sábado, fevereiro 25, 2017

OS TIMES CARIOCAS..

OS TIMES CARIOCAS

Calfilho



      Quando chegamos ao fim de fevereiro e alguns times brasileiros já cumpriram ou estão cumprindo suas participações em alguns torneios e campeonatos, tentaremos fazer aqui uma breve análise do que os espera neste ano de 2017.
       Vou ficar somente nos cariocas, aqueles que acompanho mais de perto, apesar de que, atualmente, com a chamada globalização, talvez sejam até mais noticiados os times de outros Estados brasileiros e até de outros países.
      Aqui, se analisarmos apenas os elencos, acredito que o Flamengo sai na frente. Manteve a base do ano passado (que já era muito boa) e contratou alguns reforços interessantes. Também manteve o técnico, cria da casa, que tem a vantagem de conhecer bem os jogadores, principalmente aqueles que foram criados no clube. Se prevalecer a qualidade do elenco, até em relação aos reservas, o rubro negro já leva vantagem.
     O Fluminense trocou de técnico, perdeu alguns jogadores (Fred, o principal artilheiro, desde o ano passado, que continua fazendo muitos gols no Atlético Mineiro), contratou poucos jogadores conhecidos, mas começou bem a temporada, apresentando um futebol bonito e gostoso de ver. Aí, o dedo do técnico Abel Braga, que conhece muito bem o ambiente do clube, onde jogou e foi técnico em outras oportunidades. Promete...
      Já o Vasco também trocou de treinador, trazendo de volta o já desgastado Cristóvão, que começando a carreira no clube, em substituição a Ricardo Gomes (vitimado por um AVC durante uma partida contra o Flamengo), rodou por outros clubes e Estados, não chegando a obter sucesso em nenhum deles. O time manteve Nenê, seu principal jogador, além do goleiro Martin e Andrezinho, desfazendo-se de Diguinho, Jorge Henrique e outros menos cotados. Acabou de contratar Luiz Fabiano, com idade um pouco avançada para o futebol, mas que teve sucesso anos atrás, principalmente quando defendeu o São Paulo. Incógnita, a nosso ver...
       Finalmente, o meu Botafogo... Pegando logo de cara, no início da temporada, uma verdadeira pedreira pela frente, disputou em quatro partidas eletrizantes e de acabar com qualquer coração, a pré-Libertadores da América. Ganhou, perdeu e empatou, enfrentando duas equipes que têm muita tradição nesse Torneio: Colo-Colo do Chile e Olímpia, do Paraguai. Acabou conseguindo a classificação a duras penas, em partida dramática no Defensores del Chaco, na disputa de penalties...
     Sinceramente, não sei até onde poderá ir esse time. A temporada é dura: Carioca, Libertadores, Copa do Brasil e Brasileiro. Não tem elenco para isso tudo e já vimos, no Carioca, que os reservas estão muito longe da qualidade dos titulares (que não é nada de assombrar)... 
      Contratou Montillo, que seria o toque de classe no meio de campo, mas o mesmo já se machucou, como se machucava no Santos... Luiz Ricardo demora a voltar de contusão, o mesmo acontecendo com nosso maior jogador, o goleiro Jefferson... Não temos reserva à altura para as laterais e para o meio de área. No ataque, a contratação de Roger não resolveu e Canales, o chileno contratado ano passado como grande artilheiro, jogou apenas três partidas e só fez um gol, não saindo do Departamento Médico... Sassá, o desmiolado, apesar de não ser nenhum craque, pelo menos ajudava no ataque... Mas, desde o final do ano passado começou a ter ataques de vedetismo e quase joga fora nossa classificação para a Libertadores deste ano...
       Sinceramente, não sei... Esperemos que a estrela do técnico Jair Ventura e a de Pimpão volte a brilhar com bastante intensidade este ano e possamos passar com distinção pelas competições que nos esperam...

quinta-feira, fevereiro 23, 2017

MAIS SUFOCO... AO QUADRADO...

MAIS SUFOCO... AO QUADRADO...

Calfilho


      Como escrevi ontem aqui mesmo, o jogo do Botafogo contra o Olimpia, do Paraguai, seria uma partida de fortes emoções...
   Apesar de ter a vantagem do empate, graças à vitória alcançada no primeiro jogo, no Engenhão, sempre achei que essa vantagem era insignificante. A partida seria em Assunção, num estádio que é um verdadeiro caldeirão, com a torcida ficando praticamente em cima dos jogadores. E a torcida, em quase sua totalidade, seria do Olimpia... E 1 X 0 é muito pouco como vantagem...
    O Botafogo, desde a época em que Zagallo foi seu treinador, no final da década de 60 do século passado, passou a utilizar uma filosofia de jogo de priorizar o setor defensivo e decidir os jogos em rápidos contra ataques... Naquela época, entretanto, o time tinha Jairzinho, Roberto Miranda, Rogério e Paulo Cesar atuando na linha de frente e Gerson e Carlos Roberto defendendo o meio de campo e alimentando o ataque...
    Os anos decorreram, as equipes alvinegras passaram a ser de  medianas para medíocres (salvaram-se o Campeonato Brasileiro de 1995 e alguns cariocas - não nos esqueçamos que o clube ficou 21 anos sem ganhar um carioca), mas essa filosofia de jogo de defender-se bem e tentar um contra ataque rápido continuou sendo a marca registrada do time.
      Ano passado, 2016, quando conseguimos a brilhante classificação para a Libertadores de 2017, jogamos dessa forma em todo o Brasileiro: defesa e meio de campo consistentes, sólidos, e a velocidade de Neílton, Sassá ou Pimpão para marcar os poucos gols que nos deram algumas vitórias muito importantes... Quando conseguíamos algum golzinho no decorrer da partida, já sabíamos que o final do jogo seria de sofrimento, de angústia, com o time todo lá atrás, defendendo-se como podia, tentando evitar o gol de empate do adversário...               Algumas vezes essa tática deu certo, em outras infelizmente não... Levávamos o gol nos últimos minutos de jogo, alguns até nas prorrogações...
   Este ano, nos jogos iniciais da chamada pré-Libertadores, a mesma filosofia de jogo foi utilizada... Contra o Colo-Colo, aqui no Rio e no Chile e contra o Olimpia, no nosso estádio... Jogamos sempre nos defendendo, dando a iniciativa das jogadas ao adversário, deixando que eles rondassem nossa área, que nos levasse perigo até o apito final do juiz...       Deu certo e nós, torcedores, sabemos o que sofremos, sabemos o sufoco que passamos...
     Torcer pelo Botafogo, depois que acabou a era Garrincha, Nilton Santos, Didi, Quarentinha, Amarildo, Gerson, Jairzinho, Roberto, sempre foi um grande teste para  os corações alvinegros, substituindo, com vantagem e intensidade, qualquer prova de esforço em esteira ou bicicleta ergométrica...
 Dissemos na matéria de ontem que consideramos fraco o nosso time. E não somos somente nós que achamos isso. Vários comentaristas esportivos de nossos jornais e televisão também pensam assim. A força da equipe, depois que o filho de Jairzinho, o Jair Ventura, assumiu sua direção técnica, reside na união dos jogadores, na entrega, na doação em campo, de não considerar nunca um resultado adverso como definitivo. Enfim, de lutar até o fim, suando a camisa com devoção e empenho. Por isso, disse ontem que considero que o Botafogo joga no seu limite...
    Não concordo com a tática que o treinador tem utilizado nos últimos jogos, principalmente o de ontem. Colocou o time todo na defesa, abdicou do ataque, entregou o campo de jogo ao adversário, que ficou martelando nossa defesa o tempo todo... Isso é tática de time pequeno e o Botafogo não é um time dessa dimensão... Pode não ter atualmente grandes craques em seu elenco, mas tem uma camisa gloriosa a ser defendida...
    Realmente, ontem, depois do previsível e previsto gol do Olimpia, quase no final do jogo, achei que tudo estava perdido...                Poderíamos ter tomado o segundo gol e toda uma campanha, tão esperada e desejada, iria por água abaixo... "Água mole em pedra dura tanto bate até que fura"...
     Conseguimos segurar o placar contra de 1 X 0 até o final do jogo, o que nos permitiu decidir a partida na disputa das penalidades máximas... Fomos felizes e os paraguaios infelizes, como perfeitamente poderia ter sido o contrário... Se acontecesse o inverso, ou seja, o Olimpia classificado e o Botafogo eliminado, os comentários de hoje seriam bem diferentes...
  Não podemos jogar dessa maneira os demais jogos que se aproximam, deixando o adversário, até inferiores tecnicamente, tomar conta do jogo, ocupando nosso campo e abdicando do ataque... Temos que ter equilíbrio em campo, é certo, mas não podemos deixar de ter ambição... 
 Caso contrário, muitos corações botafoguenses não aguentarão o sufoco dos finais de jogo...
     Minha professora de matemática do Liceu dizia que "quadrado" é quase sempre maior que "dobro", "triplo" ou outro multiplicador...
  Com o Botafogo estamos sofrendo sufocos... ao "quadrado"...

terça-feira, fevereiro 21, 2017

HORA DA VERDADE...


