sexta-feira, fevereiro 17, 2017

A MORTE DO "CARIOCA"...

A MORTE DO “CARIOCA”...


Calfilho


O título pode sugerir que algum carioca famoso tenha falecido, mas não se trata disso. O tema é mais ameno. Vou tentar falar do “campeonato” carioca de futebol.
Lembro-me perfeitamente que, no início da década de 1950, quando eu acabara de completar oito anos de idade e o Brasil, meses depois, perdia vergonhosamente no Maracanã a Copa do Mundo, a primeira após a Segunda Guerra Mundial, meu pai me levou para assistir uma partida no maior estádio do mundo. E, aí a paixão que já aflorava em mim pelo esporte bretão ganhou mais força, mais intensidade. Ouvira pelo rádio e acompanhara pelos jornais a malfadada Copa do Mundo, onde o Brasil tinha tudo para ganhar e perdeu a final de forma medíocre, até covarde, segundo o noticiário da época. Realmente, eram poucas as seleções que aqui vieram disputar o torneio mundial, já que a aviação comercial internacional ainda engatinhava e muitos países europeus preferiram não se arriscar a uma travessia oceânica de navio após os horrores da guerra recém finda. O Brasil ganhara fácil, goleando mesmo, a Suécia e a Espanha, o Maracanã fora construído para ser o palco da festa brasileira. Mas, na final contra o Uruguai, perante quase duzentas mil pessoas, nossa seleção, repleta de craques, fracassou, dando um vexame que só foi suplantado sessenta e quatro anos depois, com a derrota brasileira para a Alemanha, em pleno Mineirão, por sete gols a um.
Meu pai não quis me levar nesse jogo contra o Uruguai, temeroso de que as comemorações após a vitória tida como certa e a conquista do título mundial fossem terminar em tumulto, naquele Rio de Janeiro de 1950, onde os bondes ainda trafegavam pelas ruas e as velhas barcas ligavam o Rio a Niterói. Nessa época, morávamos na Av. Amaral Peixoto, na antiga capital fluminense.
Instalada a paixão futebolística, passei a acompanhar tudo que era escrito, irradiado e até algumas vezes televisionado sobre futebol. Não me defini por nenhum time, acompanhando qualquer jogo que o rádio transmitia.
Naquela época, os campeonatos estaduais eram os mais importantes do calendário futebolístico brasileiro. Até porque, grande como é o Brasil, difícil era a realização de partidas interestaduais, dada a dificuldade de locomoção entre grandes distâncias. Além dos campeonatos dos Estados, havia apenas um torneio entre clubes do Rio e São Paulo, o “Roberto Gomes Pedrosa”, vulgarmente chamado de Rio/São Paulo.
Eram os estaduais a coqueluche do futebol aqui praticado.
No Rio de Janeiro, os grandes clubes eram os que ainda são hoje considerados como os melhores: Botafogo, Vasco, Fluminense e Flamengo. Mas, também eram tidos como “quase grandes” o América e o Bangu.
Os mais antigos devem lembrar do time do América, que tinha Osni, Oswaldinho, Dimas, Maneco, Alarcon e outros. O Bangu, em transação milionária, patrocinada por Castor de Andrade, conhecido banqueiro do jogo do bicho, contratara  Zizinho ao Flamengo, tido como um dos maiores meias que o Brasil já teve em todos os tempos, titular absoluto da seleção brasileira vice-campeã do mundo. Além dele, lá estavam Luiz Borracha, Rafaneli, Mirim, craques de primeira linha.
O Fluminense tinha Castilho, Píndaro e Pinheiro; Vitor, Lafayete, Orlando Pingo de Ouro. O Flamengo alinhava Garcia, Biguá e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Rubens, Índio, Benitez e Esquerdinha. O Vasco da Gama, base da seleção brasileira de 1950, tinha Barbosa, Augusto e Juvenal, Eli, Danilo e Jorge; Tesourinha, Friaça, Maneca, Ademir e Chico.
O Botafogo era o mais fraco dos considerados “grandes”.  Lá jogavam Oswaldo Baliza, Paraguaio, Geninho, Ruarinho, Bob, Richard, Orlando Maia, Arati, segundo me recordo.
Muitos deles foram nomes de meus “jogadores” de botão...
Poucos jogos eram televisionados, apenas alguns aos sábados à tarde. Durante muito tempo houve uma briga bastante intensa entre clubes e televisão para que os jogos fossem transmitidos ao vivo. Naquela época não havia vídeo tape.
Entre os poucos jogos que vi pela televisão, ficou marcado na minha memória aquele em que Heleno de Freitas, o maior ídolo do  Botafogo até 1948, então contratado pelo América, fez sua estréia no Maracanã. Devido ao seu temperamento explosivo e à sífilis, que já corroia seu corpo, foi expulso no fim do primeiro tempo.
Mesmo os times considerados como “pequenos”, quase todos eles clubes dos subúrbios cariocas, como Bonsucesso, Olaria, São Cristóvão, Madureira, tinham bons jogadores. O Madureira, de Irezê, Bitum e Weber (este, muitos anos mais tarde, meu colega na magistratura do antigo Estado da Guanabara); Olavo, o violento zagueiro do Olaria; Santo Cristo, centro avante do São Cristóvão. Além do Canto do Rio, clube de Niterói, que conseguiu vaga para disputar o campeonato carioca desde a década de 1940, por influência do então interventor do antigo Estado do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto. O Cantusca era defendido por craques como Carango, Jairo e Zequinha, entre vários outros.
O campeonato era disputado nos moldes do atual Brasileirão:pontos corridos, jogos de ida e volta, em dois turnos.
Quando eu já havia completado doze anos, torne-me sócio do Canto do Rio, cuja sede ficava perto do apartamento onde morava. Então, passei a acompanhar os jogos do time no Estádio Caio Martins. Eram domingos de festa, quando o alvi-celeste de Niterói recebia Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Bangu, América, Madureira, Bonsucesso, São Cristóvão, Olaria.
Os anos se sucediam e a cada começo de temporada eu ia ao Maracanã para assistir o Torneio Início, outra grande festa do futebol.
Vi jogar praticamente toda a geração que foi campeã do mundo em 1958. Acompanhei Gerson começar no Canto do Rio em 1955 e, mais tarde, Zé Maria também ali jogar seu primeiro ano como profissional, em 1959.
Os grandes campeonatos, por toda a década de 50, eram os estaduais.
No “carioca” pontificaram Garrincha, Didi, Nilton Santos, Amarildo, Manga, Castilho, Zizinho, Jairzinho, Rubens, Dequinha... muitos craques, muita saudade...
Os clubes e a televisão parece que finalmente chegaram a um acordo e as emissoras passaram a pagar as transmissões, o que hoje é uma das principais fontes de renda dos clubes.
Surgiram os empresários, levando do Rio e do Brasil as jovens promessas do nosso futebol. Veio o Campeonato Brasileiro, a Libertadores, e hoje os clubes chegam a ver os estaduais como um estorvo em seus calendários.
Por isso, quando estão envolvidos em outra competição que consideram de maior importância, relegam a segundo plano os campeonatos locais.
Colocam em campo equipes reserva, cumprem tabela...
Morreu... acabou-se... “quem comeu se regalou”...

Nenhum comentário: