quinta-feira, setembro 03, 2015

AS MUDANÇAS NO FUTEBOL DO BRASIL...

 

 

 

AS MUDANÇAS NO FUTEBOL DO BRASIL


Calfilho

 
 
              Nós, os mais velhos, que acompanhamos o futebol brasileiro desde o início dos anos 50, quando perdemos a Copa do Mundo em pleno Maracanã, talvez percebamos a radical mudança que nosso futebol passou desde aquela época até os dias de hoje. Talvez os mais idosos ainda guardem lembranças da década de 40, antes do Maracanã e quando o futebol ainda vivia uma época de transição do amadorismo para o profissionalismo. Nas décadas de 30 e 40, nesse período mais romântico do nosso futebol, alguns jogadores eram identificados com os próprios clubes que defendiam. Assim, Heleno de Freitas no meu Botafogo, brigava feito louco quando defendia o alvinegro carioca. Ademir, quando nele se falava, logo se pensava no Vasco, clube que defendeu por vários anos, com apenas uma saída rápida para o Fluminense em 1946, quando deu o título de campeão carioca para o tricolor das Laranjeiras. Depois, voltou logo ao Vasco. Castilho, símbolo maior do Fluminense. Nilton Santos, jogador que só vestiu a camisa do Botafogo em sua longa carreira. Zizinho, craque que teve seu nome muito ligado ao Bangu na década de 50, apesar de ter jogado no Flamengo nos anos 40 e terminado a carreira no São Paulo, em 1957, com o título de campeão paulista. Osny, extraordinário goleiro do América, além de Dimas, Oswaldinho, Ranulfo e Maneco. Em São Paulo, tivemos Pelé, Zito, Coutinho e Pepe, com as maravilhosas histórias que escreveram no Santos. No Palmeiras, Julinho Botelho e Ademir da Guia. No Corinthians, Baltazar e Rivelino.
            Criado em apartamentos nos primeiros anos de vida e mesmo depois quando mudei para Niterói, só comecei realmente a despertar para a magia do futebol a partir de 1950, quando já tinha oito anos de vida.
              Lembro-me bem que meu pai pensou em  levar-me para assistir a fatídica partida entre Brasil e Uruguai, na final da Copa do Mundo de 1950. Eu já acompanhava o futebol ainda muito de longe, ouvindo algumas transmissões de rádio e lendo os jornais de esportes da época, mas não tinha o interesse que só apareceu algum tempo depois. Meu pai achou melhor não me levar, com receio da multidão enlouquecida que deveria encher o Maracanã para comemorar o título praticamente certo de campeões do mundo. Os jornais estampavam manchetes espalhafatosas na manhã do jogo, enaltecendo os jogadores que seriam os futuros campeões mundiais. Lembro-me bem: Barbosa, Augusto e Juvenal; Bauer, Danilo e Bigode; Friaça, Zizinho, Ademir, Jair e Chico, magnífica equipe que arrasara dias antes a Suécia por 7 a 1 e a Espanha por 6 a 1. Nos ouvidos do garoto de oito anos ainda ecoavam, através da transmissão radiofônica, os gritos do Maracanã inteiro cantando a marchinha de Braguinha "Touradas de Madri", após a sensacional vitória sobre a "Fúria Espanhola".
               Colado ao rádio ouvia Oduvaldo Cozzi transmitir a partida fatídica que o deixou mudo o maior estádio do mundo.
                Depois da tragédia meu interesse pelo futebol aumentou. A TV Tupi, ainda engatinhando, transmitia alguns jogos diretamente do Maracanã (na época não havia video-tape e as transmissões diretas eram objeto de uma grande discussão entre os clubes e as emissoras, já que aqueles achavam que a televisão roubava público dos estádios. Hoje, são eles, os clubes que correm de pires na mão atrás das emissoras, pois talvez sejam elas sua maior fonte de receita). Foi assim que vi a despedida de Heleno de Freitas do futebol, jogando pelo América, depois de ter sido um dos maiores ídolos do Botafogo na década anterior. Heleno, que eu nunca vira jogar anteriormete, depois de sair do Botafogo sem conseguir ser campeão carioca, fui jogar no Boca Juniors da Argentina, no Milionários da Colômbia, no Vasco, no seu retorno ao Brasil. Tentou voltar ao Botafogo, sua grande paixão, mas o romance entre ele e o clube estava irremediavelmente encerrado. Já apresentando os primeiros sinais da grave doença que o atingiu, aceitou o convite do modesto América para voltar ao futebol carioca. Mas, totalmente tresloucado, acabou sendo expulso na sua única partida jogada no Maracanã. Ele que reinara durante uma década em General Severiano.
              O garoto de oito anos lia todos os jornais de esportes, sabia de cor a escalação de quase todos os times do futebol carioca, colocava os nomes dos jogadores nos seus times de botão, jogava futebol com os dois irmãos com uma bola de borracha no hall do andar do edifício onde morava, na Av. Amaral Peixoto, esquina com Visconde de Uruguai.
               A paixão pelo esporte aumentou quando aos 10 anos de idade entrei para o quadro social do Canto do Rio F.C., tradicional clube da então capital do antigo Estado do Rio de Janeiro. A sede ficava perto de sua casa, por isso ia para lá quase todas as noites depois das aulas no Liceu Nilo Peçanha, onde cursava o ginasial. Lá começou a praticar o futebol de salão, basquete, tênis de mesa e até ensaiou algumas jogadas no vôlei, esporte pelo qual não muito se entusiasmou porque, naquele tempo, quando praticado por homens, era tido como esporte de efeminados. Conceito que muito mudou com o passar do tempo. No clube, em 1955, viu nascer para o futebol Gérson e Jardel, que foram protagonistas de uma sensacional equipe de futebol de salão do Canto do Rio, nos Jogos Infantís daquele ano, categoria até quinze anos.