HORA DA VERDADE...

Calfilho


       Amanhã, no final da  noite (talvez por imposição da Rede Globo de Televisão, que não quer deixar seus fiéis telespectadores sem a novela noturna), o Botafogo joga uma cartada decisiva na sua caminhada pela Libertadores das Américas.
     Foi difícil a trajetória para alcançar a ambicionada classificação. Depois do fracasso de 2014, quando também chegou ao torneio continental e fez campanha ridícula, com muito esforço e dedicação volta à sua disputa este ano.
     Ainda numa fase pré-grupos, conseguiu eliminar o Colo-Colo do Chile, depois de duas partidas emocionantes e muito sufoco...
Aqui no Rio de Janeiro, no primeiro jogo, conseguiu vencer o Olimpia do Paraguai, apenas por 1 X 0, levando uma vantagem mínima para o segundo encontro em Assunção.
    Nos últimos anos (muitos anos), o Botafogo não tem frequentado a Libertadores. Tudo fruto das péssimas administrações que mergulharam o clube em dívidas que o sufocam e, consequentemente, não obtendo êxito em formar um elenco como aqueles da década de 60 do século passado.
       Segundo comentário do ex-jogador Paulo Cesar, que começou no clube e chegou à seleção brasileira, o "time é fraco".
            Concordo com ele. 
        Mas, o que lhe falta em talento, em genialidade, em inspiração, sobra-lhe em dedicação, em empenho, em... transpiração...
     Foi assim que conseguiu a suada classificação no Brasileiro do ano passado, depois de ter amargado a segunda divisão no anterior, 2015.
       O time jogou o segundo semestre de 2016 e joga agora, neste início de Libertadores, em seu limite, no máximo de suas forças.
    Não tem craques, aqueles melhores dotados tecnicamente ora estão machucados (Montillo, Carli) ou mal fisicamente (Camilo). O ídolo, o goleiro Jefferson, está há mais de sete meses fora do time, recuperando-se de uma grave lesão. Os reservas são fracos, bem abaixo do nível dos titulares (veja-se a campanha no Campeonato Carioca).
      Agora mesmo, para o jogo decisivo contra o Olimpia, joga sem o lateral direito Jonas (suspenso) e o "craque" Montillo (machucado).
         Esperemos que a boa estrela do Pimpão volte a brilhar como em vezes anteriores e que consigamos a merecida classificação...
         Fortes emoções nos aguardam..
         Haja coração...

sexta-feira, fevereiro 17, 2017

A MORTE DO "CARIOCA"...

A MORTE DO “CARIOCA”...


Calfilho


O título pode sugerir que algum carioca famoso tenha falecido, mas não se trata disso. O tema é mais ameno. Vou tentar falar do “campeonato” carioca de futebol.
Lembro-me perfeitamente que, no início da década de 1950, quando eu acabara de completar oito anos de idade e o Brasil, meses depois, perdia vergonhosamente no Maracanã a Copa do Mundo, a primeira após a Segunda Guerra Mundial, meu pai me levou para assistir uma partida no maior estádio do mundo. E, aí a paixão que já aflorava em mim pelo esporte bretão ganhou mais força, mais intensidade. Ouvira pelo rádio e acompanhara pelos jornais a malfadada Copa do Mundo, onde o Brasil tinha tudo para ganhar e perdeu a final de forma medíocre, até covarde, segundo o noticiário da época. Realmente, eram poucas as seleções que aqui vieram disputar o torneio mundial, já que a aviação comercial internacional ainda engatinhava e muitos países europeus preferiram não se arriscar a uma travessia oceânica de navio após os horrores da guerra recém finda. O Brasil ganhara fácil, goleando mesmo, a Suécia e a Espanha, o Maracanã fora construído para ser o palco da festa brasileira. Mas, na final contra o Uruguai, perante quase duzentas mil pessoas, nossa seleção, repleta de craques, fracassou, dando um vexame que só foi suplantado sessenta e quatro anos depois, com a derrota brasileira para a Alemanha, em pleno Mineirão, por sete gols a um.
Meu pai não quis me levar nesse jogo contra o Uruguai, temeroso de que as comemorações após a vitória tida como certa e a conquista do título mundial fossem terminar em tumulto, naquele Rio de Janeiro de 1950, onde os bondes ainda trafegavam pelas ruas e as velhas barcas ligavam o Rio a Niterói. Nessa época, morávamos na Av. Amaral Peixoto, na antiga capital fluminense.
Instalada a paixão futebolística, passei a acompanhar tudo que era escrito, irradiado e até algumas vezes televisionado sobre futebol. Não me defini por nenhum time, acompanhando qualquer jogo que o rádio transmitia.
Naquela época, os campeonatos estaduais eram os mais importantes do calendário futebolístico brasileiro. Até porque, grande como é o Brasil, difícil era a realização de partidas interestaduais, dada a dificuldade de locomoção entre grandes distâncias. Além dos campeonatos dos Estados, havia apenas um torneio entre clubes do Rio e São Paulo, o “Roberto Gomes Pedrosa”, vulgarmente chamado de Rio/São Paulo.
Eram os estaduais a coqueluche do futebol aqui praticado.
No Rio de Janeiro, os grandes clubes eram os que ainda são hoje considerados como os melhores: Botafogo, Vasco, Fluminense e Flamengo. Mas, também eram tidos como “quase grandes” o América e o Bangu.
Os mais antigos devem lembrar do time do América, que tinha Osni, Oswaldinho, Dimas, Maneco, Alarcon e outros. O Bangu, em transação milionária, patrocinada por Castor de Andrade, conhecido banqueiro do jogo do bicho, contratara  Zizinho ao Flamengo, tido como um dos maiores meias que o Brasil já teve em todos os tempos, titular absoluto da seleção brasileira vice-campeã do mundo. Além dele, lá estavam Luiz Borracha, Rafaneli, Mirim, craques de primeira linha.
O Fluminense tinha Castilho, Píndaro e Pinheiro; Vitor, Lafayete, Orlando Pingo de Ouro. O Flamengo alinhava Garcia, Biguá e Pavão; Jadir, Dequinha e Jordan; Joel, Rubens, Índio, Benitez e Esquerdinha. O Vasco da Gama, base da seleção brasileira de 1950, tinha Barbosa, Augusto e Juvenal, Eli, Danilo e Jorge; Tesourinha, Friaça, Maneca, Ademir e Chico.
O Botafogo era o mais fraco dos considerados “grandes”.  Lá jogavam Oswaldo Baliza, Paraguaio, Geninho, Ruarinho, Bob, Richard, Orlando Maia, Arati, segundo me recordo.
Muitos deles foram nomes de meus “jogadores” de botão...
Poucos jogos eram televisionados, apenas alguns aos sábados à tarde. Durante muito tempo houve uma briga bastante intensa entre clubes e televisão para que os jogos fossem transmitidos ao vivo. Naquela época não havia vídeo tape.
Entre os poucos jogos que vi pela televisão, ficou marcado na minha memória aquele em que Heleno de Freitas, o maior ídolo do  Botafogo até 1948, então contratado pelo América, fez sua estréia no Maracanã. Devido ao seu temperamento explosivo e à sífilis, que já corroia seu corpo, foi expulso no fim do primeiro tempo.
Mesmo os times considerados como “pequenos”, quase todos eles clubes dos subúrbios cariocas, como Bonsucesso, Olaria, São Cristóvão, Madureira, tinham bons jogadores. O Madureira, de Irezê, Bitum e Weber (este, muitos anos mais tarde, meu colega na magistratura do antigo Estado da Guanabara); Olavo, o violento zagueiro do Olaria; Santo Cristo, centro avante do São Cristóvão. Além do Canto do Rio, clube de Niterói, que conseguiu vaga para disputar o campeonato carioca desde a década de 1940, por influência do então interventor do antigo Estado do Rio de Janeiro, Ernani do Amaral Peixoto. O Cantusca era defendido por craques como Carango, Jairo e Zequinha, entre vários outros.
O campeonato era disputado nos moldes do atual Brasileirão:pontos corridos, jogos de ida e volta, em dois turnos.
Quando eu já havia completado doze anos, torne-me sócio do Canto do Rio, cuja sede ficava perto do apartamento onde morava. Então, passei a acompanhar os jogos do time no Estádio Caio Martins. Eram domingos de festa, quando o alvi-celeste de Niterói recebia Vasco, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Bangu, América, Madureira, Bonsucesso, São Cristóvão, Olaria.
Os anos se sucediam e a cada começo de temporada eu ia ao Maracanã para assistir o Torneio Início, outra grande festa do futebol.
Vi jogar praticamente toda a geração que foi campeã do mundo em 1958. Acompanhei Gerson começar no Canto do Rio em 1955 e, mais tarde, Zé Maria também ali jogar seu primeiro ano como profissional, em 1959.
Os grandes campeonatos, por toda a década de 50, eram os estaduais.
No “carioca” pontificaram Garrincha, Didi, Nilton Santos, Amarildo, Manga, Castilho, Zizinho, Jairzinho, Rubens, Dequinha... muitos craques, muita saudade...
Os clubes e a televisão parece que finalmente chegaram a um acordo e as emissoras passaram a pagar as transmissões, o que hoje é uma das principais fontes de renda dos clubes.
Surgiram os empresários, levando do Rio e do Brasil as jovens promessas do nosso futebol. Veio o Campeonato Brasileiro, a Libertadores, e hoje os clubes chegam a ver os estaduais como um estorvo em seus calendários.
Por isso, quando estão envolvidos em outra competição que consideram de maior importância, relegam a segundo plano os campeonatos locais.
Colocam em campo equipes reserva, cumprem tabela...
Morreu... acabou-se... “quem comeu se regalou”...

