O AMOR Á CAMISA...
Calfilho
O
AMOR À CAMISA...
Calfilho
Após todos esses anos que acompanho
o futebol, quase mais nada me surpreende...
Peguei uma época em que o futebol
brasileiro acabava de perder uma Copa do Mundo, a de 1950 e, dali para frente,
vi de perto toda a evolução (será?) do nosso esporte favorito...
Deixamos o amadorismo de lado no
começo dos anos 30 e, mesmo em 1950, o futebol profissional ainda
engatinhava... Talvez, a década de 40 tenha sido a transição maior entre as
duas categorias, quando craques como Leônidas da Silva deixou o Flamengo para
jogar no São Paulo e Ademir Menezes tenha saído do Vasco para ser campeão no
Fluminense porque o técnico tricolor (Gentil Cardoso) teria dito: “deem-me o
Ademir que serei campeão carioca”... e foi... o campeão carioca de 1946... (só
sei disso por leituras e pesquisas, tinha apenas 4 anos de idade)...
Mas, nessa transição entre o
amadorismo e o profissionalismo, ainda na década de 40, talvez um dos maiores exemplos
seja o de Heleno de Freitas...
Só o vi jogar meio tempo de uma
partida, a sua última, vestindo a camisa do América, em 1950, no Maracanã, que
deveria ter sido o palco destinado a exibir seu belo futebol... Foi expulso,
quase no final do primeiro tempo e nunca mais jogou futebol profissionalmente
(ou amadoristicamente?)...
Li muito sobre ele e sua história no
Botafogo e no futebol brasileiro... Maior ídolo do clube na década de 40,
talvez tenha encarnado a mais autêntica expressão do amadorismo na defesa das
cores do time que defendia... Era botafoguense até a última raiz de cabelo... Mas,
como o profissionalismo já avançava no nosso futebol, depois de quase 10 anos
defendendo o clube, acabou sendo transferido para o Boca Juniors, da Argentina,
numa transação milionária para a época... Rodou por outros clubes da América do
Sul, jogou ainda no Vasco e terminou a carreira, de forma melancólica no
América... Mas, seu coração sempre foi alvinegro...
Outro exemplo dessa fase de transição
foi Zizinho, um dos maiores craques que o Brasil produziu. Jogou a década de 40
pelo Flamengo, onde se consagrou como ídolo, foi uma das estrelas da seleção
brasileira de 1950, e depois transferiu-se para o Bangu, atraído por uma
proposta milionária do patrono do clube, Guilherme da Silveira, dono da fábrica
de tecidos instalada no bairro.
Podemos citar ainda Barbosa (Vasco),
Ademir (Vasco, com passagem de apenas um ano pelo Fluminense), Osny,
Oswaldinho, Ranulfo (América), Castilho, Pinheiro e Telê (Fluminense), Nilton
Santos, Octavio, Garrincha, Quarentinha, Manga (Botafogo), Jadir, Dequinha,
Jordan, Pavão (Flamengo), até Jairinho e Zequinha (do meu Canto do Rio), jogadores
que ficaram dez anos ou mais no mesmo clube, alguns defendendo apenas um deles
(como Nilton Santos e alguns poucos outros). Foram jogadores bastante identificados
com seus clubes, que realmente tinham amor à camisa que defendiam, mesmo que,
em fim de carreira tenham trocado de equipe por questões financeiras.
O profissionalismo no futebol
brasileiro só realmente ficou consolidado no meio da década de 50 do século
passado. A extraordinária qualidade do jogador brasileiro, já notada pelos
europeus desde a década de 30, principalmente na Copa do Mundo de 1938, foi
definitivamente reconhecida nas décadas seguintes. Depois do precursor Yeso
Amalfi ter ido jogar na França, no início dos anos 50, alguns poucos outros
seguiram seu caminho. Do Botafogo, saíram Dino da Costa e Vinicius, creio que
em 1955, para times italianos. Para a Fiorentina, foi vendido o extraordinário
Julio Botelho, o Julinho da Portuguesa e Palmeiras, ponta-direita da seleção brasileira
de 1954, e que só não jogou a de 1958 porque, eticamente, abriu mão da
convocação por estar jogando no exterior (ainda bem, porque se jogasse, talvez
o mundo não conhecesse o gênio de Garrincha).
Mas, a exportação de nossos jogadores
ainda era tímida, quase não existia. Um ou outro se arriscava à aventura no
exterior. Outros preferiam ficar por aqui, com receio da barreira da língua,
dos costumes e, principalmente, da comida de outros países.
