quarta-feira, julho 25, 2007

E DAÍ...

E DAÍ...




O nome dela: Jane.
O dele: Márcio.
Nenhum dos dois tinha certidão de nascimento... Não foram registrados, não conheceram direito o pai e a mãe... Deles, somente restaram lembranças vagas, imprecisas, de uma infância miserável, faminta, maltratada...
Chamavam-se por esses nomes quando se conheceram, apenas para ter algum nome para um se dirigir ao outro... Dormiam nas calçadas, em Araruama, lá no interior do Estado do Rio...
Ele, com quinze anos; ela, com treze...
Chegaram à Tonelero, em Copacabana... Pediam uma coisa aqui, outra ali...
Sobreviviam...
Era tão bonito quando eles pediam alguma coisa e você dava... Um pedaço de pão, uma roupa velha, até uma oração...
" Crianças, isto é o que eu posso fazer por vocês...".
Eles... tão distantes, tão descrentes de tudo e de todos... Olhares tristes, sem esperança, sem presente, sem futuro... Araruama, bem longe... Nada a ver com Copacabana, aonde vieram parar pensando conseguir algo melhor... Onde viemos parar?
Deixaram rolar as coisas... Uma migalha aqui, outra ali... A vida, tão difícil em Copacabana, decidiram voltar para Araruama... Pediram a você dinheiro emprestado para a passagem, você deu...
Araruama, pior ainda... Fome. Frio. Sede... Sem ninguém para lhes dar a mão, para ajudar... Preconceito contra a pobreza, pior que no Rio... Nem ao menos as migalhas de Copacabana...
Voltaram... A pé, de carona... Tonelero, outra vez...
Juntaram-se a um outro grupo de abandonados, da mesma idade que eles, que já tinham tomado conta de seu antigo ponto na calçada, debaixo da marquise daquele edifício, quase esquina com Santa Clara...
Quatro meninos e duas meninas, todos sujos, maltrapilhos e subnutridos...
Durante o dia, perambulavam pelas ruas, pediam aqui e ali, comiam o que conseguiam arranjar... Um pão duro, um café com leite, quando tinham alguma sorte...
À noite, reuniam-se todos embaixo da marquise, dividiam entre si oito cobertores velhos, aqueciam-se nas madrugadas frias dormindo encostados uns nos outros, os corpos sujos e magros embolados, gozando inconscientemente, até sem perceberem....Jane engravidou... O pai, talvez não fosse o Márcio, não sabia em quem encostara... E daí?
Márcio morreu... assassinado por um segurança de um cara rico, todo poderoso, grande industrial, morador da Tonelero, que nem sabia onde ficava Araruama... Márcio pediu uma esmola ao segurança, este não gostou, Márcio respondeu com um palavrão... No dia seguinte, pela manhã, seu corpo estava estirado no chão, junto ao túnel da Pompeu Loureiro, com duas balas na cabeça...
E daí?
Jane, hoje continua embaixo de uma marquise, morando em uma calçada... Arranjou um novo companheiro, Reginaldo... Está com uma barriga de sete meses...
Tonelero jamais, distância dela...
Ali mataram o Márcio...
Santa Clara, agora...
E daí?

* * *

3 comentários:

Jorge Cortás Sader Filho disse...

E assim caminha a vida miserável, maldita, incerta e não sabida!
A 'vergonha na cara', do nosso Capistrano de Abreu, ainda não foi posta em vigor, amigo Carlinhos. É pena! Grande abraço.

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Verdade nua e crua.
Cada dia mais jovens jogados à sarjeta, numa mistura que dá pena.
Não vemos projeto, preocupação das autoridades, de nenhum lado.
Assim vamos, sem esperança no futuro.
Parabéns, Carlinhos!
Beijos 💋
Yara Nogueira