quinta-feira, fevereiro 16, 2017

SUFOCO...



SUFOCO...

  

Calfilho


              Ontem à noite decidi deixar a preguiça de lado e acompanhei meu filho ao estádio Nilton Santos, o popular Engenhão.  Já faz tempo que perdi o entusiasmo de me deslocar até um campo de futebol para assistir uma partida do esporte que admiro desde criança. A violência que hoje impera dentro e fora dos estádios, a difícil locomoção, o trânsito permanentemente engarrafado do Rio de Janeiro, a volta para casa quase sempre muito difícil, além da qualidade medíocre dos espetáculos apresentados, fizeram-me assinante da TV a cabo e, da minha poltrona, em frente ao aparelho de televisão, assisto confortavelmente os jogos que me interessam, principalmente os do meu Botafogo. Além disso, atualmente, por imposição das “novelas” da TV-Globo, os jogos noturnos começam quase às vinte e duas horas e terminam próximo da meia-noite. Convenhamos que, no estado atual da violência e dos assaltos em nossa cidade, pegar condução na rua a essa hora é uma temeridade.
             Bem, mas ontem era jogo da Libertadores e meu filho acabou por convencer-me. Pegamos um carro da UBER antes das 20 horas e, depois de um engarrafamento monstruoso na Av. Brasil, chegamos ao estádio minutos antes do começo do jogo. Bom público, motivado pela boa campanha do time ano passado e pela ultrapassagem do primeiro obstáculo no torneio continental.
            Se não estavam completamente cheias, as arquibancadas do belo estádio estavam repletas de bandeiras e cartazes alvinegros, formando belos mosaicos com o escudo do clube quando da entrada das equipes no gramado.
            O jogo começou nervoso e o Botafogo, necessitando fazer um bom resultado em casa, lançou-se logo ao ataque. Muito desordenado, sem jogadas ensaiadas, talvez mais pela presença de alguns jogadores contratados no início deste ano,  como  Jonas,  Montillo e Roger e, pela presença da grata revelação Marcelo na zaga central. O goleiro foi o terceiro reserva Helton Leite, já que Jefferson ainda se recupera da grave lesão sofrida ano passado e Cachito Fernandez, contratado este ano ao Figueirense, estava machucado.
            Aos 14 minutos, Montillo sente uma lesão muscular e pede sair. Entra João Paulo, contratado este ano, vindo do Santa Cruz. O Botafogo trocava muitos passes no meio do campo, com pouca penetração e raros chutes a gol. O Olimpia, do Paraguai, procurava apenas se defender, mas tocava bem a bola. Entretanto, sem maior perigo para Helton Leite. Até que, numa jogada ocasional, sem maiores pretensões, Jonas bate um lateral próximo à área paraguaia. A bola é lançada com força, mais parecendo um escanteio, resvala na cabeça de um zagueiro paraguaio que a disputou no alto com Roger e acabou sobrando para Pimpão. Este, de costas para o gol, rapidamente tentou uma bicicleta, mesmo assediado por outro jogador paraguaio, e a bola acabou entrando. Botafogo 1 X 0...
           O primeiro tempo terminou com jogadas amarradas de meio de campo.
           No segundo período, Bruno Silva, um de nossos melhores jogadores, ficou no vestiário, também sentindo lesão muscular. Foi substituído pelo jovem Guilherme, emprestado pelo Grêmio de Porto Alegre.
           O Botafogo, então, perde completamente o domínio do meio de campo, passando o Olímpia a controlar o jogo. E foi essa a tônica do segundo tempo... O time paraguaio jogando praticamente na metade do campo do Botafogo, e este se defendendo como podia. Senti, preocupado, como tantas outras vezes, que o gol do empate poderia acontecer a qualquer momento... Time que só se defende acaba levando gols... “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura...”.
           Enfim, a duras penas e com muito sofrimento para os corações botafoguenses, conseguimos segurar a vitória... 1 X 0 e olhe lá...
           Gostei das atuações de Marcelo na zaga (esse não sai mais do time: muita personalidade, muita raça e bom futebol); do Victor Luiz na lateral esquerda, combativo e atuante como sempre; do Aírton, incansável no meio de campo e do Pimpão, não tão brilhante como no jogo de volta contra o Colo-Colo, mas correndo muito, dedicando-se ao extremo e sendo premiado com o gol da vitória. Decepcionei-me, mais uma vez, com Camilo (que parecia alheio ao jogo, perdendo bolas divididas no meio de campo, que resultaram em perigosos contra ataques) e do Roger, que parece estar completamente fora do ritmo da equipe.
            O time me pareceu muito cansado no segundo tempo, não conseguindo acompanhar a correria do Olímpia. As contusões musculares talvez se devam ao pouco tempo de preparo na pré-temporada. Mas, essa deficiência no preparo físico talvez possa ser decisiva em jogos contra adversários mais fortes...
            Voltei para casa contente com a vitória, mas muito desconfiado e temeroso quanto a um bom resultado no jogo de volta no caldeirão do “El Chaco”...

quarta-feira, fevereiro 15, 2017

E DÁ-LHE FOGO!!!

E DÁ-LHE FOGO!!!

