TÉCNICOS E "PROFESSORES"...
Calfilho
Passei a acompanhar futebol a partir de 1950, tendo escutado pelo rádio o Brasil perder a Copa do Mundo para o Uruguai, em pleno Maracanã.
Daí em diante, ou pelo rádio, ou pela televisão que então engatinhava, e mesmo levado por meu pai ao Maracanã, passei a ser um fanático torcedor do esporte. Ao mesmo tempo, no corredor do edifício em que morava na Amaral Peixoto e, depois, na rua Nilo Peçanha, no Ingá, onde residi por alguns anos, comecei a dar meus primeiros chutes na bola. Pratiquei o esporte no meu clube de infância, o Canto do Rio, nas praias das Flechas e Icaraí, no meu colégio, o Liceu Nilo Peçanha, na faculdade de Direito, no Banco do Brasil, em quase todos os campinhos de Niterói, tendo encerrado a "carreira" no "Data Venia", do Rio de Janeiro...
O futebol me encantava. Em 1950, depois da grande choradeira nacional, após a derrota na Copa do Mundo, voltamos ao nosso dia a dia: campeonato carioca, Rio São Paulo; em 1951, o Sul Americano... No Rio, o Vasco era o grande time, o consagrado "Expresso da Vitória", um timaço, base da seleção brasileira que acabara de perder a Copa do Mundo para o Uruguai. Seu técnico era o temido Flávio Costa, vulgo "Alicate" quando jogou futebol. Presunçoso, arrogante, considerava-se uma sumidade como treinador de futebol. Talvez essa autossuficiência excessiva tenha sido a maior responsável para a derrota na final para os uruguaios... Achava que foi ele quem introduziu o WM no futebol brasileiro, tática inglesa de distribuição de jogadores em campo de jogo... Os mais antigos devem lembrar: dois jogadores na defesa (os "backs"); três no meio de campo ( os "halfs'); cinco no ataque (os dianteiros ou "forwards"). Barbosa, Augusto e Juvenal; Eli, Danilo e Bigode; Friaça, Ademir, Zizinho, Jair e Chico. Sinceramente, apesar de meus oito anos de idade na época, não entendia como um time que tinha Zizinho, Ademir, Jair e Danilo, precisava de algum técnico para lhes ensinar como jogar futebol... A comemoração antecipada do título, aliada à empáfia e arrogância do treinador, embrião dos futuros "professores", para mim, foi a principal causa da perda do título... Bastava o empate... Jogo no Maracanã, torcida de 200 mil espectadores ... e, tudo por água abaixo...
O Vasco, disparado, foi o campeão de 1950.
Mas, em 1951, outro técnico, rival do todo poderoso Flávio Costa, surge no cenário do futebol carioca: Zezé Moreira. Elegantemente trajado, sempre usando paletó e gravata fora de campo (já prenunciando o que aconteceria no futuro dentro de campo), se disse o inventor da "marcação por zona" e, com ela, foi o campeão carioca de 1951, dirigindo o Fluminense.
O Botafogo tinha o folclórico Gentil Cardoso como técnico, bem mais humilde que os dois outros, mas autor de frases mirabolantes para explicar como se jogava futebol. Uma delas: "A bola é feita de couro; o couro vem da vaca; a vaca vive na grama, por isso a bola também deve rolar na grama". Assim, exigia ele de seus jogadores que fizessem a bola rolar no gramado, em vez de darem chutões para o alto. Imagino a cara de espanto que deve ter feito um tal de Manuel Francisco dos Santos quando chegou ao Botafogo em 1953 e deve ter ouvido essas instruções. Isso depois de ter sido considerado como sendo um "aleijado" pelo mesmo treinador, só porque tinha as pernas tortas...
O Flamengo, que não ganhava um campeonato carioca há vários anos, contrata o paraguaio Fleitas Solich, e é tricampeão em 1953, 1954 e 1955. A escalação dos times ainda obedecia ao esquema de 1950: dois, três, cinco. Garcia, Tomires e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Rubens, Índio, Benitez e Evaristo. Nesse time do tricampeonato ainda jogaram Esquerdinha, Zagallo, Dida e Babá.
Solich era pessoa simples, não gostava de inventar, não tinha ar professoral. Por isso, talvez tenha feito tanto sucesso...
Em 1957, enfim, o tão sonhado título do Botafogo, tendo como técnico improvisado o jornalista João Saldanha. Este, botafoguense doente, conseguiu extrair de seus jogadores um rendimento extraordinário, levando-os à conquista do título na memorável final contra o Fluminense, derrotado por 6 a 2, com exibições de gala de Garrincha, Didi, Nílton Santos, Paulinho Valentim e Quarentinha, entre outros. Todos sob a direção de Saldanha, com simplicidade, sem invenções...
