terça-feira, julho 26, 2016

HISTORINHAS LICEÍSTAS 01...


HISTORINHAS LICEÍSTAS... 01

O FUTURO...

Calfilho



         Desciam a Amaral Peixoto naquele final de 1959. Mario, Celina, sua irmã Sonia, uma amiga muito próxima das duas chamada Carmen, e José Henrique, amigo comum e integrante da diretoria do Grêmio do Liceu.
              Haviam ficado muito próximos nos dois últimos anos, apesar de não estudarem na mesma série. Mario estava terminando o curso científico naquele ano e no mês de janeiro  seguinte, deveria estar fazendo o vestibular de medicina. Celina, Sonia, José Henrique e Carmen, também alunos do Liceu, estudavam em outras séries, abaixo da dele.
                 Ele já sentia há alguns dias a sensação de perda, um vazio dentro de si, à medida em que se aproximava o fim do ano letivo e  teria que deixar o colégio onde estudara os últimos sete anos, onde fizera muitos amigos e participara ativamente do reerguimento do Grêmio, ajudando a fazer dele um expoente nos esportes da vida estudantil da cidade.
                     Os quatro trajavam o uniforme de que tanto gostavam: calça ou saia azul marinho, camisa  ou blusa branca de manga curta, estrelas azuis nos ombros indicando a série em que estudavam, gravata azul displicentemente pendurada na gola aberta da camisa ou blusa, o escudo esmaltado azul com letras brancas LNP fixado no alto da mesma. Havia um outro escudo, o do colégio, bordado ou fixado por colchetes no ombro esquerdo da camisa ou blusa.
                Conversavam sobre o futuro, como seria a vida de cada um nos anos seguintes.
         Quando passavam pela esquina com a rua Barão do Amazonas, Mario comentou, voz um pouco embargada:
                -- Puxa, que pena a gente ter que se separar agora. Logo quando nos conhecemos melhor, ficamos tão amigos.
                   Ninguém disse nada.
                   Continuou:
                -- Mas, vocês tenham certeza, nossa amizade vai durar para sempre, nunca vamos esquecer uns dos outros. 
                   Celina então replicou:
                -- Infelizmente, não vai ser assim. Cada um vai seguir um caminho diferente, outras profissões, e talvez nunca mais nos vejamos. Tudo na vida é passageiro, nada dura para sempre.
            -- De jeito nenhum, nunca vou esquecer de vocês, desse tempo feliz que curtimos aqui no Liceu. Vocês vão sempre fazer parte da minha vida, vamos nos encontrar no futuro, não vamos deixar essa amizade tão bonita morrer assim -- replicou Mario
               -- Pode ser, mas acho isso um sonho teu. Todos nós vamos casar com pessoas diferentes, vamos seguir outras profissões, nossa vida vai mudar completamente, talvez até iremos morar em outras cidades e nunca mais nos veremos -- disse Celina, com um ar melancólico na voz.
                Sonia, José Henrique e Carmen permaneciam calados, nem um comentário saiu de suas bocas. Parece que todos compreendiam interiormente a tristeza daquele momento, preferindo ficar em silêncio.
                  Celina prosseguiu:
               -- Esta fase da nossa vida só vai servir para recordações no futuro -- disse melancolicamente.
              -- Deixa de ser dramática -- rebateu Mario. -- Ninguém sabe o que vai acontecer no futuro. Podemos até trabalhar os quatro juntos, num mesmo hospital, ou num escritório de advocacia, quem sabe? Acho que vamos trabalhar na mesma repartição, num órgão qualquer do governo. Quem sabe até algum de nós case com algum ou alguma liceísta? Você está muito amarga, Celina-- concluiu, com um sorriso amarelo nos lábios.