Calfilho




                 Nos dias atuais, quando o Brasil vive momentos de “zona de turbulência”, como dizem os pilotos de avião, melhor divagar por caminhos menos tumultuados.
                 Esqueçamos um pouco a “greve” da Polícia Militar do Espírito Santo, que o Rio de Janeiro não hesitou em tentar imitar.
                 Ridícula, simplesmente ridícula...
                 Algumas mulheres, dizendo serem esposas dos policiais militares, ocuparam (algumas continuam lá) a porta dos quartéis da corporação e, usando de excepcional “força de convencimento” e arrogante “poder de persuasão”, passaram a impedir o livre acesso dos maridos para a entrada e saída do quartel a fim de que pudessem cumprir o dever que a Constituição lhes impunha: proteger a indefesa sociedade. Se a situação fosse diferente, se alguns jovens estudantes “arruaceiros” ou outros funcionários públicos inconformados por não receberem seus salários fizessem alguma manifestação ou passeata, seriam imediatamente escorraçados pela mesma Polícia Militar, que não hesitaria em usar seu gás de pimenta, suas balas de borracha e seus cassetetes contra aqueles “famigerados vândalos”... Nenhuma “esposa” teria força suficiente para impedir-lhes a ação violenta, em defesa da “paz e tranquilidade” públicas...
                  Ridícula, simplesmente ridícula...
                  O que os “bravos” policiais militares, que foram incapazes de tirar do caminho algumas mulheres que lhes impediam a saída dos quartéis, que lhes revistaram as bolsas e mochilas (cena lamentável), conseguiram foi o que a televisão nos mostrou: mais uma vez, a revolta e o desprezo da população contra eles...
                “Apenas” 140 mortos no Espírito Santo e ninguém tem nada com isso, ninguém é responsável por nada... Discursos, discursos, nada de concreto, nada de prático, nada de real. Quando a sociedade coloca uma arma nas mãos de um policial militar é para que ele defenda a população contra os marginais, os ladrões, os assaltantes, os estupradores, os assassinos... Caso contrário, melhor deixar que os cidadãos de bem também se armem e se defendam, como nas cenas do velho oeste norte-americano... Depois, falam em “Lei do Desarmamento”...
                  Bem, esse assunto me dá náuseas, por isso pretendo divagar por ares menos poluídos...
                  Falar do meu Botafogo seria um bom assunto... A equipe, que fez uma campanha extraordinária ano passado, saindo da zona do rebaixamento para alcançar a classificação para a almejada “Libertadores da América”, sofreu alguns desfalques no começo deste ano, mas conseguiu fazer algumas boas contratações... Enquanto perdemos Sidão (um excelente reserva para o absoluto titular Jefferson, que custa a se recuperar de grave lesão), Diogo Barbosa e Neílton, contratamos Montillo, Roger e Cachito Rodriguez para o gol. Não são contratações espetaculares, mas dentro da realidade financeira do Botafogo.  A diretoria e a Comissão Técnica preferiram abandonar o Campeonato Carioca para dedicar-se exclusivamente à fase de classificação para a Libertadores. A decisão foi arriscada, pois se perdêssemos para o adversário inicial, o conhecido Colo-Colo do Chile, teríamos dado adeus ao torneio continental, depois de termos abandonado o Carioca. As cobranças logo viriam e o trabalho de todo um ano poderia ir por terra logo no início da temporada. Passamos, com dificuldade (como sempre acontece com o Botafogo) pelo clube chileno, e hoje enfrentaremos o primeiro jogo contra o Olímpia, do Paraguai, time também de tradição e campeão por três vezes da Libertadores.
             Nosso time não é de encher os olhos, o técnico Jair Ventura ainda está ajustando peças, mas temos que confiar. Esperemos que Camilo se dedique mais em campo, que Montillo volte a apresentar o futebol que mostrou anos atrás no Cruzeiro e que Roger mostre ser o artilheiro     que sempre foi nos clubes por onde passou.
             Tenho muitas dúvidas quanto ao goleiro que deverá jogar hoje, o reserva Helton Leite, que até hoje só demonstrou insegurança na defesa do arco alvinegro. Mas, confio no jovem Marcelo na zaga, no meio de campo com Aírton e Bruno Silva, no lateral esquerdo Vítor Luiz. E, lá na frente, que o incansável Pimpão volte a mostrar a garra de sempre e que sua estrela volte a brilhar...
            E DÁ-LHE  FOGO!!!





segunda-feira, fevereiro 13, 2017

INOCENTES TEMPOS FELIZES...



INOCENTES TEMPOS FELIZES...

Calfilho





              Toninho aguardava tocar a sineta chamando os alunos para o início da aula.
             Vá­rios meninos e meninas ali estavam, naquela espécie de varanda, mais uma sala de espera ao ar livre, com uma grande mesa retangular ao centro e quatro bancos de ma­deira, dois maiores ao longo e outros dois menores nas pontas. Todos estudavam no mesmo ho­rário, alguns na mesma turma, uns mais adiantados, outros mais atrasados. A aula, para todas as classes começava às seis da tarde, terminando dez minutos para as sete. A grande maioria tinha de onze a dezesseis anos, quase todos estudavam em colé­gios de ensino se­cundário de Niterói, en­tão a capital do antigo Estado do Rio de Janeiro. A grande maioria, no Liceu Nilo Peçanha.
           Ingressavam na Cultura Inglesa por determinação dos pais, já que o idioma era considerado como muito importante naquela época, início de 1956. Os ginásios ensina­vam o francês, o inglês e o latim, mas de forma superficial, sem maior profundidade. Já a Cultura Inglesa, filial da escola da Inglaterra e com sucursais em quase todo o mundo, tinha um curso aperfeiçoado, que, se completados os sete anos, dava direito, inclusive, a ser professor da língua em escolas brasileiras.
            O prédio, um casarão cinza de dois andares, ficava na rua Otávio Carneiro, nº. 83, em Icaraí, lado esquerdo da primeira quadra de quem vinha da praia. As aulas, para a maioria das turmas, eram dadas três vezes por semana: segundas, quartas e sextas. Para os mais adiantados, do quinto ano em diante, apenas duas vezes, terças e quintas.
       Toninho já estava no segundo ano. Gostava muito da professora, Mrs. Lemgruber, uma portuguesa simpática, com os cabelos começando a embranquecer, óculos que lhe davam um ar severo e excelente professora. Assistia às aulas com assiduidade, o que lhe servia de excelente reforço para o colégio, onde o ensino do idioma não era tão proveitoso como ali.
           Enquanto aguardava o início da aula daquela quarta feira de abril de 1956, ele conversava com alguns colegas de sua turma. Começou a reparar, entretanto, numa more­ninha miúda, cabelo tipo rabo de cavalo, olhos verdes cintilantes, sentada à sua frente, também aguardando sua aula. Ela parecia muito tímida, pouco à vontade junto àquelas pessoas, das quais talvez não conhecesse ninguém.                 Tinha os olhos baixados sobre um livro de aula, não os desviava para ninguém. Toninho, no verdor dos seus 14 anos com­pletados no mês anterior, ficou encantado com a menina.
         Propositadamente, enquanto conversava com um colega ao seu lado, fingiu deixar escorregar sua caneta em direção ao livro que ela lia.
           – Desculpe, foi sem querer – disse, olhando timidamente para ela.
           A menina levantou rapidamente os olhos, baixando-os em seguida.
          – Por nada – respondeu.
          Ele tentou puxar conversa.
          – Você estuda em que turma?
       Ela continuou com os olhos enfiados no livro à sua frente. Respondeu, com voz um pouco hesitante:
         – Entrei este ano, estou começando.
       Toninho parecia encantado com a garota, sua simplicidade, sua timidez. Ele, de sua parte, também estava bastante nervoso, já que, como ela, era muito tímido.
            Decidiu alongar a conversa. Perguntou, o coração aos pulos:
           – Está gostando?
           – Sim, muito – demorou ela a responder.
          A sineta tocou, chamando os alunos para as respectivas salas de aula.
          – Até logo, prazer em te conhecer. Qual seu nome mesmo?
          Ela, ainda sem levantar os olhos para ele:
          – Selma...
          – O meu é Antonio. Antonio Carlos. A gente se vê outro dia.

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         Na sexta feira seguinte, pouco depois das cinco, já estava na sala de espera da Cultura Inglesa.           O local estava vazio, era muito cedo para as turmas que iriam ter aula às seis da tarde. Ansiava por rever a menina, que povoara seus sonhos naqueles dois últimos dias.
        Morava no centro de Niterói, naquela época uma cidade tranquila, de pouco trân­sito nas ruas.             Por isso, ele e outros meninos e também meninas da sua idade iam para o colégio e andavam pela cidade de bicicleta. Ladrão quase não existia, por isso o cuidado maior que tinham com seus veículos era um frágil cadeado que trancava a roda traseira. Daqueles antigos, redondos, sem corrente, apenas um fecho vagabundo que pretendia trancar alguma coisa. Ele vinha da Amaral Peixoto, a grande avenida que saía das Barcas e subia até o Hospital Antonio Pedro, dali rumando até a rua Otávio Carneiro, em Icaraí, condu­zindo sua bicicleta Monark azul, aro 28. Às vezes, fazia um trajeto mais longo, pas­sando pelo Ingá, bairro de Niterói onde morara por dois anos, criado na rua, jogando bola de gude, futebol descalço, pescando na Praia das Flechas, ali pertinho, no início da rua, entre os hotéis Atlântico e Ingá. Nessas ocasiões, ia mais cedo para a Cultura, só para passar alguns instantes com os antigos colegas da rua Nilo Peçanha: Maurinho, José Car­los, Caoca, Ricardinho, Sérgio, Sebastião, Valmir...
          Os outros alunos da turma das seis começavam a chegar. Então, ela também apa­receu. Para sua surpresa, montada em uma pequena bicicleta feminina, sem quadro, aro 24. Deixou-a encostada junto a várias outras que ali aguardavam seus donos, sentou-se no longo banco de madeira, novamente em frente a ele.
         “Deveria morar ali por perto para vir sozinha de bicicleta, tão novinha”, pensou ele com seus botões.
         Cumprimentou-a com um sorriso, que ela retribuiu, com uma ponta de indife­rença. Ele retraiu-se um pouco, ante a reação pouco amistosa que recebeu da menina. Continuou a conversar com um colega sentado ao seu lado, olhando disfarçadamente para ela de vez em quando. Como na quarta feira anterior, ela enfiou os olhos no livro de aulas à sua frente, levantando-os apenas uma vez ou outra, sem fixar-se em nada específico. Aparentava estar sem graça, pouco à vontade. Aliás, uma das primeiras coisas que nela reparou foi seu olhar: vago, sem direção, parecendo olhar para o nada...
Toninho continuava a conversar com seu colega, fingindo estar muito interessado no que o outro dizia. Seu pensamento, entretanto, estava paralisado, fixado naquela more­ninha de rabo de cavalo sentada à sua frente, que nem parecia perceber que ele ali estava.
        Tocou a sineta para o término da aula anterior à deles. Mais dez minutos e ela to­caria outra vez chamando os alunos para a turma das seis. Os alunos das cinco horas dei­xavam suas salas, alguns pegavam suas bicicletas ali estacionadas e deixavam o local.
        Ele conhecia quase todo mundo que estudava ali. A grande maioria era com­posta de alunos do Liceu Nilo Peçanha, então o melhor colégio de ensino médio da ci­dade. Ou­tros, ele os conhecia do futebol que costumava jogar nos diversos campos então espalha­dos por todo o território niteroiense, ou mesmo nas praias das Flechas ou Icaraí. Outros mais ainda, do tempo em que morara no Ingá. Ni­terói, em 1956, mesmo sendo capital do Estado do Rio de Janeiro, era uma típica cidade de interior, mero dormitório daqueles que trabalhavam durante o dia na vizinha Rio de Janeiro, então o Distrito Federal, a capital do País. Niterói, apesar de ter vários bairros tradicionais, como Barreto, Engenhoca, Santa Rosa, Fonseca, vivia mais em torno de sua zona sul, composta por Ingá e Icaraí. Os bon­des elétricos ainda trafegavam por suas ruas calçadas por paralelepípedos. São Francisco, Charitas, Piratininga, Itaipu, Itacoatiara eram locais distantes, de difícil acesso, com pou­cos moradores, sem nenhuma infraestru­tura de esgoto e água.
         Ali, Toninho vivia seus 14 anos de idade...
      – Quantos anos você tem? – perguntou a Selma, já passado mais de um mês da­quela breve primeira conversa que tiveram na sala de espera da Cultura.
        Ela enrubesceu, ficou sem graça. Com sua timidez habitual, respondeu baixinho:
        – Doze...
       Ele também ficou vermelho, sem saber o que dizer. “Tão novinha”, pensou... Per­guntou, para não fugir da conversa:
        – Mora aqui perto? Te vejo chegar sempre de bicicleta...
         Ela, ainda sem fitá-lo nos olhos, respondeu:
         – Não, moro no centro, perto do Jardim São João.
         Ele ficou mais vermelho ainda. Comentou, sem pensar direito no que dizia:
         – Puxa, perto de mim. Eu também moro no centro.
         Emendou:
       – Mas, você não tem medo de vir de bicicleta da sua casa até aqui, em Icaraí? A aula termina quase às sete, já está escuro.
         Ela respondeu, arriscando um primeiro olhar para ele:
        – Não, não tem perigo, já estou acostumada.
      Mesmo assim, ficou preocupado. Não sabia o itinerário que ela fazia, havia uns trechos de ruas que não eram calçados, quando chovia era lama pura, além da iluminação ser bem precária. A rua São Sebastião, por exemplo... ou a Fagundes Varela...
      Mas, Niterói dos anos 50 era uma cidade onde se podia andar por qualquer rua, qualquer viela, sem maiores preocupações. Típica cidade interiorana, apesar de tão pró­xima do Rio de Janeiro, separadas as duas apenas pela baía de Guanabara.
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        Os dias se passaram, semanas, poucos meses...
       Houve um breve período de férias na Cultura, apenas vinte dias, no mês de julho... Toninho não via a hora em que as aulas iriam recomeçar, queria revê-la, ouvir sua voz, olhar nos seus olhos... Mas, nem sabia direito onde ela morava, ficava imaginando onde seria... Uma vez, ela disse por alto que morava perto do campo do Niteroiense, ali na es­quina da Gomes Machado com Visconde de Sepetiba, campinho onde já jogara várias partidas de futebol pelo Liceu e por outros times que o convidavam para jogos amisto­sos...
    Bem, o período de férias passou rapidamente, as aulas da Cultura Inglesa retorna­ram para completar o resto do ano.
    Toninho já conversava agora com Selma mais descontraído, ela às vezes chegava a olhá-lo rapidamente de frente, olho no olho. Ele ficava encantado com seu olhar. Aqueles olhos ver­dinhos, bem claros, penetravam-lhe fundo na alma, mexiam com o me­nino de quatorze anos. Seu pai também tinha olhos verdes, ainda mais claros que os dela, mas nunca pres­tara muita atenção nisso. Já o olhar dela, quando, nas poucas vezes em que se fixavam um no outro, era impressionante, deixava-o tonto de emoção.Parecia que, quando ela o olhava, conseguia atravessar seu corpo, fitando alguma coisa por trás dele, como se fosse uma nuvem flutuando no ar. Ela raramente olhava dentro de seus olhos diretamente, pare­cia olhar através deles.
        Quatorze e doze aninhos...
Então, já em setembro de 1956, depois de já se cumprimentarem e conversarem até com certa animação, enquanto aguardavam a hora das respectivas aulas, ele bolou um plano para saber onde ela morava. Ela nunca dizia, apesar dele indagar, procurar saber. Queria saber mais dela, conhecê-la melhor, quem sabe serem verdadeiros amigos no fu­turo.
        – Perto do Jardim São João – respondia ela evasivamente.
      “Por que eu tenho que dizer a ele onde moro? Será que ele vai querer se enfiar na minha casa?”, pensava ela.
        Numa sexta feira, último dia de aula na Cultura na semana, ele chegou cedo, por volta de quatro e vinte da tarde. Esvaziou os dois pneus de sua bicicleta, retirou as válvu­las de tripa de mico que vedavam a saída do ar. Sentou-se no banco de madeira da sala de espera, aguardando os demais alunos da turma das seis.
       Quando Selma chegou em sua pequena bicicleta, encostou a mesma junto às ou­tras que ali se encontravam e foi sentar-se em seu lugar de sempre, em frente a Toninho. Cumprimentaram-se rapidamente, ele já conversava com outro rapaz sentado ao seu lado direito.
         -- Oi, Selma, queria te pedir um favor --- disse ele, sem coragem de encará-la.
         Ela, surpresa, olhou para ele timidamente. Perguntou:
         -- O que foi? Precisa de alguma coisa?
         Ele demorou a responder. Finalmente, disse:
        -- Queria te pedir uma carona na tua bicicleta... Furaram os dois pneus da minha – apontou para a velha Monark, jogada ali num canto.
         Ela relutou.
          -- Por que você não vai de trolley?
         Ele, rápido, retrucou:
         -- Estou sem dinheiro. Nunca trago dinheiro para aqui.
         Ela ficou em silêncio.
         A sineta tocou, chamando os alunos para as aulas.
        Quando todos já se levantavam, dirigindo-se para as respectivas salas, ela disse, sem encará-lo:
         -- Está certo, te dou uma carona...

