segunda-feira, agosto 14, 2017

O AMOR À CAMISA.





O AMOR Á CAMISA...

Calfilho









O AMOR À CAMISA...
Calfilho


           Após todos esses anos que acompanho o futebol, quase mais nada me surpreende...
           Peguei uma época em que o futebol brasileiro acabava de perder uma Copa do Mundo, a de 1950 e, dali para frente, vi de perto toda a evolução (será?) do nosso esporte favorito...
          Deixamos o amadorismo de lado no começo dos anos 30 e, mesmo em 1950, o futebol profissional ainda engatinhava... Talvez, a década de 40 tenha sido a transição maior entre as duas categorias, quando craques como Leônidas da Silva deixou o Flamengo para jogar no São Paulo e Ademir Menezes tenha saído do Vasco para ser campeão no Fluminense porque o técnico tricolor (Gentil Cardoso) teria dito: “deem-me o Ademir que serei campeão carioca”... e foi... o campeão carioca de 1946... (só sei disso por leituras e pesquisas, tinha apenas 4 anos de idade)...
         Mas, nessa transição entre o amadorismo e o profissionalismo, ainda na década de 40, talvez um dos maiores exemplos seja o de Heleno de Freitas...
         Só o vi jogar meio tempo de uma partida, a sua última, vestindo a camisa do América, em 1950, no Maracanã, que deveria ter sido o palco destinado a exibir seu belo futebol... Foi expulso, quase no final do primeiro tempo e nunca mais jogou futebol profissionalmente (ou amadoristicamente?)...
         Li muito sobre ele e sua história no Botafogo e no futebol brasileiro...        Maior ídolo do clube na década de 40, talvez tenha encarnado a mais autêntica expressão do amadorismo na defesa das cores do time que defendia... Era botafoguense até a última raiz de cabelo... Mas, como o profissionalismo já avançava no nosso futebol, depois de quase 10 anos defendendo o clube, acabou sendo transferido para o Boca Juniors, da Argentina, numa transação milionária para a época... Rodou por outros clubes da América do Sul, jogou ainda no Vasco e terminou a carreira, de forma melancólica no América... Mas, seu coração sempre foi alvinegro...
         Outro exemplo dessa fase de transição foi Zizinho, um dos maiores craques que o Brasil produziu. Jogou a década de 40 pelo Flamengo, onde se consagrou como ídolo, foi uma das estrelas da seleção brasileira de 1950, e depois transferiu-se para o Bangu, atraído por uma proposta milionária do patrono do clube, Guilherme da Silveira, dono da fábrica de tecidos instalada no bairro.
          Podemos citar ainda Barbosa (Vasco), Ademir (Vasco, com passagem de apenas um ano pelo Fluminense), Osny, Oswaldinho, Ranulfo (América), Castilho, Pinheiro e Telê (Fluminense), Nilton Santos, Octavio, Garrincha, Quarentinha, Manga (Botafogo), Jadir, Dequinha, Jordan, Pavão (Flamengo), até Jairinho e Zequinha (do meu Canto do Rio), jogadores que ficaram dez anos ou mais no mesmo clube, alguns defendendo apenas um deles (como Nilton Santos e alguns poucos outros). Foram jogadores bastante identificados com seus clubes, que realmente tinham amor à camisa que defendiam, mesmo que, em fim de carreira tenham trocado de equipe por questões financeiras.
         O profissionalismo no futebol brasileiro só realmente ficou consolidado no meio da década de 50 do século passado. A extraordinária qualidade do jogador brasileiro, já notada pelos europeus desde a década de 30, principalmente na Copa do Mundo de 1938, foi definitivamente reconhecida nas décadas seguintes. Depois do precursor Yeso Amalfi ter ido jogar na França, no início dos anos 50, alguns poucos outros seguiram seu caminho. Do Botafogo, saíram Dino da Costa e Vinicius, creio que em 1955, para times italianos. Para a Fiorentina, foi vendido o extraordinário Julio Botelho, o Julinho da Portuguesa e Palmeiras, ponta-direita da seleção brasileira de 1954, e que só não jogou a de 1958 porque, eticamente, abriu mão da convocação por estar jogando no exterior (ainda bem, porque se jogasse, talvez o mundo não conhecesse o gênio de Garrincha).
          Mas, a exportação de nossos jogadores ainda era tímida, quase não existia. Um ou outro se arriscava à aventura no exterior. Outros preferiam ficar por aqui, com receio da barreira da língua, dos costumes e, principalmente, da comida de outros países.
