NOEL, O GÊNIO, MAIOR DE TODOS...
Calfilho
NOEL,
O GÊNIO, MAIOR DE TODOS...
Calfilho
Já ouvi alguém dizer que em futebol
e música é perda de tempo discutir... cada um tem sua opinião, dela não abre
mão e, por mais que discutam, que debatam, não vão chegar a nenhuma conclusão..
cada um continuará torcendo por seu time preferido e permanecerá fiel ao estilo musical que elegeu como o seu
predileto...
Não vou entrar nessa discussão... No
futebol, sou Botafogo, mesmo que xingue o time em suas más atuações ou o elogie quando joga bem...
Em matéria musical, permito-me fazer
algumas observações...
Nunca fui fanático por música, seja
ela qual for... admiro, mas não me empolgo com a música clássica... conheço
muito pouca coisa de Mozart, Chopin, Bethoven, Strauss ou outros gênios desse
ramo musical...
Quando criança, às vezes ouvia sem
entender direito, meu pai cantarolar “O orvalho vem caindo, vem molhar o
chapéu...”, ou minha mãe cantar uma música ou outra de sua cantora preferida,
Carmem Miranda... Explica-se: ela, ainda solteira, fazia parte de um coro
musical que acompanhava a cantora portuguesa e outros astros musicais da época
(década de 30) nos famosos programas radiofônicos da Radio Nacional... Aliás, foi
no intervalo de um desses programas que ela conheceu meu pai, que ali fora até por
acaso...
No início da década de 50 do século
passado, passei a frequentar os cinemas de Niterói (Rink, Imperial, Odeon,
Eden) e neles assisti alguns filmes brasileiros, as antigas “chanchadas”,
sempre lançadas na época do Carnaval, onde eram cantadas várias marchinhas.
Lembro-me bem de “Ai, ai, brotinho (Francisco Carlos),”Não quero broto, não
quero, não quero, não” (acho que Jorge Goulart), “Sassaricando” (Virginia Lane),
“Tomara que chova” (Emilinha Borba), além de alguns sambas que ficaram famosos,
como “Lata d’água na cabeça” (Marlene), “Minha embaixada chegou”. Coloquei
apenas o início da letra das composições, pois nem me lembro do nome real das
mesmas.
Comecei também a ouvir alguns
programas de rádio e assistir outros na iniciante televisão brasileira, a TV-Tupi...
Havia o Circo do Carequinha, o Clube do Guri... Nesse último, abrindo o
programa, cantava uma jovem de pouco menos de 20 anos de idade... Marisa...
Morena muito bonitinha, olhos verdes muito penetrantes, voz melodiosa e
afinada... Foi uma das primeiras paixões do menino com dez anos de idade...
Muito tempo depois, mais de trinta anos, conheci-a pessoalmente cantando numa
cervejaria de Copacabana, a Bierklause.. Bem mais rechonchuda, os olhos já um
pouco cansados, mas a voz clara e nítida como a ouvira cantar pela primeira
vez... agora era “Marisa, a gata
mansa”... Conversamos um pouco entre duas de suas músicas e relembrei-lhe a
música com que ela abria o programa na TV-Tupi:
“O
que é, o que é?
“Adivinhe,
meu amor,
“Trabalha,
como um relógio,
“Não
tem corda, nem motor
“Marca
as horas de ventura
“Marca
as horas de amargor
“Não
há dinheiro que pague
“Nem
se bota no penhor”...
Ela olhou-me surpresa, olhar
nostálgico, um pouco triste, como se lembrasse de um tempo que não mais poderia
voltar.
Comentou, com aquela voz de menina,
quase infantil, que usava quando falava, bem diferente daquela outra possante e
vigorosa que utilizava ao cantar:
- Mas, como você lembra disso? Faz
tanto tempo...
A década de 50, no Brasil, em
especial no Rio de Janeiro, foi a época do samba canção, o auge de Dick Farney,
Lucio Alves, Tito Madi, Maysa, Dolores Duran, Elizeth Cardoso, Dóris Monteiro,
Nelson Gonçalves e tantos outros... Com a morte de Francisco Alves, em 1953,
encerrava-se um estilo musical, o de cantores de voz possante, tipo tenor de
ópera, o cantor de serenatas, como o próprio Chico Alves, Vicente Celestino,
mesmo Carlos Galhardo, Gilberto Alves, Sílvio Caldas... Nessa década, a de 50, prevalecia
a música “dor de cotovelo”, música de fossa, cantada baixinho, ao pé do ouvido,
num canto de bar, junto a um piano...