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            Ficaram amigos depois daquele dia.
            Para ele, foi uma das melhores noites de sua vida...
Sim, noite, pois quando pegaram a bicicleta, ele conduzindo, ela atrás, já estava escuro, mais de sete da noite... Saíram da Otavio Carneiro, passaram pela Praia de Icaraí (antes de ser Alberto Torres), dobraram à esquerda, na direção de Itapuca e do Ingá...
         Ela não dizia nada, devia estar pensando; “Minha mãe sempre me disse para não conversar com estranhos”...
       Bem, ficou quieta, sem dizer uma palavra. Ele também, mudo totalmente. Subiram a Paulo Alves, pegaram a São Sebastião, chão de terra batida, uma subida de um morro que havia ao lado, conhecido como do Estado... Ele suava, transpirava bastante para fazer a pequena bicicleta subir a íngreme ladeira. Finalmente, esbaforido, chegaram à Andrade Neves, depois a Almirante Tefé, o Rink. Descendo a Visconde de Uruguai, chegaram à Amaral Peixoto.
          Ela perguntou:
          -- É aqui que você mora, não é?
          -- Sim -- disse ele, olhando para o edifício na esquina.
          -- Então, me deixa aqui, que sigo sozinha – retrucou ela.
         Ele não perderia aquela oportunidade. Apesar de toda sua timidez, insistiu:
         -- Não, deixa eu te levar em casa, me diz onde é.
         Ela ficou sem jeito de responder, não queria que pensasse que era mal educada.
        -- Ali, na frente, aquela ruazinha junto do Jardim São João, junto do campinho do Niteroiense... Vai pedalando, eu te mostro -- respondeu.
         Ele pedalou, chegaram.
      -- Da. Cacilda, muito prazer – estendeu-lhe a mão, quando a mãe de Selma veio re­cebê-la no portão da casa da Alcides de Figueiredo. – A Selma já me falou muito sobre a senhora.
        Era uma mulher bonita, olhos verdes, escondidos atrás de duas grossas lentes de óculos escuros.       Loura, altura mediana, magra, muito bem vestida. Olhou com certa curio­sidade para ele, que acabara de encostar a bicicleta de Selma no muro da casa.
      -- Esse é o Antonio Carlos, mamãe, um colega da Cultura Inglesa. Dei-lhe uma ca­rona pois furaram os dois pneus da bicicleta dele.
        -- Gente ruim essa – comentou Cacilda. – O prazer é todo meu, Antonio. Não quer entrar, tomar um café?
        Ele olhou para Selma, como que esperando sua aprovação. Ela nada disse, apenas retribuiu seu olhar.
         -- Se não for incomodar, agradeço, Da. Cacilda – respondeu ele.
       Entrou, bebeu o café, sentou-se no sofá da pequena sala, onde pontificava um grande piano como mobília principal. Conversaram por pouco tempo, Toninho ficou im­pressionado com a mãe da menina, que parecia ser pessoa muito inteligente, falando com desenvoltura e sendo precisa em suas opiniões.
        Logo despediu-se, pois achava que não tinha mais assunto para conversar com as duas.
        Foi a pé para a Amaral Peixoto, o coração aos pulos, pleno de satisfação e alegria.

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         Surpresa maior...
       Uma semana depois, quando deixava o Liceu, após o término das aulas do turno da manhã, pouco antes do meio dia, ele viu Selma chegando junto ao portão grande que havia ao lado da entrada principal do colégio. Ele conversava com alguns colegas de turma, enquanto saboreava um picolé, que acabara de comprar na carrocinha do Paulino, um “kiboneiro”, que fazia ponto em frente ao Liceu...
        Ele, quando a viu, ficou surpreso:
        -- Você também estuda no Liceu? Por que não me disse antes? – perguntou.
        -- Você não me perguntou... – respondeu Selma, com um sorriso maroto.
        Ele estudava, naquele ano de 1956, no quarto ano ginasial do Liceu, no turno da manhã. Ela, no turno da tarde, cursando a segunda série.
     O coração dele voltou a pular dentro do peito. “Legal, agora poderia ficar mais perto dela, estudavam no mesmo colégio, o melhor de Niterói”, pensou rapidamente.
        -- Puxa, conversamos tanto tempo na Cultura e só agora descobri que você estuda no Liceu.
       Ela, friamente, olhar fugidio, como era seu jeito:
       -- É verdade... Bem, tenho que ir, minha primeira aula vai começar.
       Despediram-se com um formal aperto de mãos.


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         Toninho não cabia em si de satisfação... afinal, ela também estudava no seu colé­gio. Ele adorava o Liceu, onde ingressara em 1953, após passar no exame de admissão. Cursara as três primeiras séries do curso ginasial no turno da tarde e, agora, em 1956, es­tava terminando o quarto, no turno da manhã, o sonho dos alunos que estudavam à tarde: o convívio mais direto com as coisas do colégio, com os alunos do científico e clássico, mais velhos, mais experientes, onde poderiam realmente participar das ativida­des sociais e esportivas promovidas pelo Grêmio.
       Ele era fã de futebol, jogava até razoavelmente bem para os garotos de sua faixa de idade, fora um dos líderes do time da rua Nilo Peçanha, quando morara por três anos no Ingá. Também jogava futebol de salão e tênis de mesa no Canto do Rio, clube que ficava perto do centro da cidade, onde morava naquele ano de 1956.
       Por isso, ele e vários outros que chegaram ao turno da manhã procuraram se en­turmar com os mais antigos, entrando numa ou outra pelada que eram jogadas com entu­siasmo nas quadras de basquete e vôlei, nas horas do recreio ou quando havia algum horá­rio vago, entre uma aula e outra. Invariavelmente, voltavam para as salas com o uniforme todo suado, às vezes marcado por uma bola que lhes manchava a camisa. Aliás, no turno da tarde, até 1955, os alunos usavam um pesado uniforme, calça, camisa, gravata e dólmã cor de burro quando foge, um misto de amarelo e marrom, chamado na época de cor cá­qui. Só em 1956 o Liceu mudou seu tradicional uniforme para outro mais leve: calça azul marinho, camisa branca, gravata azul. Para os ginasianos, a indicação da série que cursa­vam vinha em braçadeiras, colocadas no fim das mangas curtas: uma lista, primeira série; duas listas, segunda até a quarta lista, que correspondia ao quarto ano ginasial.
        Para os alunos do científico e clássico, a indicação vinha em estrelas bordadas so­bre os ombros: uma estrela, primeiro ano; duas ou três estrelas, segundo e terceiro anos.
       As meninas desde o ginásio usavam saia azul, blusa branca, a indicação da série em ambos os braços...
       Por isso, quando Toninho viu Selma usando aquele uniforme tão querido para ele, a braçadeira indicando que ela estudava na segunda série do ginasial, não coube em si de contentamento... Afinal, agora, além da Cultura, poderia vê-la mais de perto, no seu colé­gio...

