quarta-feira, outubro 31, 2018

POLÍTICA E... POLÍTICOS...

            

      POLÍTICA... E POLÍTICOS...


                                                 Calfilho


     Duas coisas talvez apaixonem mais o brasileiro... política e futebol...
   De futebol nós entendemos muito... até porque quase toda nossa população tem pretensão de ser um técnico do popular esporte... Mas, apenas alguns poucos ganham mais de 300 mil reais por mês para ensinar aos seus atletas tudo aquilo que, nós brasileiros, já sabemos de cor e salteado...
          Mas, de política... Acredito que grande parte de nossa população se considera um grande entendendor, que as posições que tomam a cada eleição são as corretas, as certas... e não admitem opiniões contrárias...
            Pobre Brasil... cheio de donos da verdade, que após passados alguns anos da última eleição se dizem arrependidos das posições que tão ardentemente defenderam...
           Desculpem-me, mas esse filme eu já assisti...
          Já fui testemunha ocular do que aconteceu em março de 1964, quando vi passeatas pelas ruas de São Paulo, com senhoras, padres, bispos e muitos políticos desfilando com faixas pelas ruas paulistanas, defendendo o golpe militar, afirmando que defendiam a democracia e empunhando bandeiras do movimento" TRADICÃO, FAMÍLIA E PROPRIEDADE..." Que, inocentes e conscientes, depositavam suas joias de familia em  caldeirões espalhados na Cinelândia na campanha "DOEM OURO PARA O BEM DO BRASIL". Ou outros que exibiam orgulhosos adesivos nos vidros de seus carros "BRASIL, AME-O OU DEIXE-O".  E, alguns anos mais tarde, dizendo-se arrependidos pelas posições que tomaram, " que não sabiam que iria dar naquilo", "que pensavam apoiar uma coisa que na verdade era outra"... AH!! "Se arrependimento matasse..."
 Assim também aconteceu com vários políticos que pensavam que sabiam de tudo, como o "sabidinho" do Carlos Lacerda, que, sendo um dos primeiros a apoiar a Redentora para derrubar Jango, foi procurá-lo anos depois para formar uma super aliança com Juscelino para combater os generais que não queriam largar o "osso" do poder... "Se arrependimento matasse..."
     Não se esqueçam que a Redentora só aconteceu por causa da ilusão da maioria do povo brasileiro ao eleger o desequilibrado do Jânio Quadros como nosso Presidente...
        Depois, veio Collor (o caçador de marajás), que acabou cassado (agora com dois esses),  por envolvimemto em corrupção... E, outros muitos donos da verdade choraram de arrependimento...
       Mais tarde chegou o PT, com sua proposta de apoio aos pobres e oprimidos, de ser o representante autêntico do povão, a nova edição do getulismo dos anos 30...
      Os "donos da verdade" foram tão iludidos que elegeram um falso líder operário por duas vezes como nosso Presidente e aceitaram sua indicação de  uma mulher despreparada, autoritária e arrogante como sua sucessora por duas outras vezes... Deu no que deu, e agora novamente volta a frase: "Se arrependimento matasse"...
      Engraçado que sempre aparece um "salvador da Pátria" para dar jeito no Brasil e, no fim, tudo acaba como sempre...
    Nestas últimas eleições, as de 2018, diverti-me com as mensagens que recebi de vários amigos, alguns deles com amizades de mais de 30, 40, 50 anos, defendendo ardorosamente as posições de seus candidatos que representam a direita ou a esquerda em nosso país... esquecidos da ditadura militar dos anos 60,70 e 80 do século passado ou dos anos 2002 a 2015 deste século... como se a ditadura militar não tivesse acontecido e o caos e a corrupção da era Lula e  Dilma não tivesse existido... E, a forma apaixonada e veemente como apoiavam seus candidatos... E, foram várias essas mensagens, dada a velocidade da internet e a grande penetração das "redes sociais"   
     Ainda bem que meus amigos desde a época da juventude como da minha fase adulta de vida estavam divididos entre os dois lados... daí, pude observar com calma e prudência o que a política pode fazer com a mente das pessoas...
         Igual à paixão pelo futebol...
   Ainda bem que sou botafoguense... minha fase de paixão foi a época de Garrincha, Didi, Quarentinha, Nílton Santos.   .    .


terça-feira, outubro 23, 2018

MUNIQUE...

            MUNIQUE...

Calfilho


     Já havia estado em Munique em 2012, numa rápida incursão pela Alemanha, país que não conhecia. Passei, antes, em Stuttgart e Augsburg, pretendendo concluir a viagem em Munique, a principal cidade da Baviera. Dei muito azar, pois choveu muito forte durante os quatro dias em que lá estive. Dei apenas algumas voltas nas proximidades do hotel onde me hospedei, que, por sorte, fica próximo ao centro de Munique. Mas, não deu para ver quase nada.
      Agora, em outubro de 2018, decidi retornar à cidade, tentando conhecê-la melhor. 
       Realmente, agora, o tempo ajudou e foi outra a impressão que tive.
            Munique é muito viva, alegre, tem bons restaurantes e cervejarias e, neste mês, realiza-se aqui o "October Fest", que a nossa Blumenau procura imitar.
        A cidade está cheia, muita gente nas ruas, os bares e restaurantes lotados, muitas barracas pelas calçadas, uma feira próxima à Praça Marien Hilfer, a principal da cidade.
      Fiz um breve city-tour de uma hora num daqueles ônibus de turismo, dando para conhecer outros bairros. Muitos jardins, muitas praças, muita gente circulando.
         Gostei da cidade.
















segunda-feira, setembro 03, 2018

MEMÓRIA NACIONAL...




MEMÓRIA NACIONAL...