          O jogador de futebol no Brasil é, na grande maioria, proveniente das classes mais humildes da população. Têm pouca instrução, talvez grande parte deles não tenha completado o curso primário. Por isso, sentem receio de partir para terras estranhas, até mesmo para cidades maiores do próprio Brasil.
          Mas, a partir dos anos 60, foi aumentando a exportação de jogadores para o exterior, principalmente para Itália, Espanha e Portugal, onde os salários eram maiores e normalmente pagos em dia, sem atrasos.
         Assim se foram Amarildo (para a Itália), Didi (para o Real Madrid), Jair da Costa (para a Itália), Dino Sani e Orlando Peçanha (para o Boca Juniors), Paulinho Valentim (também para o Boca), Canário (do América para o Real Madrid), entre vários outros.
        Muitos dos nossos grandes craques ainda resistiam em sair, outros, atraídos pelas verdadeiras fortunas que lhes eram oferecidas, partiram.
         E o amor à camisa do clube que o formou ou que o projetou foi-se diluindo aos poucos. Já não tínhamos mais jogadores com 10 anos de clube, como há pouco tempo atrás. Com 5 ou 6 anos de permanência numa equipe, aceitavam logo uma transferência que lhes proporcionasse um melhor salário e a construção de um futuro mais próspero para si e sua família
          Veio, então, a lei Pelé. Acabando praticamente com o passe, que era a quantia paga por um clube a outro quando um jogador se transferia, abriu as portas para a proliferação da figura do empresário em nosso futebol.
           É certo que esse personagem já existia na década de 50, talvez até na de 40, não tenho certeza. Eram famosos o português José da Gama e o argentino Juan Figger. Mas, eram eles apenas meros intermediários entre transações de venda de jogadores de um clube para outro. Conseguiam o interessado e, efetuada a transação, recebiam uma pequena comissão por isso.
       Mas, depois da Lei Pelé, o sistema de transações de atletas entre os clubes deteriorou-se por completo. Os empresários tomaram conta do mercado e, em vez de serem apenas intermediários das transações, passaram a ser os “donos” da carreira dos jogadores.
       E aí, o amor à camisa, o último resquício de amadorismo que ainda pudesse existir em nosso futebol, desapareceu por completo.
        O menino, ainda com 12 ou 13 anos de idade, começando num clube qualquer do Brasil, se tem realmente talento, é logo cobiçado por algum empresário, que procura sua família (geralmente pobre e passando necessidades), oferecem-lhe algum dinheiro, fazem com que assinem um contrato praticamente “vendendo” o futuro da jovem promessa ao espertalhão negociante. Acabou-se com o passe, que era realmente um meio de semi-escravidão do atleta ao clube que detinha seus direitos, mas apenas transferiu a propriedade sobre esses mesmos direitos ao esperto empresário.
         Por isso, jovens com menos de 18 anos são colocados em clubes de pouca ou nenhuma projeção na Europa e lá são ensinados como joga o europeu, sem a criatividade e o improviso do jogador brasileiro, suas marcas e características principais e que o fizeram famoso no mundo inteiro.
          Daí porque sobreveio o fracasso da seleção brasileira nas últimas competições internacionais. Nossa equipe é formada, praticamente na totalidade, por jogadores que praticam o futebol que lhes foi ensinado a jogar na Europa e onde têm o seu dia a dia, as suas competições nos clubes que defendem. Acredito até que, muitos deles, nem mais tenham amor pela camisa da seleção brasileira (não adianta lançarem arroubos de patriotismo), muito menos em relação aos clubes onde foram formados.
          Poucos, do final dos anos 60 em diante, mantiveram o amor à camisa do clube que os formou. Talvez Zico e Junior (Flamengo), seu irmão Edu (América), Afonsinho e Jairzinho ( Botafogo), Pelé, Zito e Pepe (Santos) que, mesmo tendo alguns passado por outros clubes, mantiveram-se fiéis, pelo menos no coração, aos clubes que lhes abriu as portas para o sucesso.
         A grande maioria troca de camisa de clube como troca de roupa todo dia. Sem amor, sem emoção... só visam o proveito que a curta carreira de jogador lhes oferece...
        Pior é que, talvez inconsciente ou, que sabe, até cinicamente, beijam com fervor o escudo do novo clube no momento de sua apresentação à nova torcida...

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