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      Visitou-a outras vezes, quando passava por sua rua, querendo saber mais dela...Às vezes, Da. Cacilda estava em casa, mandava-o entrar, tomar um refrigerante. Outras, não havia ninguém em casa, ele passava com a bicicleta em frente ao portãozinho da casa da Alcides de Figueiredo, voltava para o apartamento da Amaral Peixoto, um pouco frus­trado por não tê-la visto naquele dia. Outras vezes, entretanto, encontrava-a em casa, quando conversavam um pouco mais livremente.
     Ela contou-lhe que tinha um irmão, mais velho que ela, que iria fazer concurso para a Aeronáutica, então carreira ambicionada por vários jovens que terminavam o gina­sial. Só o viu uma vez, alguns anos depois, ele já fardado com o uniforme da Força Aérea Brasileira.
          Mas, o ano de 1956 terminava, Toninho iria colar grau no ginasial. Festa de for­matura, missa na Catedral do Jardim São João, baile no Regatas...
          Tudo passou tão rapidamente, perdeu a noção da velocidade do tempo...
        Em feve­reiro de 1957, seu pai decidiu levar a família toda para a Europa, onde, anualmente, fazia um curso em escolas de medicina europeias... Foram seu pai, sua mãe, seus irmãos, sua avó... Só retornaram no fim de abril, tendo ele perdido um mês e meio de aulas no Liceu, onde já cursava o primeiro ano do então curso científico. Conversou com os professores, eles concordaram em repetir para o mês de abril a mesma nota que tirasse nas provas de maio. Era bom aluno, cursara todas as quatro séries do ginasial na primeira turma, que era considerada pelos demais alunos como a turma dos CDFs. E, agora, no científico, quando havia apenas duas turmas, também fora colocado na primeira, devido às boas notas que tirara no ano anterior.
     Durante a viagem, nas poucas ocasiões em que não tinha nada para fazer, seu pen­samento retornava para a moreninha de olhos verdes e cabelo rabo de cavalo de Niterói. Quando voltou, procurou logo visitá-la, levando alguns presentes que comprara para ela e para a mãe, que serviram como pretexto da visita. Conversaram bastante sobre a viagem, ele contou-lhe minucio­samente os detalhes das visitas a Nápoles, Roma, Milão, Paris e Londres. Como foram úteis os dois anos de Cultura Inglesa, já que seu pai só falava o francês. E, também, como tanto lhe serviram os quatro anos de francês do Liceu, princi­palmente os três primeiros, do turno da tarde, com Da. Estefania, sua doce professora de cabelos grisalhos... Seu pai saía do hotel para o curso no Bois de Boulogne por volta das oito da manhã e só retornava lá pelas oito da noite. Era ele, Toninho, quem levava a mãe, a avó e os irmãos gêmeos para conhecerem as atrações de Paris: museus, monumentos, passeios, etc... E ele tinha apenas quatorze anos naquela época, acabou completando os quinze num jantar com o pai e a mãe num restaurante do Champs Elysées...
        Ela ouvia tudo com atenção, mas não demonstrava maior empolgação, maior emoção... Aliás, essa era uma de suas características: ouvia tudo, atenta, mas distante, com aquela névoa que parecia encobri-la quando os dois conversavam... Talvez fosse a forma que encontrava para manter uma certa distância entre ela e as outras pessoas...
          Voltaram à rotina de sempre. Liceu, Cultura, às vezes ia visitá-la, ouvi-la tocar pi­ano, conversar um pouco... Sentia-se cada vez mais atraído pela menina, mas ela não de­monstrava ter o mesmo sentimento em relação a ele. Tratava-o bem, parecia gostar de conversar com ele, mas parecia mais preocupada com seus estudos. Não se abria com ele, não era expansiva. Ele, por sua vez, tímido como era, também não ousava fazer perguntas mais íntimas sobre ela, sua família...
      Toninho, naquele ano, começou a se interessar pelo Grêmio do Liceu, então acé­falo, sem praticamentequalquer atividade. Uniu-se a outros colegas da sua e de outras turmas, que juntos participavam de um “racha” nos horários de recreio ou de aulas vagas e decidiram revitalizar o Grêmio. Lançaram um nome de um aluno mais antigo, então no terceiro ci­entífico paraa presidência, e, numa eleição de candidato único, foi empossada a nova diretoria para o ano de 1957.
       Introduziram, na hora do recreio, inicialmente no turno da manhã, um breve pro­grama que Toninho e um colega de turma, Irapuam, apresentavam: a “Hora do Grêmio”, quando eram abertas e fechadas as janelas da “Broadway”, que davam para o pátio onde alunos e alunas desfilavam, comiam suas merendas e conversavam animadamente. O programa durava 20 minutos, justamente o tempo destinado ao intervalo do recreio e to­cava discos 78 rotações dos sucessos da época, principalmente rock: Elvis, Little Richard, The Platters, além de transmitir parabéns por algum aniversário de liceísta ou dar notícias das atividades sociais, esportivas e culturais do Grêmio Nilo Peçanha...
        No ano seguinte, 1958, quando Toninho já cursava o segundo ano científico, a “Hora do Grêmio” também foi estendida ao recreio do turno da tarde, fazendo enorme sucesso entre os alunos (principalmente as meninas) do ginasial, que tinham como seus maiores ídolos aqueles colegas mais velhos do científico ou clássico, que estudavam pela manhã.
         Finalmente, a “Hora do Grêmio” também foi apresentada em alguns dias da se­mana, no turno da noite, já em 1959.
           Selma estudava ainda no turno da tarde, em 1957.
          Nesse ano, Toninho ainda a visitava durante a semana, na parte da tarde. Dona Cacilda tratava-o muito bem, afinal a filha tinha poucos amigos ou amigas e aquele me­nino vinha conversar com Selma em casa, nada de encontros na rua. Ela trabalhava du­rante o dia, Toninho nunca perguntou onde e nem qual sua profissão, mas às vezes estava em casa à tarde. Simpatizou com o menino e achou que ele parecia ser uma boa compa­nhia para a filha, muito educado, respeitoso, cerimonioso às vezes.
        Ele, por sua vez, gostava muito de conversar com ela, ouvir com atenção o que falava. Aliás, uma das coisas que sempre fez na vida foi ouvir os mais velhos, tentando absorver suas experiências de vida. Assim era com sua mãe, seu pai, seu avô materno. No Liceu, procurava sempre andar com a turma dos alunos de séries mais adiantadas, jogava futebol com rapazes mais velhos, apesar de ser um garoto franzino aos quinze anos. Os papos com dona Cacilda eram demorados e, para ele, muito proveitosos, abrindo-lhe vá­rios caminhos para a vida adulta que já não estava muito longe.
          Já em 1958, quando cursava o segundo científico e se dedicava de corpo e alma às atividades do Grêmio, ia ao Liceu pela manhã para suas aulas e à tarde para apresentar a “Hora”. Praticamente, deixou de visitá-la durante a semana. Às vezes, quando não tinha jogo por seu time de futebol ou não ia à praia com alguns amigos, passava na casa dela num fim de semana ou outro. Convidava-a para alguma festinha na casa de uma colega de turma, para tomar um sorvete. Ela às vezes aceitava, outras inventava uma desculpa e não ia. Dona Cacilda acompanhava tudo de perto, vigilante na educação e nos cuidados com a filha.
          Aquele tempo passou rapidamente, quase não percebeu.
      Toninho, agora, totalmente absorvido com as atividades no Grêmio, que promovia partidas amistosas de futebol de salão, vôlei masculino e feminino com os outros colégios de Niterói, começou a deixar os estudos para um segundo plano. Fora as excursões espor­tivas para o Colégio Naval, Marambaia e Cachoeiro do Itapemirim, quando vários dias de aula foram perdidos. Suas notas começaram a cair vertiginosamente e aquele aluno exemplar do ginasial transformava-se agora num estudante de aproveitamento apenas regular.
           Não tinha tempo livre para mais quase nada.
      Além das aulas regulares do curso científico do Liceu, pela manhã, ia para casa, almoçava rapidamente e voltava para a salinha do Grêmio na parte da tarde, para atender os alunos desse turno na venda de passes de trolley com desconto para estudantes e outras atividades esportivas, além de apresentar a “Hora do Grêmio”, no intervalo para o recreio.
         Às terças e quartas, tinha aula na Cultura Inglesa, por volta das quatro da tarde. E, de segunda a sexta, das seis às oito da noite, cursava o pré-vestibular para medicina, que fazia no Curso Pasteur, na rua Marquês do Paraná. Seu pai era médico e muito o influen­ciou para que também cursasse medicina, por isso optou por fazer o científico quando terminou o ginasial.
        Assim, só via Selma uma vez ou outra no recreio da turma da manhã, onde ela também já estava, cursando a quarta série do ginasial.
       Um dia, pela manhã, acabara de jogar uma pelada na quadra de basquete do Liceu, quando a viu sentada num dos bancos de cimento do pátio, lendo um livro. Foi até o pe­queno tanque que ali havia, ao lado do banco onde ela estava, lavou o rosto e molhou os cabelos em desalinho.
       Ela estava linda, a pele moreninha contrastando com aqueles maravilhosos olhos verdes que tanto o atraíam. A blusa do uniforme do Liceu, branquinha, dava-lhe um as­pecto ainda mais encantador, o cabelo penteado naquele rabo de cavalo característico realçava a beleza de seu rostinho de criança.
      Subitamente, sem saber até hoje o porquê daquela atitude que tomou, virou-se para ela e perguntou de uma só vez, as palavras atropelando-se em sua boca:
         -- Selma, a gente se conhece há alguns anos. Acho que a gente já está na época de pensar em alguma coisa mais séria. Vamos começar a namorar?
           Ela levantou os olhos do livro que lia e respondeu simplesmente, sem qualquer emoção na voz, aquela névoa característica envolvendo-a:
             -- Não.
           Ele ficou paralisado, sem saber o que dizer. Demorou algum tempo para recuperar o controle. Depois, apenas disse:
          -- Tudo bem, eu quase que esperava essa resposta. Pode ficar tranquila que nunca mais repito essa pergunta.
       “Bem – pensou consigo mesmo – fiz a tentativa, agora já sabia que ela não tinha por ele o mesmo sentimento”.Dali para a frente, só a trataria como uma irmã mais nova, desistiria daquela história de namoro”.
         Não era o caso da fábula da raposa e das uvas, de autoria de Esopo e reescrita por La Fontaine. É claro que ficou frustrado com a resposta da menina, pois acreditava since­ramente que o que sentia por ela era correspondido. Mas, por outro lado, teve uma sen­sação de alívio. Nunca pensara seriamente em ficar amarrado a algum namoro naquela fase da vida, quando tinha apenas dezesseis anos e ansiava por curtir aqueles momentos maravi­lhosos de sua adolescência: festas, praia, fu­tebol, uma cervejinha aqui, outra ali, até um porrezinho eventual, sem compromissos, sem responsabilidade. Intima­mente, ele, que nunca namorara, não sabia como ira comportar-se com aquela rotina de visitar a namo­rada terças e sábados, irem a um cinema de mãos dadas, como era o cos­tume da época. Não era um menino re­belde, mas bem que gostava de uma farrinha. E o Liceu, naquele fase de sua vida, bem que lhe proporcionava isso tudo.
        Seus colegas mais próximos já namoravam meninas mais novas ou mesmo algu­mas da mesma turma, por isso ele foi impelido a fazer a proposta de namoro a Selma. Agora que ela a recusara, sentia-se liberado para curtir seus anos dourados.
       Naquele dia, logo após a negativa de Selma, voltaram a conversar normalmente sobre outros vários assuntos, como se aquele pequeno diálogo que tiveram momentos antes nunca tivesse acontecido.