Calfilho




               Ontem, recebi um prazeroso telefonema do meu ex-colega Jorge Carrano,  do Liceu Nilo Peçanha de Niterói, onde estudamos alguns anos de nossas vidas. Batemos um agradável papo e ele me cobrou porque eu não escrevia mais nada aqui no meu despretensioso blog. Respondi-lhe que não estava tendo inspiração para ser alegre ou espirituoso, que considero requisitos indispensáveis para quem se dispõe a colocar no papel alguma coisa. A situação do nosso Brasil atualmente, perdido na política e com os políticos, justamente quando se aproximam as eleições que irão escolher os futuros governantes nos próximos quatro anos, não me anima a comentar ou emitir opinião sobre o que está por vir pela frente. Reclamei com ele do radicalismo que domina os pronunciamentos daqueles que pretendem ser presidentes da república ou governadores de Estado: preferem atacar raivosamente uns aos outros, chegando mesmo às ofensas pessoais e, as poucas propostas que apresentam são de uma utopia extraordinária.               Pretendem fazer tudo sem ter verba para nada ou pouco realizar, esquecendo-se que temos milhões de desempregados em nossas cidades, muita gente dormindo nas ruas, educação de pior nível e saúde à beira da falência. Isso sem falar na insegurança que assombra nossa população, quando temos receio de ir à rua, com medo dos assaltantes armados que nelas circulam com a maior desenvoltura.
     Realmente, com esse estado de coisas em que vivemos atualmente, difícil é ser otimista para escrever algumas palavras num blog, que é veículo muito mais do cotidiano do que da história.
         Nesse breve telefonema de manhã de domingo, relembramos muita coisa boa por que passamos, nossos tempos de Liceu, nossa vida como adultos, como a mão do destino interferiu em nossas vidas, fazendo-nos seguir caminhos que talvez não pensássemos em trilhar em nossa trajetória de vida.
       Desligamos o telefone com a promessa de marcar um almoço de fim de ano, onde pretendemos reunir um pequeno grupo de amigos, a maior parte remanescentes da nossa época de alunos do Liceu de Niterói.
       No início da noite fomos surpreendidos com a terrível notícia do incêndio que destruiu o Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.
       As cenas que a televisão nos mostrava ao vivo cortavam-nos o coração.
      O Brasil, em especial o Rio de Janeiro, nunca foi conhecido por preservar sua história. Acabaram com o centro da cidade, construíram prédios enormes, colocaram morros abaixo, destruíram igrejas e monumentos que datavam da época do Brasil colônia e Brasil império. Tudo em nome de um falso progresso que pretende descaracterizar uma cidade e sua história para em seu lugar colocar novos prédios que irão representar não sei o quê.
    O Rio de Janeiro nunca teve muitos museus e aposto que a grande maioria de sua população não conhece e nunca visitou os poucos que existem. O Museu Nacional, que conheci na década de 1950, quando meu pai me levava ao Jardim Zoológico ou em visitas conduzidas por professores do Liceu, talvez fosse o mais conhecido deles todos. Segundo notícias da televisão ontem à noite, era considerado o quinto em importância de todo o mundo.
    Na França, Itália, Inglaterra, mesmo Alemanha (praticamente arrasada depois de duas grandes guerras mundiais), os museus representam um marco da cultura desses países. Quem não visitou ou, pelo menos ouviu falar, do Louvre, do Orsay, da Capela Sistina, das Galerias Uffizi e Tate, no museu Van Gogh e tantos outros espalhados pelo mundo? Quem não ouviu mencionar, teve o privilégio de visitar ou mesmo viu fotos ou filmes dos castelos do Loire, da Notre Dame de Paris, da Torre de Londres, do Parlamento inglês, do Big Ben, do Vaticano, das ruínas de Pompeia e Herculano, do Davi de Michelangelo? Todos preservados, extremamente bem vigiados, conservados todos os anos, para que sejam exibidos em perfeitas condições aos visitantes do mundo inteiro...
       No Rio de Janeiro, já há muitos anos atrás víamos reportagens comentando o abandono em que se encontrava o nosso Museu Nacional, aquele que serviu de moradia para a família real quando veio para o Brasil no início do século XIX, e depois para os imperadores do país. Onde estavam guardadas peças e documentos desses duzentos anos de nossa história, além de múmias, esqueletos de animais pré-históricos, roupas, mobiliário, pinturas e tudo o mais que deveria ser mostrado aos visitantes e, principalmente, às nossas crianças. Essas reportagens nos mostravam que o prédio estava com goteiras, parte da mobília já estava sendo comida por cupins, não se fazia manutenção e conservação há muito tempo... por falta de verba...
    O incêndio de ontem era, sem dúvida alguma, uma tragédia anunciada...
       Afinal de contas, para que cultura, para que história?
    Preferível é enriquecer rapidamente, a si e aos familiares e amigos, tentar ganhar uma eleição para fazer parte da turma da "boquinha", pouco importando que, para tanto, tenha que ofender seus adversários, passar por cima dos amigos, esquecer as regras de honestidade e ética que a escola lhes deve ter ensinado alguma vez em suas vidas...
    Queimemos tudo, coloquemos tudo abaixo, usemos o dinheiro público para primeiro, colocarmos alguma coisa nos próprios bolsos, depois realizarmos algumas obras de fachada, de exibição, ou deixando outras inacabadas, esquecendo nossa história, nosso passado...

     Desculpe-me Carrano, mas não tenho inspiração para escrever...

segunda-feira, julho 30, 2018

BUMBUNS EM GUERRA...



BUMBUNS EM GUERRA... 
 

