A
MORTE DO “CARIOCA”...
Calfilho
O título pode
sugerir que algum carioca famoso tenha falecido, mas não se trata disso. O tema
é mais ameno. Vou tentar falar do “campeonato” carioca de futebol.
Lembro-me
perfeitamente que, no início da década de 1950, quando eu acabara de completar
oito anos de idade e o Brasil, meses depois, perdia vergonhosamente no Maracanã
a Copa do Mundo, a primeira após a Segunda Guerra Mundial, meu pai me levou
para assistir uma partida no maior estádio do mundo. E, aí a paixão que já
aflorava em mim pelo esporte bretão ganhou mais força, mais intensidade. Ouvira
pelo rádio e acompanhara pelos jornais a malfadada Copa do Mundo, onde o Brasil
tinha tudo para ganhar e perdeu a final de forma medíocre, até covarde, segundo
o noticiário da época. Realmente, eram poucas as seleções que aqui vieram
disputar o torneio mundial, já que a aviação comercial internacional ainda
engatinhava e muitos países europeus preferiram não se arriscar a uma travessia
oceânica de navio após os horrores da guerra recém finda. O Brasil ganhara
fácil, goleando mesmo, a Suécia e a Espanha, o Maracanã fora construído para
ser o palco da festa brasileira. Mas, na final contra o Uruguai, perante quase
duzentas mil pessoas, nossa seleção, repleta de craques, fracassou, dando um vexame
que só foi suplantado sessenta e quatro anos depois, com a derrota brasileira
para a Alemanha, em pleno Mineirão, por sete gols a um.
Meu
pai não quis me levar nesse jogo contra o Uruguai, temeroso de que as comemorações
após a vitória tida como certa e a conquista do título mundial fossem terminar
em tumulto, naquele Rio de Janeiro de 1950, onde os bondes ainda trafegavam
pelas ruas e as velhas barcas ligavam o Rio a Niterói. Nessa época, morávamos
na Av. Amaral Peixoto, na antiga capital fluminense.
Instalada
a paixão futebolística, passei a acompanhar tudo que era escrito, irradiado e
até algumas vezes televisionado sobre futebol. Não me defini por nenhum time, acompanhando
qualquer jogo que o rádio transmitia.
Naquela
época, os campeonatos estaduais eram os mais importantes do calendário
futebolístico brasileiro. Até porque, grande como é o Brasil, difícil era a
realização de partidas interestaduais, dada a dificuldade de locomoção entre
grandes distâncias. Além dos campeonatos dos Estados, havia apenas um torneio
entre clubes do Rio e São Paulo, o “Roberto Gomes Pedrosa”, vulgarmente chamado
de Rio/São Paulo.
Eram
os estaduais a coqueluche do futebol aqui praticado.
No
Rio de Janeiro, os grandes clubes eram os que ainda são hoje considerados como
os melhores: Botafogo, Vasco, Fluminense e Flamengo. Mas, também eram tidos
como “quase grandes” o América e o Bangu.
Os
mais antigos devem lembrar do time do América, que tinha Osni, Oswaldinho,
Dimas, Maneco, Alarcon e outros. O Bangu, em transação milionária, patrocinada
por Castor de Andrade, conhecido banqueiro do jogo do bicho, contratara Zizinho ao Flamengo, tido como um dos maiores
meias que o Brasil já teve em todos os tempos, titular absoluto da seleção
brasileira vice-campeã do mundo. Além dele, lá estavam Luiz Borracha, Rafaneli,
Mirim, craques de primeira linha.
O
Fluminense tinha Castilho, Píndaro e Pinheiro; Vitor, Lafayete, Orlando Pingo
de Ouro. O Flamengo alinhava Garcia, Biguá e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan;
Joel, Rubens, Índio, Benitez e Esquerdinha. O Vasco da Gama, base da seleção
brasileira de 1950, tinha Barbosa, Augusto e Juvenal, Eli, Danilo e Jorge; Tesourinha,
Friaça, Maneca, Ademir e Chico.
O
Botafogo era o mais fraco dos considerados “grandes”. Lá jogavam Oswaldo Baliza, Paraguaio,
Geninho, Ruarinho, Bob, Richard, Orlando Maia, Arati, segundo me recordo.
Muitos
deles foram nomes de meus “jogadores” de botão...
Poucos
jogos eram televisionados, apenas alguns aos sábados à tarde. Durante muito
tempo houve uma briga bastante intensa entre clubes e televisão para que os jogos
fossem transmitidos ao vivo. Naquela época não havia vídeo tape.
Entre
os poucos jogos que vi pela televisão, ficou marcado na minha memória aquele em
que Heleno de Freitas, o maior ídolo do
Botafogo até 1948, então contratado pelo América, fez sua estréia no
Maracanã. Devido ao seu temperamento explosivo e à sífilis, que já corroia seu
corpo, foi expulso no fim do primeiro tempo.
Mesmo
os times considerados como “pequenos”, quase todos eles clubes dos subúrbios
cariocas, como Bonsucesso, Olaria, São Cristóvão, Madureira, tinham bons jogadores.
O Madureira, de Irezê, Bitum e Weber (este, muitos anos mais tarde, meu colega
na magistratura do antigo Estado da Guanabara); Olavo, o violento zagueiro do
Olaria; Santo Cristo, centro avante do São Cristóvão. Além do Canto do Rio,
clube de Niterói, que conseguiu vaga para disputar o campeonato carioca desde a
década de 1940, por influência do então interventor do antigo Estado do Rio de
Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto. O Cantusca era defendido por craques como
Carango, Jairo e Zequinha, entre vários outros.
O
campeonato era disputado nos moldes do atual Brasileirão:pontos corridos, jogos
de ida e volta, em dois turnos.
Quando
eu já havia completado doze anos, torne-me sócio do Canto do Rio, cuja sede
ficava perto do apartamento onde morava. Então, passei a acompanhar os jogos do
time no Estádio Caio Martins. Eram domingos de festa, quando o alvi-celeste de
Niterói recebia Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Bangu, América,
Madureira, Bonsucesso, São Cristóvão, Olaria.
Os
anos se sucediam e a cada começo de temporada eu ia ao Maracanã para assistir o
Torneio Início, outra grande festa do futebol.
Vi
jogar praticamente toda a geração que foi campeã do mundo em 1958. Acompanhei
Gerson começar no Canto do Rio em 1955 e, mais tarde, Zé Maria também ali jogar
seu primeiro ano como profissional, em 1959.
Os
grandes campeonatos, por toda a década de 50, eram os estaduais.
No
“carioca” pontificaram Garrincha, Didi, Nilton Santos, Amarildo, Manga, Castilho,
Zizinho, Jairzinho, Rubens, Dequinha... muitos craques, muita saudade...
Os
clubes e a televisão parece que finalmente chegaram a um acordo e as emissoras
passaram a pagar as transmissões, o que hoje é uma das principais fontes de
renda dos clubes.
Surgiram
os empresários, levando do Rio e do Brasil as jovens promessas do nosso
futebol. Veio o Campeonato Brasileiro, a Libertadores, e hoje os clubes chegam
a ver os estaduais como um estorvo em seus calendários.
Por
isso, quando estão envolvidos em outra competição que consideram de maior
importância, relegam a segundo plano os campeonatos locais.
Colocam
em campo equipes reserva, cumprem tabela...
Morreu...
acabou-se... “quem comeu se regalou”...
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