Os grandes nomes de treinadores do passado, principalmente Flavio Costa e Zezé Moreira, depois de derrotados nas Copas de 50 e 54 à frente da seleção brasileira, perderam a credibilidade. Chegou 1958, outro ano de Copa do Mundo. Sem grandes nomes no cenário de treinadores, foi escolhido um funcionário do São Paulo para ser o técnico da seleção, por indicação do então presidente da antiga CBD: Paulo Machado de Carvalho.
E, contrariando todas as expectativas, dirigindo uma seleção que saiu do Brasil completamente desacreditada, fomos campeões do mundo na Suécia. Apesar de Feola passar quase todos os jogos sonolento à beira do gramado e só ter escalado Garrincha e Pelé no terceiro jogo, contra a Rússia, por insistência de Nílton Santos e Didi. Já jogávamos naquela época no 4-2-4 e, com Zagallo de ponta esquerda, adotamos definitivamente o 4-3-3.
São Paulo já tinha alguns treinadores reconhecidos nacionalmente, como Osvaldo Brandão, Lula e Bela Gutman, mas acabaram escolhendo Feola como treinador da seleção.
Em 1962, Brasil bicampeão mundial, sob o comando de Aymoré Moreira, irmão de Zezé Moreira e até então treinador sem muita expressão no mundo do futebol. Discreto, depois da contusão de Pelé, no início da Copa e que o impediu de jogá-la, só teve o trabalho de colocar Amarildo em seu lugar e deixar com Garrincha a responsabilidade de levar a equipe ao bicampeonato.
Achando que tudo estava certo e que não precisava nada mudar, a CBD (ou já era a CBF?), chamou de volta o sonolento Feola e entregou-lhe outra vez o comando da seleção. Bagunça total, 42 jogadores convocados, sem direção, autoconfiança, deu no que deu: Brasil eliminado no início da Copa de 66.
Mais quatro anos se passaram e antes da Copa de 1970 não sabíamos que equipe iria jogar no México. Não tínhamos técnico e a desorganização era total.
Novamente foi chamado o jornalista João Saldanha para acertar as coisas. Com seu jeito franco e autêntico de agir, colocou para jogar os melhores em cada posição, que ficaram conhecidos como "as feras do Saldanha". Nada de táticas extravagantes, nada de pranchetas, nada de esquemas complicados: deixava livres os melhores para que eles criassem e exibissem a verdadeira escola brasileira de futebol.
O Brasil superou seus adversários nas eliminatórias, reagindo à uma situação delicada em que se encontrava na classificação. Mas, Saldanha, comunista confesso e sem papas na língua, desagradou aos militares que então governavam o país. Acabou deixando o comando da seleção, sendo substituído por Zagallo, que iniciara há pouco tempo a carreira de treinador e obtivera relativo sucesso levando o Botafogo ao bicampeonato carioca de 68/69.
Aí tem início, talvez até de forma inconsciente, a era dos "professores", nova denominação dada aos técnicos de futebol, apesar de Flavio Costa já ter ensaiado em adotá-la, lá atrás na década de 50.
Zagallo acabou aceitando que alguns dos preparadores físicos, coordenadores, observadores, auxiliares técnicos e outros membros da delegação brasileira fossem militares indicados por aqueles que governavam o Brasil. E aí surgiram os Coutinhos, os Parreiras e outros menos badalados que passaram a se autointitular "professores", que criaram uma tal de "comissão técnica", onde todas as decisões sobre escalação, treinamentos, esquemas táticos, substituições, convocações, eram tomadas em conjunto, nunca mais fruto da vontade apenas de um só. Daí porque se explica a convocação de Dario "Peito de Aço" para a seleção que foi ao México... Estranho, não?
Ainda bem que a novidade da "Comissão Técnica" não interferiu na qualidade dos jogadores que nos representaram e fomos tricampeões do mundo.
Depois, os anos seguintes nos brindaram com uma enxurrada de "professores", todos de prancheta na mão à beira do campo, saltitando e correndo na área técnica, esbravejando, "peitando" juízes e bandeirinhas, trocando de clubes como quem troca de camisa e achando sempre que eles é que são os verdadeiros donos dos segredos do futebol... como se os jogadores, os verdadeiros donos do espetáculo, realmente estivessem entendendo o que eles pretensamente tentam "ensinar-lhes" com os rabiscos que, nervosamente fazem nas pranchetas... Assim surgiram os Luxemburgos, Scolaris, Lazarones, Muricis, Mano Menezes, Dorival Junior, Cuca, Abel, Tite... até o Dunga virou "mestre"... Ganhando verdadeiras fortunas para transmitirem seus preciosos conhecimentos...
Qualquer dia vão reivindicar que seja criado o "Dia do professor de futebol"...
Daí em diante, ou pelo rádio, ou pela televisão que então engatinhava, e mesmo levado por meu pai ao Maracanã, passei a ser um fanático torcedor do esporte. Ao mesmo tempo, no corredor do edifício em que morava na Amaral Peixoto e, depois, na rua Nilo Peçanha, no Ingá, onde residi por alguns anos, comecei a dar meus primeiros chutes na bola. Pratiquei o esporte no meu clube de infância, o Canto do Rio, nas praias das Flechas e Icaraí, no meu colégio, o Liceu Nilo Peçanha, na faculdade de Direito, no Banco do Brasil, em quase todos os campinhos de Niterói, tendo encerrado a "carreira" no "Data Venia", do Rio de Janeiro...
O futebol me encantava. Em 1950, depois da grande choradeira nacional, após a derrota na Copa do Mundo, voltamos ao nosso dia a dia: campeonato carioca, Rio São Paulo; em 1951, o Sul Americano... No Rio, o Vasco era o grande time, o consagrado "Expresso da Vitória", um timaço, base da seleção brasileira que acabara de perder a Copa do Mundo para o Uruguai. Seu técnico era o temido Flávio Costa, vulgo "Alicate" quando jogou futebol. Presunçoso, arrogante, considerava-se uma sumidade como treinador de futebol. Talvez essa autossuficiência excessiva tenha sido a maior responsável para a derrota na final para os uruguaios... Achava que foi ele quem introduziu o WM no futebol brasileiro, tática inglesa de distribuição de jogadores em campo de jogo... Os mais antigos devem lembrar: dois jogadores na defesa (os "backs"); três no meio de campo ( os "halfs'); cinco no ataque (os dianteiros ou "forwards"). Barbosa, Augusto e Juvenal; Eli, Danilo e Bigode; Friaça, Ademir, Zizinho, Jair e Chico. Sinceramente, apesar de meus oito anos de idade na época, não entendia como um time que tinha Zizinho, Ademir, Jair e Danilo, precisava de algum técnico para lhes ensinar como jogar futebol... A comemoração antecipada do título, aliada à empáfia e arrogância do treinador, embrião dos futuros "professores", para mim, foi a principal causa da perda do título... Bastava o empate... Jogo no Maracanã, torcida de 200 mil espectadores ... e, tudo por água abaixo...
O Vasco, disparado, foi o campeão de 1950.
Mas, em 1951, outro técnico, rival do todo poderoso Flávio Costa, surge no cenário do futebol carioca: Zezé Moreira. Elegantemente trajado, sempre usando paletó e gravata fora de campo (já prenunciando o que aconteceria no futuro dentro de campo), se disse o inventor da "marcação por zona" e, com ela, foi o campeão carioca de 1951, dirigindo o Fluminense.
O Botafogo tinha o folclórico Gentil Cardoso como técnico, bem mais humilde que os dois outros, mas autor de frases mirabolantes para explicar como se jogava futebol. Uma delas: "A bola é feita de couro; o couro vem da vaca; a vaca vive na grama, por isso a bola também deve rolar na grama". Assim, exigia ele de seus jogadores que fizessem a bola rolar no gramado, em vez de darem chutões para o alto. Imagino a cara de espanto que deve ter feito um tal de Manuel Francisco dos Santos quando chegou ao Botafogo em 1953 e deve ter ouvido essas instruções. Isso depois de ter sido considerado como sendo um "aleijado" pelo mesmo treinador, só porque tinha as pernas tortas...
O Flamengo, que não ganhava um campeonato carioca há vários anos, contrata o paraguaio Fleitas Solich, e é tricampeão em 1953, 1954 e 1955. A escalação dos times ainda obedecia ao esquema de 1950: dois, três, cinco. Garcia, Tomires e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Rubens, Índio, Benitez e Evaristo. Nesse time do tricampeonato ainda jogaram Esquerdinha, Zagallo, Dida e Babá.
Solich era pessoa simples, não gostava de inventar, não tinha ar professoral. Por isso, talvez tenha feito tanto sucesso...
Em 1957, enfim, o tão sonhado título do Botafogo, tendo como técnico improvisado o jornalista João Saldanha. Este, botafoguense doente, conseguiu extrair de seus jogadores um rendimento extraordinário, levando-os à conquista do título na memorável final contra o Fluminense, derrotado por 6 a 2, com exibições de gala de Garrincha, Didi, Nílton Santos, Paulinho Valentim e Quarentinha, entre outros. Todos sob a direção de Saldanha, com simplicidade, sem invenções...