Calfilho 



          Desculpem-me estar voltando ao assunto já abordado na minha última matéria, mas são tantas e tão frequentes as notícias a respeito que invadem minha sala de estar, que acabo sendo influenciado por elas e me atrevo a voltar a comentá-las. 
          Devo ter sonhado com isso, pois o assunto é repisado nos vários jornais televisivos que assisto durante o dia: manhã, tarde e noite. Deve ter ficado gravado no subconsciente. 
          Ou, sei lá, devo ter mesmo presenciado a cena e custei a acreditar que fosse real. 
          Estava eu sentado em frente a uma mesa do Deck, restaurante da Av. Atlântica, em plena praia de Copacabana. Era um fim de manhã de sábado, quase meio dia. Tinha em minha companhia minha mulher, meu irmão e minha cunhada. Íamos pedir uma feijoada, delicioso prato do dia dos sábados da maioria dos restaurantes cariocas. 
          Adorava aquelas manhãs de sol na Princesinha do Mar.                   
             Esquecido num restaurante qualquer da Orla carioca, ficava bebericando alguma coisa, beliscando um salgadinho aqui, outro ali, apreciando o desfilar das moças bonitas, quase sem roupa a cobrir-lhes os corpos morenos, corpos de sereias. Sou fã dos cafés parisienses quando vejo passar em frente a mim espécimes de toda a população mundial, com seus costumes e vestimentas características. Mas, não troco essa visão por uma manhã ensolarada de Copacabana. 
          Josimar, antigo garçon do Deck, veio logo nos atender com um sorriso largo estampado nos lábios. Nordestino, como vários outros garçons de restaurantes cariocas, tinha sempre aquele ar acolhedor com que vinha receber os clientes já conhecidos.
          -- Bom dia, doutores. Bom dia, senhoras – cumprimentou.                       
       --Bom dia, Josimar. Traz aquela feijoada caprichada pra gente, por favor. Do jeito que a gente está acostumado. Sem costelinha e sem lobinho. Muita carne seca, orelha, pé e rabo de porco. E, antes, o torresminho pra gente ir beliscando. 
          -- Pode deixar comigo. Trago as batidinhas antes, também? Depois, vão querer cerveja ou chope? 
          -- Traz as batidas, sim, Josimar. 
          Perguntei ao meu irmão e às mulheres o que iríamos beber. As mulheres preferiram chope, os homens concordaram em dividir uma garrafa de vinho tinto, apesar do forte calor que fazia naquela manhã carioca. 
          Feitos os pedidos, ficamos jogando conversa fora. O restaurante, apesar de ainda não estar completamente lotado, tinha várias mesas ocupadas. Mesmo sendo inverno, a cidade estava cheia de turistas. O local tem dois ambientes: um, interno, com ar refrigerado, e outro externo, com as mesas espalhadas pelo calçadão. 
           Já passava do meio dia. Havia uma televisão grande dependurada numa espécie de pedestal. Estava na hora do RJ TV, o telejornal carioca das poderosas Organizações Globo. 
          Continuavam a pipocar, em manchetes e tomadas espetaculares, o assunto do momento: a trágica morte de uma jovem mato-grossense, que veio ao Rio para fazer um procedimento de aumento do volume dos glúteos e não sobreviveu à intervenção do Dr. Bumbum. Eram entrevistas com outras possíveis vítimas do médico, todas reclamando agora que estava sobrando ou faltando alguma coisa em suas nádegas, depois que se submeteram à infeliz cirurgia. 
          Mais: surgiram outras vítimas, agora de uma falsa médica de Curicica, que também fazia cirurgias semelhantes, uma tal de “Paty Bumbum” e de uma “doutora” de Niterói, a Dra. Geysa, também especialista em aumento de bumbuns. O circo estava armado, só faltavam os espectadores, que, infelizmente, éramos nós... Como o Deck é um lugar público, eu não pude mudar o canal da televisão e fomos obrigados a tomar nossas caipirinhas tendo os ouvidos metralhados com as notícias dos “Drs. Bumbuns”... 
          Josimar trouxe as pequenas bandejas contendo os torresmos: delícia, banhados em limão e um caldinho de pimenta... 
          Comentei, em voz baixa, com meu irmão: -- É essa notícia, dia e noite. Não se cansam de ser repetitivos. 
           Uma espevitada repórter da “Poderosa”, uma que adora aparecer e que gosta de dar pulinhos para cima e para baixo, anunciou, com voz histérica, fazendo de tudo para chamar a atenção: 
           “GEENTE!!! GEENTE!!! COMO É QUE PODE? NÃO PARAM DE CHEGAR DENÚNCIAS CONTRA O DR. BUMBUM E A PATY BUMBUM!!! ESSA, ENTÃO, QUE NEM MÉDICA É, AINDA DEBOCHA DE SUAS POBRES VÍTIMAS, AFIRMANDO QUE É MELHOR MORRER COM O BUMBUM BONITO DO QUE COM ELE FEIO!!! ASSISTAM AGORA À REPORTAGEM “EXCLUSIVA”, AQUELA QUE SÓ A NOSSA EMISSORA CONSEGUIU FAZER COM ALGUMAS DAS VÍTIMAS”... 
          E lá vinham outras mulheres lamuriosas se lamentando de ter feito a cirurgia de aumento dos glúteos. Outra chegou a dizer que comera tomate e agrião e eles estavam saindo pelo buraco da incisão feita em seu corpo... 
          Numa mesa próxima estavam sentadas cinco mulheres, aparentando ter entre quarenta e cinquenta anos. Uma delas, uma bela morena de corpo vistoso, comentou em tom de voz já um pouco elevado: 
          -- Isso tudo é uma palhaçada. Essas mulheres é que procuraram o médico ou a esteticista. Queriam aumentar o bumbum, deviam procurar obter informações como seria realizada a cirurgia, em que local, em que condições. Na hora, ouvem conselhos de “amigas” e embarcam na “furada” sem nenhum receio. Depois do leite derramado, querem se fazer de inocentes...                        Uma outra retrucou, também já falando alto. Vários copos vazios de caipirinha estavam sobre a mesa em que elas estavam: 
          -- Mas, elas procuraram o médico de boa-fé, Marilza. Aposto que não se submeteriam à operação se soubessem quem ele era.                                Marilza rebateu: 
          -- Mas, deveriam ter-se informado. Ninguém procura um médico sem pesquisar sua capacidade profissional. São cirurgias envolvendo anestesia, bisturi, etc... Só deveriam ser feitas em hospital ou clínicas com recursos, nunca num simples consultório. E, no caso desse médico, segundo ouvi, o procedimento foi feito na residência dele, num apartamento da Barra ou Recreio, sei lá...                  
     Uma outra mulher, uma loura de cabelos encaracolados, corpo também avantajado, interveio: 
           -- Isso tudo é uma nova versão do batido “conto do vigário”. Só que com nova roupagem. O “carinha” anuncia nas redes socais, esses lances de Facebook, Whats App, Instagram, etc., que faz milagres com o corpo das mulheres, com uma cirurgia rápida e sem complicações, que não custa muito cara, e as pobres infelizes, ansiosas por terem um corpo bonito, uma plástica atraente, que chame a atenção de tudo quanto é homem, caem direitinho... Igualzinho ao conto do bilhete premiado, ou da joia de ouro “achada” no chão... O otário, sempre pensando ser mais esperto que todo mundo, quer ganhar um dinheirinho fácil e entra pelo cano... Não tenho pena, não... 
           Uma outra mulher da mesa, morena de cabelo curto, deu sua opinião: 
           -- Desculpe, querida, mas não concordo com você. Que mal há se a mulher procura ficar mais jovem, mais atraente? Para isso, existe a cirurgia plástica, tem tanta “coroa” por aí toda remendada, que quando tira a roupa tudo desaba... 
           Marilza levantou-se e retrucou: -- Eu não, eu é que não cairia nessa.  Exibiu-se, falando ainda mais alto: -- Olha só o meu corpo, querida. Todo “sarado”, sem nada sobrando ou faltando.                     Pediram a um outro garçon mais uma rodada de vodka e cerveja. 
             Meu irmão comentou, em voz baixa: 
          -- Devem ser do interior... Olha como puxam o rrrr.                           
            Realmente, uma delas disse em voz alta:
             -- Por isso, comprei aquele biquíni “verrrde” bem provocativo, para mostrar todas as minhas carnes... 
             Numa outra mesa, alguns rapazes e moças riram da observação da mulher. Ela pareceu ofender-se. Com voz já meio enrolada retrucou, falando alto: 
              -- Tão rindo de quê, seus babacas? Não se metam na conversa dos outros... 
              Um dos rapazes comentou, dirigindo-se aos seus colegas de mesa: 
               -- Tá vendo, Serginho, o que temos que aguentar? Um monte de velha recalcada pensando que o bumbum delas tá arrasando... 
               O pessoal da sua mesa riu sonoramente. 
               Marilza tomou as dores da “amiga”: 
               -- Tão rindo de quê, retardados? Só porque essas lambisgoias magrinhas que estão com vocês não têm o nosso corpo... Olha, eu nunca precisei aumentar o meu bumbum... Fui beneficiada com essa beleza aqui que Deus me deu... 
               E, em pé, baixou a bermuda branca e a calcinha preta, exibindo duas enormes nádegas carnudas... 
               Uma das “lambisgoias” da mesa dos rapazes, revoltada por ter sido acusada de ser magrinha, também levantou-se e baixou o short vermelho, exibindo uma bunda branca, alva como a neve:                  
       --Tá vendo aqui, “coroa”? Não precisei procurar nenhum Dr. Bumbum ou a Paty Bumbum. Já sou bonita assim desde que nasci. 
              Josimar trouxe enfim as tigelas de barro com as feijoadas fumegando em seu interior. 
              Braga, um recifense que era o segurança do estabelecimento interveio, pedindo calma aos fregueses... 
              Manhã de sábado em Copacabana... 

sexta-feira, julho 27, 2018

BUMBUNS EM POLVOROSA...