           Aquele era um momento de despedida. Estavam tensos, talvez até um pouco preocupados sobre como seria a entrada na vida adulta, a vida das responsabilidades. Não queriam perder aqueles dias e meses em que conviveram juntos, seja nos recreios do Liceu, em algum jogo disputado no colégio ou fora dele, em um baile no Regatas ou na casa de algum liceísta ou, talvez ainda, num ensaio ou desfile de 7 de setembro.
         José Henrique permaneceria no Liceu, onde pretendia concluir o curso científico. Mario esperava já estar na Faculdade de Medicina no ano seguinte. Celina, Sonia e Carmem iriam terminar o clássico no colégio Nilo Peçanha, no Largo do Barradas.
            Quando chegaram na esquina com a rua Visconde do Uruguai, despediram-se. Mario iria ficar por ali, pois morava perto, os outros iriam pegar o ônibus para o Barreto (lá moravam José Henrique e Carmen) e o Barro Vermelho, em São Gonçalo, onde Celina e Sonia residiam.
               A despedida foi emocionante. Quase todos deixaram rolar uma lágrima escondida no canto dos olhos. Naquele tempo ainda não havia o costume de trocarem beijinhos nos rostos, por isso, abraçaram-se fortemente.
              Viram-se ainda mais duas vezes. Nem todos.
             José Henrique ainda manteve contato com Mario depois que deixaram o Liceu. No início dos anos 60 participavam de um futebol na praia de Icaraí, no trecho entre a Presidente Backer e Lopes Trovão.
           As três meninas, Celina, Sonia e Carmem, em 1962, foram visitar Mario em sua residência, onde ofereceram-lhe um disco longplay de um famoso cantor brasileiro. 
              Na dedicatória escreveram: "Para o maninho Mario, com afeto das amigas de sempre Celina, Sonia e Carmen".
        Quinze anos depois daquela despedida do Liceu, Celina chegou a passar no local de trabalho de Mario. A recepcionista informou:
         -- Dr. Mario, tem uma senhora aqui que deseja vê-lo. Disse que é sua irmã.
            Mario nunca teve irmã de sangue. Mas, logo adivinhou quem era.
                 Respondeu:
                -- Pode mandar a Dra. Celina entrar.
              Ela entrou alegre, com aquele mesmo sorriso radiante iluminando-lhe o rosto. Conversaram bastante, mataram as saudades daqueles tempos de Liceu.
               Voltaram a não se ver por muito tempo.
             Somente em 2002, quando ele completou 60 anos de idade, marcou um almoço num restaurante do Rio, para comemorar a data. Conseguiu localizar José Henrique e pediu que ele tentasse localizar as "meninas".
            O contato foi conseguido e, no dia marcado, além de José Henrique e outros amigos seus mais próximos, uns da época do Liceu, outros atuais colegas de trabalho, lá apareceram Celina e Sonia. Todos com alguns quilos a mais, os homens já um pouco ou totalmente calvos.
           Conversaram todos animadamente, como se aqueles pouco mais de quarenta anos passados entre a despedida de 1959 e a data atual realmente não tivessem existido. Brincaram uns com os outros, rememoraram cenas passadas e, agora até chegaram a trocar beijinhos no rosto.
             Mario comentou com Celina, sentada ao seu lado:
            -- Eu não te disse que nós nunca iríamos nos separar, nunca iríamos esquecer uns dos outros?
         Ela apenas acenou afirmativamente com a cabeça. Olhar triste, vazio, como se estivesse procurando algo no passado distante...

Um comentário:

Unknown disse...

Carlinhos, voltei ao tempo!
Sai do Liceu com essa mesma sensação de despedida dos colegas.Apenas com uma diferença: levava comigo o amor da minha vida!
Com isso, diminuiu a minha tristeza.
Até que, com o advento das redes sociais,consegui encontrar um grande amigo liceísta, João ,que foi me mostrando o caminho do reencontro dos outros colegas.foi uma emoção!
Nunca imaginei vê-los depois de 50 anos!Você foi uma delas!
Obrigada, Carlinhos, por nos eternizar com seu livro, seus contos!
Parabéns!
Um grande abraço da Yara Nogueira