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         1959 chegou, era o último ano de Toninho no Liceu. Quando chegou novembro, houve a colação de grau do curso científico, com a entrega do diploma numa bela soleni­dade no Teatro João Caetano e o baile de formatura no Clube de Regatas Icaraí.
          Toninho, muito elegante, trajando um “summer” branco, o topete tipo Elvis no alto da testa,  dançava a valsa pelo amplo salão do clube.. Sua madrinha, girando com ele pelo salão, era Selma, também num elegante vestido branco...

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          A vida seguiu, ele ainda continuou no Liceu por mais um ano, 1960, mesmo após ter entrado para a Faculdade de Direito (abandonou a ideia de cursar medicina, contrari­ando a vontade do pai). Orientava e ajudava os novos diretores do Grêmio, já en­tão uma grande força no cenário estudantil do Estado do Rio de Janeiro.
         Ela concluiu o ginasial, começou a cursar o clássico, pois também pretendia fazer vestibu­lar para a Faculdade de Direito de Niterói.
          Às vezes ele ainda a visitava, batiam longos papos. A afinidade entre eles era muito grande, os dois se entendiam muito bem.
          Um dia, numa dessas suas visitas, dona Cacilda comentou:
         -- Puxa, eu estava observando a conversa de vocês dois... Há quanto tempo vocês se conhecem?
         Ele pensou um pouco antes de responder:
        -- Uns quatro ou cinco anos, dona Cacilda. Eu conheci Selma na Cultura, em 1956, acho que foi isso... disse, em tom meditativo.
         -- Foi isso mesmo – retrucou Selma na hora. -- Em 1956.
      -- Pois parece que vocês se conhecem há muito mais tempo. Tem ocasião que eu reparo que quando vocês conversam, principalmente quando estão entre outras pessoas, vocês nem precisam de palavras para dizer o que pensam. Um olha para o outro, como se adivinhasse o que cada um de vocês dois estava pensando-- continuou dona Cacilda.
      “Engraçado – imaginou Toninho – parecia que aquilo era mesmo verdade”. “Os dois se davam tão bem, que às vezes as palavras eram desnecessárias quando estavam numa conversa. Parecia que um já sabia antecipadamente o que o outro pensava, bas­tava uma simples troca de olhares entre eles”. “Na realidade, tudo aquilo se confirmava: pareciam muito mais dois irmãos, que já tinham convivido juntos desde o nascimento”.
         Toninho engoliu em seco, ela pareceu não entender o que a mãe dissera.

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        Depois que entrou para a faculdade, só a via esporadicamente.
       Uma vez em Nova Friburgo, quando ali ficou alguns dias e ela estava numa casa de parentes ou amigos.
      Uma outra, quando ela pediu sua ajuda para fazer entrar um amigo num baile de Carnaval no Canto do Rio, clube do centro de Niterói.
        Depois, passado algum tempo, ele já tinha pouco mais de 20 anos, num baile do clube Pioneiros, no bairro Vital Brasil, quando Toninho dançou com dona Cacilda e re­lembraram os dias tranquilos de antigamente.
       Dona Cacilda foi procurá-lo uma vez no emprego dele, em 1964. Saíram, foram fazer um lanche na leiteria Brasil, na rua da Conceição, onde conversaram por mais de uma hora.Na época não entendeu direito o motivo daquela visita, mas aquela conversa foi muito útil para ele, que havia perdido o pai pouco menos de um ano antes, num trá­gico acidente, e estava meio desorientado sobre qual rumo a tomar na vida, como planejar seu futuro. Ele gostava de conversar com ela, que lhe fez várias observações sobre aquele momento de incerteza. Ele ouviu tudo com muita atenção e, nos anos seguintes, orientou sua vida seguindo muita coisa do que dela ouvira. Foi a última vez que a viu.

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         Ele casou com outra, tiveram vários filhos.
         Ela, por sua vez, também casou com outro e também teve filhos.
        Só se viram novamente, quase cinco décadas depois, no aniversário de setenta anos de um amigo comum.
        Ela, acompanhada do marido. Ele, da mulher.
      Ele, com muito menos fios de cabelo na cabeça, já ficando grisalhos, e vários quilos a mais no corpo... Ela, ainda mantendo a mesma silhueta magrinha, os mesmos cintilantes olhos verdes, só o cabelo já não era mais o rabo de cavalo, agora cortado curto em cima dos ombros. A mesma nuvem pairando sobre ela...
        Cumprimentaram-se, trocaram um beijo em cada lado da face...
        Ele sorriu e matutou consigo mesmo:
        “Foi a primeira vez que trocaram um beijo...”.
        Ao fim da festa, os dois casais se despediram.

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         E, como nos livros de contos de fadas, viveram felizes para sempre...

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