BUMBUNS EM POLVOROSA...

Calfilho


            Seria cômico, se não fosse trágico...
            As recentes notícias veiculadas insistentemente pela imprensa sobre uma jovem mato-grossense que veio ao Rio de Janeiro procurar um médico para fazer um procedimento de aumento da sua região glútea que acabou tragicamente em sua morte...
           Até que ponto pode chegar a vaidade humana para recorrer a algo tão arriscado somente para atender sua satisfação pessoal... Teria ela necessidade de se submeter a tal cirurgia? Acredito que não, foi simplesmente para satisfazer um capricho, de parecer mais bonita e mais sensual para os seus admiradores... E, olha que deveriam ser muitos, já que, pelas fotos mostradas na TV, ela era bem bonita (com bumbum arrebitado ou não)...
        Lembro-me agora, de um caso parecido, acontecido no século passado, em abril de 1983, quando ocorreu a morte da excelente cantora e bela mulher, Clara Nunes, quando também faleceu devido à complicações advindas de uma cirurgia plástica que fez para retirar algumas varizes das pernas. Talvez também esse procedimento médico não fosse necessário, mas, no caso dela até é explicável, já que a cantora era uma figura pública e considerasse que uma boa imagem fosse necessária em suas apresentações nos palcos. Mas, talvez também pudesse esconder as varizes que a incomodavam e continuar nos brindando com a voz maravilhosa que possuía.
      Mas, quanto a jovem mato-grossense, a pergunta não para de nos atormentar... Por que? Para que? Sacrificou-se uma vida humana em homenagem à estética do corpo humano...
        Não entendemos também porque ela viajou do Mato Grosso até aqui em busca de um médico cujas únicas referências que deve ter tido foram através de seus “clips” lançados em redes sociais pela internet... Verificou-se, agora, depois da irreparável morte da jovem, que, apesar de médico, já sofrera processos em outras cidades do Brasil em anos passados... A mãe, sua cúmplice, também presa, e médica como ele, estava com o registro cassado e impedida de exercer a medicina...
        Depois da casa arrombada, aparecem na mídia várias outras “vítimas” do “Dr. Bumbum”, como ele é conhecido nas famosas redes sociais. Nem sei se são tão vítimas assim, pois para elas o que mais importava era fazer a região glútea sobressair, pouco se importando em averiguar os antecedentes desse médico, se tinha ou não especialização na cirurgia que se propunha a fazer, se ela foi feita ou não na residência dele e não em um hospital equipado com sala de UTI, etc... Agora, se dizem vítimas, afirmam que estão sentindo esse ou aquele efeito secundário da cirurgia, que não sabiam que isso iria acontecer, etc... etc... Quanta ingenuidade, quanta hipocrisia...
           Lei “Maria da Penha” nele...
           Pior, depois aparece a tal da “Paty Bumbum”, que nem médica é, que atende em seu “consultório”  na Baixada Fluminense, também especializada em aumento dos glúteos... E novas “vítimas” enriquecem o noticiário das edições jornalísticas de nossas emissoras de televisão...
        Mais outra, agora em Niterói... Uma outra médica, Dra. Geysa, também “expert” em expansão de bumbuns”, que, quando compareceu à Delegacia de Polícia, fez-se acompanhar de uma caravana de fãs (todas com “bumbuns” avantajados) defendendo-a das acusações que lhe eram imputadas...
         E, quando se verifica a natureza do material apreendido nessas clínicas ou no “local de trabalho” do Dr. Bumbum: seringas e substâncias usadas em medicina veterinária...
      Realmente, não se sabe mais o que pensar... depois das mulheres lutarem tanto para conquistar alguns direitos num mundo que era até poucos anos essencialmente masculino; depois de disputarem cargos em carreiras que eram até pouco tempo privativas dos homens; depois de deixarem apenas de ser donas de casa para também serem competentes médicas, engenheiras, advogadas, juízas, promotoras, executivas, algumas delas ainda se preocupam com o tamanho dos seus glúteos... E, antes que me chamem antecipadamente de machista, não sei se também alguns homens não recorrem a esses esteticistas de araque para fazerem cirurgias semelhantes...
           Quem já pensa que viu tudo na vida, está muito enganado...
            
           “Mexeu com uma, mexeu com todas’...

sábado, julho 21, 2018

O VÔLEI FEMININO NO LICEU...






O VÔLEI FEMININO NO LICEU...









Calfilho







Maria e João se conheceram no Liceu de Niterói.

Ele, no primeiro ano do científico, ela no quarto do ginasial.

João pretendia ser engenheiro, Maria ainda não definira o que faria.

A grande maioria de suas colegas pensava em ir para o Instituto de Educação, serem professoras primárias, a carreira preferida e mais indicada para as moças de família daquela época. Outras, em número muito menor, pretendiam cursar o clássico, serem advogadas ou professoras de escolas de nível médio; algumas iriam para o científico, serem médicas ou mesmo engenheiras. Aliás, eram poucas as opções de curso superior para as mulheres naquela época, quando corria o ano de 1958.

A sociedade brasileira, ainda mais a niteroiense, era muito conservadora, escrava de regras e princípios do início do século XX. Apenas alguns anos atrás, a partir de 1950, com o aparecimento da televisão como uma das opções de lazer, aquela mentalidade modificava-se lentamente. Niterói, aliás, continuava sendo considerada uma cidade satélite, simples dormitó­rio do Rio de Janeiro, então o Distrito Federal, capital do Brasil.

O meio de transporte era a antiga barca da Cantareira, que ligava Niterói ao Rio, onde a maioria da população niteroiense trabalhava.

E, como toda cidade conservadora, até mesmo provinciana, os preconceitos e restri­ções sociais preponderavam. Talvez, no Liceu, isso não era tão percebido, por ser escola pública e principal referência de qualidade de ensino no antigo Estado.

Maria, no verdor dos seus quatorze anos, começava a descobrir o mundo. Morava em Santa Rosa, filha de família de classe média niteroiense. Pegava o bonde diariamente no Largo do Marron para ir e voltar de casa para o Liceu, que ficava no centro de Niterói. Sua vida era simples, como a da maioria das meninas de sua idade. Tinha uma irmã mais nova, morava com o pai e a mãe, na rua Martins Torres. O pai, militar, a mãe, dona de casa. Amigas, poucas, apenas as colegas de sala do Liceu, mas amizades superficiais. Dessas, apenas uma, Mariangela, era-lhe mais íntima. Ingressaram no Liceu no primeiro ano ginasial, em 1955 e permaneceram sempre na mesma turma até irem para o turno da manhã para cursarem o quarto ano, em 1958.

Naquele ano descobriram realmente o Liceu.

Curtiam muito os quinze minutos diários do recreio, quando todos os alunos iam para o pátio, para as pistas de atletismo, para as quadras de basquete e vôlei, conversando anima­damente, enquanto comiam um sanduíche de mortadela e bebiam um Mineirinho - “o refrige­rante salutar” – ou uma Coca-Cola, comprados rapidamente na cantina de dona Cremilda.

