mesmo que deixar a raposa tomar conta do galinheiro...”

Retrucou, severo:

– Não senhor. Ou conseguem um adulto ou nada feito.

Foram atrás da professora. Procuraram Da. Natércia, que dava aulas de Educação Física. Expuseram-lhe o problema.

Ela respondeu, depois de meditar um pouco:

– Olha, eu teria muito prazer em ajudar vocês, mas acontece que dou aula às tardes em outros colégios e não poderia estar aqui.

Ficaram procurando uma solução. Telúrio teve a ideia:

– Da. Natércia, se a senhora puder, venha apenas uma vez. Nós convidamos o diretor, ele vem, assiste o treino, conversa com a senhora e depois a gente tenta realizar os outros sem sua presença. Se der certo, tudo bem.

Ela concordou e os treinos começaram.

Logo depois, veio transferido para o Liceu o professor de Educação Física Alber Pessanha, que se tornou amigo do pessoal do Grêmio e, entusiasta por esportes, passou a acompanhar, como “adulto”, todas as atividades da agremiação.

Para as jovens liceístas, aquilo era a glória, uma grande conquista. Elas, que sempre ficaram relegadas a segundo plano nas atividades do colégio, que ali estavam apenas estudando para serem professoras primárias ou donas de casa, agora lhes era permitido participar de forma mais efetiva nas coisas do Liceu.

E, João conseguiu formar a equipe de vôlei feminino, que, se não teve tanto brilho assim, pelo menos representou um marco na conquista das meninas no universo liceísta...



Equipe de vôlei feminino, com os diretores do Grêmio, os professores Álber e Natércia e outros “adultos”.






Time de vôlei masculino do Liceu, com o presidente do Grêmio e o professor Álber Pessanha

Um comentário:

Jorge Sader Filho disse...

Recordações de um muito velho e gostoso tempo.
Abração, Carlinhos!