O jogador de futebol no Brasil é, na
grande maioria, proveniente das classes mais humildes da população. Têm pouca
instrução, talvez grande parte deles não tenha completado o curso primário. Por
isso, sentem receio de partir para terras estranhas, até mesmo para cidades
maiores do próprio Brasil.
Mas, a partir dos anos 60, foi
aumentando a exportação de jogadores para o exterior, principalmente para
Itália, Espanha e Portugal, onde os salários eram maiores e normalmente pagos
em dia, sem atrasos.
Assim se foram Amarildo (para a
Itália), Didi (para o Real Madrid), Jair da Costa (para a Itália), Dino Sani e
Orlando Peçanha (para o Boca Juniors), Paulinho Valentim (também para o Boca),
Canário (do América para o Real Madrid), entre vários outros.
Muitos dos nossos grandes craques ainda
resistiam em sair, outros, atraídos pelas verdadeiras fortunas que lhes eram
oferecidas, partiram.
E o amor à camisa do clube que o
formou ou que o projetou foi-se diluindo aos poucos. Já não tínhamos mais
jogadores com 10 anos de clube, como há pouco tempo atrás. Com 5 ou 6 anos de
permanência numa equipe, aceitavam logo uma transferência que lhes
proporcionasse um melhor salário e a construção de um futuro mais próspero para
si e sua família
Veio, então, a lei Pelé. Acabando
praticamente com o passe, que era a quantia paga por um clube a outro quando um
jogador se transferia, abriu as portas para a proliferação da figura do
empresário em nosso futebol.
É certo que esse personagem já
existia na década de 50, talvez até na de 40, não tenho certeza. Eram famosos o
português José da Gama e o argentino Juan Figger. Mas, eram eles apenas meros
intermediários entre transações de venda de jogadores de um clube para outro.
Conseguiam o interessado e, efetuada a transação, recebiam uma pequena comissão
por isso.
Mas, depois da Lei Pelé, o sistema de
transações de atletas entre os clubes deteriorou-se por completo. Os
empresários tomaram conta do mercado e, em vez de serem apenas intermediários
das transações, passaram a ser os “donos” da carreira dos jogadores.
E aí, o amor à camisa, o último
resquício de amadorismo que ainda pudesse existir em nosso futebol, desapareceu
por completo.
O menino, ainda com 12 ou 13 anos de
idade, começando num clube qualquer do Brasil, se tem realmente talento, é logo
cobiçado por algum empresário, que procura sua família (geralmente pobre e
passando necessidades), oferecem-lhe algum dinheiro, fazem com que assinem um
contrato praticamente “vendendo” o futuro da jovem promessa ao espertalhão negociante.
Acabou-se com o passe, que era realmente um meio de semi-escravidão do atleta
ao clube que detinha seus direitos, mas apenas transferiu a propriedade sobre
esses mesmos direitos ao esperto empresário.
Por isso, jovens com menos de 18 anos
são colocados em clubes de pouca ou nenhuma projeção na Europa e lá são
ensinados como joga o europeu, sem a criatividade e o improviso do jogador
brasileiro, suas marcas e características principais e que o fizeram famoso no
mundo inteiro.
Daí porque sobreveio o fracasso da
seleção brasileira nas últimas competições internacionais. Nossa equipe é
formada, praticamente na totalidade, por jogadores que praticam o futebol que
lhes foi ensinado a jogar na Europa e onde têm o seu dia a dia, as suas
competições nos clubes que defendem. Acredito até que, muitos deles, nem mais
tenham amor pela camisa da seleção brasileira (não adianta lançarem arroubos de
patriotismo), muito menos em relação aos clubes onde foram formados.
Poucos, do final dos anos 60 em
diante, mantiveram o amor à camisa do clube que os formou. Talvez Zico e Junior
(Flamengo), seu irmão Edu (América), Afonsinho e Jairzinho ( Botafogo), Pelé, Zito
e Pepe (Santos) que, mesmo tendo alguns passado por outros clubes,
mantiveram-se fiéis, pelo menos no coração, aos clubes que lhes abriu as portas
para o sucesso.
A grande maioria troca de camisa de
clube como troca de roupa todo dia. Sem amor, sem emoção... só visam o proveito
que a curta carreira de jogador lhes oferece...
Pior é que, talvez inconsciente ou, que
sabe, até cinicamente, beijam com fervor o escudo do novo clube no momento de
sua apresentação à nova torcida...
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