E foi naquele ano, que o Grêmio Cultural Nilo Peçanha, agora sob nova direção, mu­dava a vida rotineira dos liceístas. Primeiro, com a “Hora do Grêmio”, apenas quinze minutos no recreio, onde eram apresentadas as novidades introduzidas pela entidade, bem como tocadas as músicas de sucesso da época, servindo, ainda, de porta-voz para os recados dos alunos. Alguns, pura brincadeira, outros mensagens amorosas entre os jovens liceístas.

Maria adorava aqueles recreios. De braço dado com Mariangela, passava em frente à pequena janela de onde os dois diretores do Grêmio apresentavam o programa. Olhava disfar­çadamente para eles, com uma ponta de admiração e entusiasmo. Enquanto mastigava um pedaço de seu sanduíche, ouvia músicas de Elvis Presley, Little Richard e, principalmente, as baladas lentas dos “The Platters”, como “Only you” e “My prayer”.

Era a moda da época. A música popular brasileira estava num período de entressafra depois da década de ouro, a de 1930, com Noel na frente de todo mundo. Infelizmente, agora, as que preponderavam eram as músicas importadas dos Estados Unidos. Ocupavam os horários nobres em nossas rádios e televisões. Até o futuro famoso Roberto Carlos iniciou sua carreira cantando versões americanas, inclusive uma no programa de Ary Barroso, um ferrenho defensor do samba autêntico brasileiro. “Malena” foi a música com que se apresentou no aplaudido programa do Ary, em que os piores cantores sofriam com o gongo do Tião Macalé.

Maria olhava com admiração para os dois meninos mais velhos que faziam as vezes de locutores da “Hora do Grêmio”. Para ela, parecia que os dois viviam num mundo muito distante do seu, simples ginasiana que acabara de chegar no turno da manhã.

E, ela, já bem alta para os seus 14 anos, quase um metro e setenta, ouvia com atenção o que os locutores diziam:



“ATENÇÃO, ATENÇÃO!!!  O GRÊMIO ESTÁ FORMANDO SUA EQUIPE DE VÔLEI FEMININO!!! CONVOCAMOS TODAS AS LICEÍSTAS, NÃO IMPORTA A SÉRIE, NEM A IDADE, QUE TENHAM MAIS DE  UM METRO E SESSENTA E CINCO CENTÍMETROS PARA NOSSA EQUIPE. PROCUREM NOSSOS TREINADORES NA SALA DO GRÊMIO!!!”



Ouviu com atenção a notícia. Comentou com a colega:

– Puxa, Mariangela, nós duas somos as mais altas da turma. Vamos nos inscrever?

A outra respondeu, um pouco receosa de entrar naquele mundo de alunos do científico e clássico, alguns dos rapazes já com barba no rosto, várias meninas ostentando seios pontiagudos, a alça do soutien aparecendo por baixo da blusa do uniforme:

– Não sei, Maria, vamos pensar um pouco.

– Que nada, Mariangela, vamos lá na sala do Grêmio saber dos detalhes após as aulas de hoje – respondeu Maria, entusiasmada.

E, assim fizeram.

Quando tocou a sirene anunciando o fim das aulas do turno da manhã, as duas se dirigiram para a salinha do Grêmio, situada junto ao lance de escadas no fim de um dos corredores do prédio, aquele que dava para a pequena rua atrás do colégio, onde funcionava um Jardim de Infância, colado no terreno do Liceu.

Timidamente, entraram na sala.

Várias carteiras escolares, coladas umas nas outras, formavam uma espécie de balcão, separando os diretores do Grêmio dos demais alunos. Os diretores ficavam sentados por trás dessas carteiras, medida que se tornou necessária dada a grande afluência de estudantes em busca dos passes para os trolleys e bondes, agora vendidos diretamente pelo Grêmio liceísta, evitando o deslocamento dos alunos até a sede da FESN, na rua XV de Novembro, no Rink. Foi a primeira grande vitória do Grêmio, visando facilitar a vida dos alunos, muitos deles que trabalhavam após o turno da manhã ou estudavam à noite e não tinham tempo de adquirir os passes que lhes davam o desconto no transporte urbano.

Vários alunos, aproveitando o recreio, compravam os passes, formando uma pequena fila, atendida por alguns diretores do Grêmio. Ali estavam Irapuam, José Henrique (o Josa), Carlinhos, Verinha, Manequinho e João.

Maria e Mariângela ficaram em pé, atrás da fila, aguardando sua vez.

Quando esta chegou, Josa perguntou:

– Vocês querem passe para o trolley ou bonde?

As duas hesitaram por um momento, uma esperando que a outra respondesse.

Finalmente, Maria disse:

– Não, não queremos comprar os passes, nós já temos. Queremos nos inscrever para treinar no time de vôlei feminino.

– Ah! Tá certo – retrucou Josa. – Não é comigo, é ali com o João – apontou com a mão um outro rapaz sentado na outra ponta da fila de cadeiras... – João, é pra você – falou alto, chamando a atenção do rapaz.

João levantou os olhos, encarando as duas meninas. Bonitinhas, boa altura, deveriam ser testadas. Elas se aproximaram de sua mesa.

– Vocês já jogaram vôlei em algum lugar? – perguntou.

Elas hesitaram, esperando que uma respondesse primeiro.

Maria acabou falando:

– Só na rua, um pouco na praia, apenas de brincadeira – respondeu.

Mariangela completou:

– Eu também, só na rua e na praia, às vezes.

João continuou olhando interrogativamente para as duas: Depois, disse:

– Bem, nós estamos procurando meninas que já tenham alguma experiência no vôlei, tenham jogado por algum clube ou disputado algumas partidas. Enfim, que conheça bem as regras, para não começarem do zero. Nossa ideia era formar logo uma equipe praticamente pronta para disputar competições em Niterói e em outras cidades. Vocês conhecem bem as regras?

– Não, respondeu Maria. Queríamos aprender, pensávamos que fosse uma espécie de escolinha de vôlei.

João ainda pensou um pouco antes de responder.

– Bem, não custa nada tentar. Até mesmo porque ainda temos poucas alunas que atenderam nosso chamado, não dá para formar duas equipes para treinos. Hoje à tarde, às quatro horas, está bem? Vou apresentar vocês às outras meninas que já se inscreveram e ver qual o nível de vocês. Tragam o material de ginástica e tênis. Sentem aqui que vou fazer a ficha de vocês duas — disse, indicando-lhe duas cadeiras à sua frente.

Elas obedeceram, passando-lhe seus dados pessoais, enquanto ele preenchia suas fichas.

– Bem, é só isso, por enquanto. Tragam um retrato 3 X 4 e até às quatro horas.

O Grêmio do Liceu, depois de muito anos inativo, foi reerguido em 1958, com a eleição do colega Jorge Carrano para seu presidente. A ideia do reerguimento veio de várias reuniões entre alguns alunos do segundo científico, principalmente Irapuam, Telúrio e Carlinhos, apaixonados por esportes e insatisfeitos com o que o colégio oferecia para eles nessa atividade. As aulas de educação física, obrigatórias por lei, eram uma verdadeira piada: a maioria dos alunos não comparecia, os professores, também desinteressados, limitavam-se a confirmar a presença dos que iam e até dos que lá não apareciam. Para os poucos que ali estavam eram apenas simples flexões, no máximo um polichinelo. Mera formalidade, apenas para justificar os salários dos professores.