Os grandes nomes de treinadores do passado, principalmente Flavio Costa e Zezé Moreira, depois de derrotados nas Copas de 50 e 54 à frente da seleção brasileira, perderam a credibilidade. Chegou 1958, outro ano de Copa do Mundo. Sem grandes nomes no cenário de treinadores, foi escolhido um funcionário do São Paulo para ser o técnico da seleção, por indicação do então presidente da antiga CBD: Paulo Machado de Carvalho.
E, contrariando todas as expectativas, dirigindo uma seleção que saiu do Brasil completamente desacreditada, fomos campeões do mundo na Suécia. Apesar de Feola passar quase todos os jogos sonolento à beira do gramado e só ter escalado Garrincha e Pelé no terceiro jogo, contra a Rússia, por insistência de Nílton Santos e Didi. Já jogávamos naquela época no 4-2-4 e, com Zagallo de ponta esquerda, adotamos definitivamente o 4-3-3.
São Paulo já tinha alguns treinadores reconhecidos nacionalmente, como Osvaldo Brandão, Lula e Bela Gutman, mas acabaram escolhendo Feola como treinador da seleção.
Em 1962, Brasil bicampeão mundial, sob o comando de Aymoré Moreira, irmão de Zezé Moreira e até então treinador sem muita expressão no mundo do futebol. Discreto, depois da contusão de Pelé, no início da Copa e que o impediu de jogá-la, só teve o trabalho de colocar Amarildo em seu lugar e deixar com Garrincha a responsabilidade de levar a equipe ao bicampeonato.
Achando que tudo estava certo e que não precisava nada mudar, a CBD (ou já era a CBF?), chamou de volta o sonolento Feola e entregou-lhe outra vez o comando da seleção. Bagunça total, 42 jogadores convocados, sem direção, autoconfiança, deu no que deu: Brasil eliminado no início da Copa de 66.
Mais quatro anos se passaram e antes da Copa de 1970 não sabíamos que equipe iria jogar no México. Não tínhamos técnico e a desorganização era total.
Novamente foi chamado o jornalista João Saldanha para acertar as coisas. Com seu jeito franco e autêntico de agir, colocou para jogar os melhores em cada posição, que ficaram conhecidos como "as feras do Saldanha". Nada de táticas extravagantes, nada de pranchetas, nada de esquemas complicados: deixava livres os melhores para que eles criassem e exibissem a verdadeira escola brasileira de futebol.
O Brasil superou seus adversários nas eliminatórias, reagindo à uma situação delicada em que se encontrava na classificação. Mas, Saldanha, comunista confesso e sem papas na língua, desagradou aos militares que então governavam o país. Acabou deixando o comando da seleção, sendo substituído por Zagallo, que iniciara há pouco tempo a carreira de treinador e obtivera relativo sucesso levando o Botafogo ao bicampeonato carioca de 68/69.
Aí tem início, talvez até de forma inconsciente, a era dos "professores", nova denominação dada aos técnicos de futebol, apesar de Flavio Costa já ter ensaiado em adotá-la, lá atrás na década de 50.
Zagallo acabou aceitando que alguns dos preparadores físicos, coordenadores, observadores, auxiliares técnicos e outros membros da delegação brasileira fossem militares indicados por aqueles que governavam o Brasil. E aí surgiram os Coutinhos, os Parreiras e outros menos badalados que passaram a se autointitular "professores", que criaram uma tal de "comissão técnica", onde todas as decisões sobre escalação, treinamentos, esquemas táticos, substituições, convocações, eram tomadas em conjunto, nunca mais fruto da vontade apenas de um só. Daí porque se explica a convocação de Dario "Peito de Aço" para a seleção que foi ao México... Estranho, não?
Ainda bem que a novidade da "Comissão Técnica" não interferiu na qualidade dos jogadores que nos representaram e fomos tricampeões do mundo.
Depois, os anos seguintes nos brindaram com uma enxurrada de "professores", todos de prancheta na mão à beira do campo, saltitando e correndo na área técnica, esbravejando, "peitando" juízes e bandeirinhas, trocando de clubes como quem troca de camisa e achando sempre que eles é que são os verdadeiros donos dos segredos do futebol... como se os jogadores, os verdadeiros donos do espetáculo, realmente estivessem entendendo o que eles pretensamente tentam "ensinar-lhes" com os rabiscos que, nervosamente fazem nas pranchetas... Assim surgiram os Luxemburgos, Scolaris, Lazarones, Muricis, Mano Menezes, Dorival Junior, Cuca, Abel, Tite... até o Dunga virou "mestre"... Ganhando verdadeiras fortunas para transmitirem seus preciosos conhecimentos...
Qualquer dia vão reivindicar que seja criado o "Dia do professor de futebol"...
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