A juventude brasileira, nessa década,
foi muito influenciada pela música americana da época, principalmente o novo
ritmo, alucinante, que surgiu lá por 1953, com Bill Halley e seus cometas: o
rockn’roll. Foi a década de Elvis Presley, Little Richards, Neil Sedaka. Mas,
também ouvíamos muitas canções românticas americanas, cantadas por Frank
Sinatra, Nat King Cole, The Platters...
Confesso que nunca fiquei empolgado
com nenhuma delas, nem as brasileiras, nem as americanas. Ouvia muito todas
elas, até dançava várias, pois eram os discos que tínhamos na época e que
tocavam em nossas festinhas, em nossos bailinhos em casas de colegas... Mas,
também, acompanhando meu amigo Campista, fanático por escolas de samba, subi
alguns morros de Niterói, para assistir uma sessão de partido alto, tocar
frigideira ou tamborim... Os desfiles das escolas nos Carnavais do Rio e
Niterói me atraíam muito... Assisti vários deles ao vivo da janela do meu
apartamento na Amaral Peixoto, ou pela televisão...
No final dessa década, início da de
60, surge a bossa nova.
Veio com “Chega de saudade”,
interpretada por João Gilberto e, como um furacão, o ritmo tomou conta do país.
“Garota de Ipanema”, “Desafinado”, “Insensatez” eram tocadas nas rádios e na
televisão, dia e noite. Em Copacabana, havia uma pequena travessa, que começa
na Rua Duvivier e não tem saída para outra rua, depois chamada de “Beco das
Garrafas”, onde pontificavam dois pequenos “inferninhos”, chamados “Bottles” e
“Little Club”, onde cantavam e tocavam Sérgio Mendes, Tamba Trio, Nara Leão,
Elis Regina, Wilson Simonal e tantos outros... Cheguei a conhecer os dois...
Também não fiquei empolgado com o novo
ritmo musical, apesar de inovador e muito bonito. Os ruidosos e espetaculosos “Festivais
da Canção” realizados no Maracanãzinho, talvez tivessem atrapalhado um pouco o
desenvolvimento da bossa nova. Com ela rivalizaram, lançando músicas totalmente
desconhecidas, com letras difíceis de entender, com a melodia parecida mas não
sendo a mesma do movimento original.
Mas, a bossa nova firmou-se como gênero
musical do Brasil, ganhando fama internacional, em especial com um álbum
lançado nos Estados Unidos, cujo título é “Stan Getzz e João Gilberto”, onde os
dois interpretam várias músicas do movimento, algumas delas cantadas pela então
mulher de João, Astrud Gilberto.
Também a apresentação conjunta de Frank
Sinatra e Antonio Carlos Jobim, cantando “Garota de Ipanema” em dueto, no
programa do americano na televisão, ajudou e muito a divulgar o novo ritmo
musical.
x.x.x.x.x
Na verdade, não me recordo a data
exata em que fui apresentado a Noel Rosa. Apresentação musical, é claro, pois o
compositor havia falecido ainda na década de 30, cinco anos antes do meu
nascimento. Ouvira antes, quando tinha oito, nove anos, meu pai cantarolar “o
orvalho vem caindo”, mas não tinha a mínima ideia de quem era o compositor da
mesma. Talvez tenha ouvido também o “Com que roupa?” ter sido cantado em algum
baile de Carnaval do Canto do Rio. Também desconhecia o autor.
Já ouvira falar por alto em Aracy de
Almeida, cantora que teria feito grande sucesso na década de 30 como intérprete
de Noel, mas que passara praticamente em branco a década de 40 e que agora, no
final dos anos 50, tentava fazer um show para relembrar a obra do compositor de
Vila Isabel. Não vi esse show, não sei se fez ou não sucesso.
Aracy, entretanto, começou a
participar de um programa de televisão, aos domingos, onde era jurada. Dava sua
opinião sobre os candidatos a cantor ou cantora, com muita irreverência e bom
humor. Às vezes, instada pelo apresentador e dono da emissora, o ex-camelô
Sílvio Santos, contava um caso pitoresco vivido na companhia de Noel e até cantava
uma ou outra sua composição.
Comecei a prestar atenção na letra
e na música dessas composições. Perfeitas, melodia impecável, impregnada do
samba de breque tocado nos morros cariocas, letras muito bem feitas, algumas
irônicas e debochadas, outras sentimentais e plenas de carinho humano.
Procurei aprofundar-me mais um pouco
na obra noelina. Na década de 70 (sem ter certeza) assisti a um excelente
programa na antiga TV-Educativa, dedicado inteiramente a Noel, onde o conjunto
Coisas Nossas, fundado pelo cantor, violonista e compositor Carlos Didier, o Caola,
apresenta vários artistas da época de Noel, contando casos vividos com o
compositor e cantando algumas de suas melodias. Ali estiveram Aracy de Almeida
e Marília Baptista, tidas como as duas principais intérpretes do compositor da
Vila... dizem até que havia uma certa rivalidade entre elas, mas isso não ficou
plenamente demonstrado... diziam que Noel até preferia Marília, que era mais
instruída, mais elitizada... já Aracy seria quem realmente fazia sucesso com
suas músicas, por sua forma espontânea, direta e falando a língua do povo ao se
expressar... Esse programa foi sucesso absoluto e é um clássico para quem
deseja conhecer a obra de Noel...
Posteriormente,
em 1990, o mesmo Caola e João Máximo, crítico musical, publicaram um livro
contando a biografia de Noel. Livro imperdível, infelizmente esgotado e sem
possibilidade de uma nova edição.
Foi, então, que comecei a conhecer
realmente o “Poeta da Vila”.
Nascido em 11 de dezembro de 1910, parto
difícil, teve que ser arrancado a fórceps do ventre de Dª. Marta, sua mãe, na
casa da rua Teodoro da Silva, nº. 130 (hoje 192), em Vila Isabel. Dessa
dificuldade do parto adveio-lhe a fratura do queixo e a deformidade que o
perseguiu durante toda sua vida.
Estudou no Colégio São Bento, ali nas
imediações da Praça Mauá. Começou a cursar medicina, mas abandonou os estudos
por sua paixão pela música e pela boemia carioca. Suas primeiras músicas foram “Minha
Viola” e “Festa no Céu”, lançadas em 1929, quando ele fazia parte do Bando dos
Tangarás, que também tinha como intérpretes João de Barro (o Braguinha),
Almirante e Henrique de Britto. Mas seu primeiro grande sucesso foi “Com que
roupa?”, lançada no Carnaval de 1930. Daí para a frente foi uma produção
frenética de muitas músicas, algumas composições somente suas, outras em
parceria com compositores da época, como Orestes Barbosa e, principalmente, Vadico...
Famosa ficou sua polêmica musical
com Wilson Batista, que rendeu bons sambas dos dois (claro, os de Noel são
evidentemente melhores, apesar da qualidade daqueles de Wilson).
Noel, numa época onde a gravação de
discos engatinhava, onde não havia computador, conseguiu produzir mais de 300
músicas, a maioria escrita com lápis em pedaços de papel de botequim, para não
esquecê-las depois. Foi muito mais letrista que musicista, apesar de que
algumas de suas melodias são deslumbrantes.
Conheci pessoalmente Roberto Martins,
um ex-policial da antiga Polícia de Vigilância do Distrito Federal, a PV, também
compositor de mão cheia (autor de “Renúncia”, “Cai, Cai”, entre outras) e que
me contava passagens maravilhosas do seu convívio com Noel.
Nunca esquecendo que Noel, mesmo sendo
oriundo da classe média carioca, tinha especial prazer em subir os morros da
cidade, tendo sido amigo íntimo de Cartola e Ismael Silva.
Não vou relembrar as músicas de Noel: a
grande maioria delas são excelentes, me emocionam e me fazem lembrar uma época
que não volta mais... Mas, para quem se interessar, existe no comércio uma
caixa com vários CDs de músicas dele, abrangendo praticamente toda sua obra...
Mas, não posso deixar de mencionar: “Feitiço
da Vila”, “Meu último desejo”, “Filosofia”, “O X do problema”, “Mulato bamba”,
“Prazer em conhecê-lo”, “A dama do Cabaré”, “Pela décima vez”, “Espera mais um ano”, algumas
entre as muitas que me vêm à cabeça nesse momento.
Imaginem o que esse homem poderia ter
feito se tivesse vivido mais dez, vinte anos. Morreu em 4 de maio de 1937, com
26 anos e deixou essa obra toda para nosso deleite...
Gênio...
Gênio... outro daqueles poucos que Deus coloca na Terra e joga a fórmula
fora... O outro, no futebol, para mim, foi Garrincha...
Observação: Fiz algumas pequenas correções no texto original seguindo orientação do excelente Carlos Didier, o Caola, que me muito me auxiliou na leitura e exame deste texto.
Observação: Fiz algumas pequenas correções no texto original seguindo orientação do excelente Carlos Didier, o Caola, que me muito me auxiliou na leitura e exame deste texto.