Os alunos limitavam-se às atividades do currículo escolar. O colégio, para a maioria, era apenas uma obrigação diária a ser cumprida nos três turnos oferecidos: manhã, tarde e noite. Após encerrados os respectivos turnos, cada um voltava para suas casas e o Liceu era esquecido, a não ser quando faziam a grande quantidade de deveres que eram levados para as residências.

Ao grupo inicial, que então cursava o segundo científico, juntaram-se outros alunos de séries mais novas, entre eles o José Henrique (o Josa), a Verinha, o João, o Toninho do turno da noite, o Eduardo (que cursava o clássico), o Manequinho e alguns outros entusiastas pela prática de esportes. Escolheram o Carrano, que estudava no primeiro científico para ser o presidente. Era o mais sério deles. De vez em quando, disputava uns “rachas” com alguns alunos mais antigos nas quadras de vôlei ou basquete e, mesmo transferido de outro colégio, num instante fez amizade com o pessoal veterano do Liceu. Aliás, desse grupo, apenas Irapuam e Telúrio (que já eram repetentes), além de Carlinhos, Josa, Verinha, Toninho e Eduardo estudavam no Liceu desde o primeiro ano ginasial. Os outros vieram transferidos de outros colégios de Niterói.

O Grêmio estava, à época em situação deplorável. Já não funcionava há uns dois anos. Tinha uma sala, no fundo do corredor que dava para a ruazinha de trás do Liceu , a Evaristo da Veiga (talvez não fosse seu nome em 1958), onde também funcionava um Jardim de infância, nos fundos do Liceu, com entrada independente.

A salinha era minúscula, tinha poucos móveis, cheia de poeira e teias de aranha. Logo após eleitos, os novos diretores tomaram pé da situação e arregaçaram as mangas. Varreram e enceraram a salinha, conseguiram algumas cadeiras e mesas que estavam abandonadas num depósito do colégio, até mesmo um velho armário.

Na primeira reunião que fizeram, tudo de maneira informal, foi escolhida a diretoria com os respectivos ocupantes. Carrano, o presidente; Telúrio, diretor geral de esportes e de basquete; Carlinhos, diretor de futebol de campo e salão; Irapuam, diretor social; Verinha, diretora do Departamento Feminino; Josa, assistente geral da presidência; João, diretor de voleibol.

A primeira medida foi pedir autorização ao diretor para transmitirem “A Hora do Grêmio”, inicialmente apenas nos recreios do turno da manhã, a fim de comunicar a posse da nova diretoria e seus planos para o ano que se iniciava. O professor Aldo, que tinha fama de muito severo quando fora diretor do colégio no final da década de 1940, relutou um pouco, a princípio. Acabou cedendo diante da insistência daquele grupo de jovens entusiasmados:

– Bem, vocês podem usar o aparelho de som daquela salinha que dá para o pátio. Mas, não transmitam em tom elevado, não quero que ninguém se sinta incomodado – advertiu.

Foi a primeira vitória. A transmissão diária da “Hora do Grêmio”, nas vozes de Irapuam e Carlinhos era uma grande novidade para alegrar o recreio dos liceístas. As janelas da pequena sala que ficava no fundo (ou início?) de um dos corredores do imenso prédio eram abertas, de segunda a sexta, com a voz de um dois anunciando: “ABREM-SE AS JANELAS DA BROADWAY PARA OFERECER-LHES AS NOTÍCIAS DO NOSSO GRÊMIO E ENTRETER O SEU RECREIO COM MÚSICAS SELECIONADAS”.

Não havia muita seleção de músicas, apenas alguns 78 rotações levados por alguns alunos. Entre eles, como já afirmado, principalmente, “My Prayer” e “Only you”, com “The Platters”... Também alguns discos de Elvis, doados principalmente pelo Manequinho, muito pouca música brasileira...

Na prática, o departamento de futebol de salão foi o primeiro a ser instalado e a funcionar realmente. Até porque a grande maioria dos liceístas do sexo masculino adorava futebol e era o esporte que praticavam nos recreios, em disputas animadas nas quadras de vôlei e basquete e, até, quando estas já se encontravam ocupadas, no campinho junto ao necrotério ou ainda na própria pista de atletismo. Carlinhos lembrava-se bem de que, quando ainda cursava o ginasial, no turno da tarde, principalmente quando estava no primeiro ano, calouro portanto, muitas vezes “rachava” na pista de terra que cercava as quadras e os campos, tendo como “bola” uma simples tampinha de refrigerante. Isto porque as turmas mais velhas já ocupavam as quadras de cimento para a “peladinha” do recreio. Voltava para a sala de aula, após o intervalo, com o dólmã cáqui todo sujo de poeira, suado, transpirando, o rosto vermelho pelo esforço despendido, mas alegre e satisfeito.

Carlinhos, como diretor de futebol, arregaçou as mangas. Convocou os rapazes do Liceu para um mutirão no sábado seguinte, quando iriam preparar as balizas para o futebol de salão. Cada um contribuiu com uma parcela de suas mesadas, compraram a madeira necessária e a tinta de cor amarela. Pediram autorização ao professor Aldo, combinaram com “seu” Azer e, no sábado, lá estavam uns quinze liceístas na quadra de basquete, lixando, pregando e pintando as balizas. Outra vaquinha e conseguiram comprar um par de redes na “Superball”, lá na rua José Clemente.

“A Hora do Grêmio” anunciou:

“ATENÇAO, COLEGAS!!!

“O GRÊMIO CULTURAL NILO PEÇANHA, DEPOIS DE LONGA INATIVIDADE, VOLTA A ATUAR JUNTO AOS LICEÍSTAS. A NOVA DIRETORIA EMPOSSADA, SOB A PRESIDÊNCIA DO COLEGA JORGE CARRANO, JÁ ATIVOU O DEPARTAMENTO DE FUTEBOL DE SALÃO E, DENTRO DE ALGUNS DIAS, REALIZAREMOS A NOSSA PRIMEIRA OLIMPÍADA INTERNA.

“OS ALUNOS INTERESSADOS QUEIRAM FAZER AS INSCRIÇÕES JUNTO AOS REPRESENTANTES DAS RESPECTIVAS TURMAS E DEPOIS PROTOCOLÁ-LAS NA SEDE DO GRÊMIO”.

Foi um sucesso. Já na manhã seguinte, a salinha do Grêmio estava lotada de jovens alunos. Queriam saber detalhes, alguns já levavam os nomes dos que iriam representar suas turmas, outros até já tinham times escalados.

As equipes inscritas foram divididas de acordo com as turmas em que estudavam, escolhido um representante para ser o porta-voz de cada uma junto ao Grêmio.

Duas semanas depois, num sábado de sol maravilhoso, abriu-se o portão lateral do Liceu, que dava acesso às áreas externas e ao pátio do colégio. Aquele portão azul, que ficava ao lado da carrocinha de sorvete do Paulino.

