HISTORINHAS DO JÚRI (II)
Calfilho
Era um julgamento pelo tribunal do Júri, numa pequena cidade do interior do RJ, meados dos anos 70 do século passado.
Nessas cidades com poucos habitantes, encravadas e esquecidas em longínquos rincões do Estado, era raro acontecer um julgamento pelo júri, que só tem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, ou sejam, o homicídio, o aborto, o infanticídio e o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio. Crimes de morte nessas pequeninas cidades são raros de acontecer, já que lá quase todo mundo se conhece desde a infância, normalmente são lugares calmos e de vida rotineira. Uma igrejinha, uma agência bancária, pequenas lojas comerciais, um barzinho e o resto, residências. Pelo menos, naquela época.
Por isso, o julgamento estava movimentando quase toda a população da cidade, curiosa em assisti-lo.
Tratava-se de um filho de um importante fazendeiro da região, um dos últimos "coronéis", que, após uma bebedeira, discutira com um colega de copo e, da discussão, ocorreram ofensas mútuas, e o acusado, puxando de um facão que sempre carregava na cintura, desferiu dezesseis golpes no antagonista. Morte imediata, sem chance de transporte ao modesto hospital da cidade. A vítima também era pessoa conhecida na cidade, dono de uma pequena loja de venda de produtos agrícolas.
Tanto o juiz, como o promotor de justiça eram novatos nas respectivas carreiras, nomeados que foram após aprovação em recentes e rigorosos concursos. O advogado de defesa era um daqueles conhecidos antigos da região, sem maior formação jurídica, um dos muitos "rábulas" existentes naqueles tempos nas pequenas cidades do interior do país. Bonachão, barriga avantajada, sorriso largo no rosto, dava-se bem com todos por aquelas bandas.
O julgamento começou, foram ouvidas várias testemunhas, presenciais ou não, o réu apresentou versão de legítima defesa.
O dr. Promotor pediu a condenação em homicidio qualificado, ressaltando a violência e gravidade dos dezessseis golpes de facão e a improcedência das alegações da defesa.
O advogado, em sustentação meio confusa e enrolada, defendeu a tese de legítima defesa da honra (naqueles anos era tese rotineira no Júri) e da vida, já que, segundo algumas testemunhas, a vítima também teria feito menção de puxar uma arma.
Os jurados, após rápida deliberação chegaram à conclusão já esperada por todos, tendo em vista a importância da família do réu na região: absolveram-no pelo homicídio.
Mas,surpresa:condenaram-no pela estranha acusação da contravenção de porte de arma, também contida na denúncia e aceita pela pronúncia.
O juiz, todos de pé, solenemente, leu a sentença. "Absolvo o réu pelo crime de homicídio. Condeno-o, entretanto, à pena de multa de Cr$2,70 por infringência da contravenção do
art. 19, da Lei das Contravenções Penais. Declaro, encerrada a sessão".
O dr. Promotor de Justiça, em pé, do lado direito do juiz, profundamente irritado com o resultado, pede a palavra, mete a mão no bolso da calça e tira uma nota Cr$5,00, jogando- a sobre a mesa do juiz:
"-- Excelência, eu pago a multa. O Estado pode ficar com o troco"...
3 comentários:
O caro amigo ao me alertar sobre nova postagem em seu blog, silente há bastante tempo, aludiu que deixou a preguiça de lado.
Que preguiça, qual nada, denomine a fase de "ócio produtivo", como já rotularam, disseram e escreveram escribas conceituados.
Você tem, a meu juízo, um enorme talento literário, seja na ficção, seja no romance baseado em fato reais, ou na narrativa pura e simples.
Não vou me arvorar a crítico literário, para não ser comparado ao sapateiro que foi além das sandálias.
Já externei minha opinião, afastada a amizade duradoura, em meu sitio encontrável em:
https://jorgecarrano.blogspot.com/2018/02/minha-estante-3.html
Há sete anos portanto.
Não nos deixe privados de suas histórias.
Forte abraço.
Valeu, Carrano, obrigado pelo generoso comentário.
Quando será publicado o Historinhas do Júri III ?
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