“Seu” Azer, o zelador do colégio, amigo do pessoal do Grêmio, concordou em ir até o colégio naquele sábado para abrir os vestiários e supervisionar a garotada.

Foi uma festa. O pátio, a pista em volta da quadra de basquete, mesmo a quadra de vôlei, estavam repletas de alunos, meninos e meninas, que lá foram prestigiar os atletas de suas salas de aula. Vários jogos animados, muita disputa e, finalmente a turma campeã, proclamada no final da tarde. O Liceu tivera, realmente, uma tarde esplendorosa, com grande parte dos alunos participando de atividades fora do currículo normal das aulas teóricas. Uma tarde esportiva... Dessa olimpíada interna foram escolhidos os atletas que formariam os times de futebol de salão do colégio, o primeiro e o segundo, que se tornaram um sucesso posteriormente em disputas contra outros estabelecimentos e em excursões fora da cidade. Alguns já disputavam futebol por clubes de Niterói, como o Canto do Rio, o Cruzeiro, o Fonseca, o Manufatora ou pela LAFA (Liga Atlética de Futebol de Areia), no final da praia de Icaraí.

Mas, os novos diretores não queriam ficar só no futebol de salão e na “Hora do Grêmio”. Queriam mais.

Irapuam, o diretor social, começou a organizar algumas pequenas reuniões festivas para congraçamento da família liceísta. Inicialmente, eram realizadas em casas de alguns colegas, principalmente das meninas, cujos pais preferiam disponibilizar suas residências para uma festinha familiar, onde pudessem vigiar as filhas, em vez de deixá-las comparecer a algum baile num dos clubes da cidade. Não se esqueçam que a sociedade niteroiense, no final da década de 50 do século passado, era ultraconservadora... Vários desses “bailinhos” foram realizados, cobrando-se uma módica quantia de ingresso e na venda de refrigerantes e de uma ou outra “cuba-libre” ou “hi-fi” escondidos dos donos da casa, angariando-se, assim, alguma renda para o Grêmio comprar material de esporte para os seus atletas. Irapuam chegou até a realizar uma monumental festa junina no pátio do Liceu, com quadrilha e tudo...

Em relação ao basquete, Telúrio, exímio jogador do esporte, reuniu alguns outros praticantes do mesmo espalhados pelos clubes da cidade e formou uma equipe muito boa. Ali jogaram Generoso, Renato Kid, os irmãos Roberto e Geraldo Pimentel, Bizuca, entre outros. Fizeram enorme sucesso na excursão a Cachoeiro do Itapemirim, quando foram campeões invictos.

O voleibol, na década de 50, era pouco praticado entre os brasileiros. Com a cultura machista do futebol, considerado “esporte pra homem”, o vôlei, jogado com as mãos, não tinha tanto prestígio. A nível de clubes era disputado tanto por homens e mulheres, chegando a ser formadas seleções nacionais. Lembro-me apenas de Quaresma, Juarez, Bené, Borboleta e de outros poucos. Não me lembro de nenhuma mulher daquela época integrando a equipe brasileira, apesar de ter lido que a seleção foi campeã sul-americana de 1951...

Mas, entre a garotada adolescente do Liceu, poucos se interessavam pelo esporte. Apenas um ou outro rapaz que o praticava nos clubes da cidade, como o Regatas ou o Canto do Rio ou em competições na praia de Icaraí. Era o caso de João, então cursando o primeiro ano científico.

Entre as meninas, acho que nenhuma jogava vôlei de forma competitiva, nem nos clubes. No máximo, uma roda na praia com outras colegas e alguns rapazes. No Liceu, algumas poucas levavam uma bola para se divertirem jogando a bola para o alto nos intervalos do recreio.

João logo organizou o time de vôlei masculino, que chegou até a um bom grau de competição. Estava tentando, agora, com o time feminino. Tarefa difícil, teria que garimpar uma ou outra que tivesse boa altura, já tivesse alguma noção do esporte e das regras, pudesse ter a autorização dos pais para treinos e jogos.

Foi pedida autorização ao Professor Aldo, o diretor.

Como sempre, a princípio, ele relutou. Devido à insistência dos gremistas, acabou cedendo:

– Mas, só se vocês conseguirem uma professora de Educação Física que acompanhe os treinos. Não vou deixar essas meninas virem para o colégio à tarde sem algum adulto responsável por elas.

Irapuam ainda tentou argumentar:

– Pode deixar, professor Aldo. Nós, os rapazes do Grêmio, tomamos conta delas.

O diretor deve ter pensado intimamente:

“É o mesmo que deixar a raposa tomar conta do galinheiro...”

Retrucou, severo:

– Não senhor. Ou conseguem um adulto ou nada feito.

Foram atrás da professora. Procuraram Da. Natércia, que dava aulas de Educação Física. Expuseram-lhe o problema.

Ela respondeu, depois de meditar um pouco:

– Olha, eu teria muito prazer em ajudar vocês, mas acontece que dou aula às tardes em outros colégios e não poderia estar aqui.

Ficaram procurando uma solução. Telúrio teve a ideia:

– Da. Natércia, se a senhora puder, venha apenas uma vez. Nós convidamos o diretor, ele vem, assiste o treino, conversa com a senhora e depois a gente tenta realizar os outros sem sua presença. Se der certo, tudo bem.

Ela concordou e os treinos começaram.

Logo depois, veio transferido para o Liceu o professor de Educação Física Alber Pessanha, que se tornou amigo do pessoal do Grêmio e, entusiasta por esportes, passou a acompanhar, como “adulto”, todas as atividades da agremiação.

Para as jovens liceístas, aquilo era a glória, uma grande conquista. Elas, que sempre ficaram relegadas a segundo plano nas atividades do colégio, que ali estavam apenas estudando para serem professoras primárias ou donas de casa, agora lhes era permitido participar de forma mais efetiva nas coisas do Liceu.

E, João conseguiu formar a equipe de vôlei feminino, que, se não teve tanto brilho assim, pelo menos representou um marco na conquista das meninas no universo liceísta...



Equipe de vôlei feminino, com os diretores do Grêmio, os professores Álber e Natércia e outros “adultos”.






Time de vôlei masculino do Liceu, com o presidente do Grêmio e o professor Álber Pessanha

terça-feira, julho 17, 2018

COPA DO MUNDO 2018



COPA DO MUNDO 2018

Breves comentários





Calfilho





          Chegando ao fim de mais uma Copa do Mundo de futebol, acontecimento que teve início em 1930 e se repete a cada quatro anos desde então (com a breve interrupção dos anos de 1942 e 1946, quando o mundo estava envolvido na Segunda Grande Guerra Mundial), vários comentários e apreciações surgiram nos jornais, rádios, televisão e internet, nossos meios mais usuais de comunicação nos dias de hoje.
            Lógico que existem opiniões muito mais autorizadas do que a minha, exaradas de jornalistas e comentaristas profissionais, que ganham o seu sustento comentando esportes, notadamente o futebol.
         Pretendo deixar aqui, apenas, minha modesta opinião, de alguém que acompanha o futebol mundial e o brasileiro desde 1950, sendo um mero apaixonado do popular esporte. Nada em tom professoral ou de inteligência superior, como, infelizmente, alguns de nossos técnicos, jornalistas e comentaristas fazem questão de exibir.
         Não tinha muitas esperanças quanto ao sucesso da equipe brasileira mesmo antes de começar a competição. Formada por bons jogadores, alguns talentosos, outros apenas esforçados, convocada por um técnico que, pelo menos, tentou arejar um pouco o anterior pesado ambiente do grupo, poderia ter alguma esperança de conquistar uma honrosa colocação na competição. Nada mais que isso, apenas um dos concorrentes a uma boa classificação, talvez até mesmo sonhar com o título
           Isso porque a Copa do Mundo, sendo uma competição de tiro curto, dificilmente aponta a melhor equipe, a mais técnica, a mais equilibrada, como a sua campeã. Passada a fase de grupos, a inicial, daí para frente, das oitavas e quartas de final em diante, todos os jogos são eliminatórios: se não decididos no tempo regulamentar, vem a prorrogação e a decisão em penalties.
          Não se trata de loteria, apenas a possibilidade de que um pequeno erro, por menor que seja, possa causar a derrota e a eliminação de uma equipe que, mesmo que tenha excelente nível técnico, que tenha exibido um futebol de encantar os olhos, possa ser alijada definitivamente da competição sem possibilidade que um campeonato de pontos corridos lhe daria.
           Não foi esse o caso do Brasil. Foi eliminado porque o time é mediano, semelhante a vários outros que participaram sem ter oferecido nada de extraordinário.
           No meu modesto entendimento, esta Copa do Mundo pouca coisa acrescentou à beleza do futebol. Táticas previsíveis, muita retranca, vitórias em rápidos contra-ataques, gols isolados e definitivos... Ainda muitos chuveirinhos sobre as áreas onde os atacantes ou mesmo os altos e robustos defensores vêm de trás tentar um cabeçada fulminante que possa decidir a partida...
         Na minha opinião, a melhor equipe que vi jogar foi a Bélgica. Apesar do susto que sofreu do modesto Japão que conseguiu colocar 2 gols na frente no início do segundo tempo. Não apresentou um futebol exuberante, mas foi envolvente, chegando mesmo a ser brilhante em algumas poucas vezes. Para mim, merecia ao menos ter ido à final. Foi derrotada pela França num único lance em que seu defensor falhou ao não conseguir impedir a cabeçada fatal do atacante francês.
          Entendo que a França mereceu a conquista. Equipe forte física e mentalmente, mesmo sem apresentar um futebol de encantamento, foi pragmática o bastante para definir as partidas nos momentos precisos. A França nunca foi realmente uma potência de primeira linha no mundo futebolístico. Começou a aparecer aos olhos do grande público na Copa do Mundo de 1958, com a geração de Fontaine, Jonquet, Kopa e alguns outros. Foi derrotada na semifinal por uma equipe brasileira realmente endiabrada, que tinha Garrincha, Pelé, Didi, Nílton Santos, Vavá e alguns outros monstros do futebol em seu elenco. Mas, seus jogadores eram praticamente quase todos franceses natos, não admitiam ainda a presença de atletas de outras nacionalidades, mesmo aqueles de suas colônias, em sua seleção nacional.
           Com o passar dos anos, tanto a França como vários outros países europeus, como Itália, Espanha, Portugal, até mesmo Alemanha e Inglaterra, passaram a naturalizar jogadores de outros países para disputarem a Copa do Mundo por suas seleções. Assim, o brasileiro Mazola (Altafini), os argentinos Di Stefano, Sívori, Angelillo, o húngaro Puskas, entre tantos outros, disputaram partidas pelas seleções italiana ou espanhola. Foi a única forma que os europeus encontraram para neutralizar o poderio e a capacidade de improvisação dos jogadores sul-americanos, até então insuperáveis. Hoje, vemos o brasileiro Mario Fernandes disputando a Copa pela seleção da Rússia. Pepe e Deco, por Portugal. Diego Costa e Tiago Alcântara, pela Espanha.
         A França até que relutou um pouco em admitir essa verdadeira invasão de uma legião estrangeira em sua seleção nacional. Veio a equipe onde pontificava Michel Platini e eram raros os jogadores não nascidos nas cidades francesas que a integravam. Lembro-me, apenas, de Tigana. Mas, na Copa de 1998, disputada em seu país e quando se sagrou campeã, já apareciam vários jogadores nascidos na “Outremer”, como eles denominam suas antigas colônias espalhadas pelo mundo: Thierry Henri, Desailly, Thuran, Trezeguet, Vieira, Karembeu, entre tantos outros excelentes futebolistas negros que passaram a brilhar no futebol francês, ou mesmo que, jogando por times de outros países, tivessem nascido nas colônias francesas. Além de Zidane, que, apesar de não ser negro, tinha uma próxima ascendência argelina. Alguns anos atrás discutia-se em Paris que a seleção deveria adotar o regime de “quotas”, ou seja, só deveria aceitar um determinado número de jogadores da “outremer” na equipe nacional (como temos no Brasil, as “quotas” para negros ou pardos para ingresso em faculdades ou empregos públicos). Se isso fosse realmente introduzido no futebol francês, duvido muito que a França chegasse a colocar duas estrelas no seu uniforme. Acontece que a malícia, a picardia, a improvisação, a “travessura” do futebol brasileiro que encantou o mundo vem muito da miscigenação de nossa população, da saudável mistura do negro com o branco. Os negros africanos são muito mais hábeis em determinadas atividades humanas, talvez até por terem sido criados em ambientes abertos, correndo livres pelos campos de seu continente... Ou talvez, tenham aprendido a correr para não serem mortos pelos animais que povoam esse mesmo continente ou pelos invasores brancos que o tentaram colonizar e saquear... Não sei, simples divagações... Mas, pelo menos no futebol e nas maratonas, a alegada superioridade que os brancos sempre pensaram ter sobre os negros sofreu uma terrível derrota. Hitler deve estar se revirando no túmulo, como quando se decepcionou com as estupendas vitórias de Jesse Owens nas Olimpíadas de 1936...
             O que é certo é que a França passou a jogar um futebol mais alegre, sem deixar de ser competitivo. Talvez ainda não tenham alcançado a beleza e plasticidade que o futebol brasileiro apresentou ao mundo, mas podem acabar chegando lá. Enquanto isso, nós brasileiros, que passamos a exportar nossos futuros talentos com idades de 15, 16 anos, vamos ficar assistindo que eles aprendam a jogar o futebol bitolado dos europeus...
          Repetindo e concluindo: nenhuma seleção me empolgou nessa última Copa do Mundo... Gostei da Bélgica, entendo como justa a conquista da França, reconheci o esforço e a dedicação da Croácia...
         O melhor jogador, para mim, foi Hasard, da Bélgica, realmente o único craque que vi jogar, apesar de não ser extraordinário, nem ser nenhum Garrincha ou Pelé. Mas, bem melhor que Neymar... Destaque para Mbappé, Kanté e Modric...
             Só...