              Não se tinha ainda definido por qual time torcer. Em princípio, gostava de todos, tal a atração que o futebol exercia sobre ele. Mas, com a frequência assídua ao Canto do Rio, clube que então disputava a primeira divisão do campeonato carioca, apesar de pertencer a outro Estado, começou a acompanhar os jogos do time no estádio Caio Martins, além dos treinos durante a semana. Passou a conhecer vários jogadores, mas três deles, por sua fidelidade, fizeram história no clube: o centroavante Zequinha, o meia armador Osmar e o ponta esquerda Jairo, ou Jairinho como era mais conhecido. Segundo me recordo, eles nunca jogaram por outro clube, mesmo tendo Zequinha e Osmar recebido propostas para atuarem por equipes de maior projeção.
              Quando o Canto do Rio tinha o mando de campo, o Caio Martins enchia, com os sócios do clube na parte direita das arquibancadas cobertas e a torcida do time visitante ocupando os lugares restantes. O campeonato carioca era disputado nas categorias aspirante e principal, começando o primeiro jogo às 13 horas e 15 minutos e o jogo principal às 15 horas e 15 minutos (engraçado, nunca vi ninguém reclamar de cansaço, mesmo jogando sob o sol escaldante daqueles horários). A grande maioria dos torcedores era dos clubes visitantes, do Rio de Janeiro, então a capital do país. Ali, os niteroienses tinham oportunidade de ver de perto os grandes jogadores dos times cariocas, como Garcia, Pavão, Jordan, Dequinha, Rubens, Índio, Evaristo, pelo Famengo; Barbosa, Eli, Danilo, Ademir, Ipojucan, Chico, pelo Vasco;
Castilho, Pinheiro, Didi, Robson, Valdo, pelo Fluminense; Nilton Santos, Basso, Richard, Dino da Costa e Vinicius (dois dos primeiros jogadores brasileiros a irem jogar na Itália),  pelo Botafogo.
                  Houve um ano, acho que em 1955, que o Canto do Rio contratou alguns jogadores veteranos do Fluminense (Veludo,Vítor e Lafaiete), o goleiro Garcia (do Flamego), Eli do Amparo (do Vasco), Floriano (do Botafogo), e formou um time relativamente forte, que ganhou alguns jogos do campeonato daquele ano.
                  Sem ainda ter-me definido como torcedor de time grande, contentava-me em torcer pelo Canto do Rio, clube que já morava em meu coração e do qual eu já era sócio atleta (disputara tênis de mesa nos Jogos Infantís de 1955), mas, acompanhando de perto os jogos dos demais times.
          Até que na partida final do campeonato carioca de 1957, presenciei pela televisão uma das mais belas e emocionantes partidas de futebol da minha vida, quando o Botafogo sagrou-se campeão, arrasando esmagadoramente a equipe do Fluminense por seis a dois. E, nessa partida como em muitas outras futuras, tive o grande privilégio de ver jogar um dos maiores jogadores de futebol do mundo inteiro: um tal de Mané Garrincha, que já desde 1953 vinha encantando as platéias cariocas, mas que ainda não tivera uma atuação como a daquele dia, em que praticamente arrasou com a defesa do Fluminense. Além dele o Botafogo tinha Didi (contratado há pouco tempo ao mesmo Fluminense), Paulinho Valentim, Nilton Santos, e, onde até Quarentinha, um grande goleador, foi parar na ponta esquerda, pois não tinha lugar para ele no meio do ataque.
                 Dali em diante, meu time estava escolhido.
                    Acompanhei, ainda pelo rádio, a Copa do Mundo de 1958, quando a seleção brasileira finalmente sagrou-se campeã mundial, tendo no time vários jogadores do meu time: Nilton Santos, Didi e Garrincha. Zagalo, no ano seguinte, iria também transferir-se para o Botafogo.
                     Sem deixar de acompanhar os jogos do Canto do Rio, passei também a assistir nos estádios aqueles em que o Botafogo jogava. Assim, vi o time ser bi-campeão carioca em 1961 e 1962, e, neste último ano, também o bi-campeonato da seleção brasileira, recheada de jogadores botafoguenses (Nilton, Didi, Garrincha, Amarildo e Zagalo). Em 1967/1968, outro bi do Botafogo, já agora com um time totalmente modificado, mas com estrelas do quilate de Jairzinho, Rogério, Roberto Miranda, jogadores que estariam na conquista do tricampeonato mundial do Brasil, em 1970.
            Os jogadores, naquela época, eram identificados com seus clubes de origem, ali ficavam por vários anos e, alguns, somente no final de carreira, trocavam de camisa.
                Depois, vieram as mudanças radicais que transformaram o futebol brasileiro na mediocridade de hoje.
              Até 1978, as seleções brasileiras que disputavam a Copa do Mundo eram formadas apenas por jogadores que atuavam no Brasil. Posso estar enganado, mas acho que a seleção de 1982, aliás uma das melhores equipes que formamos, foi a primeira a convocar um jogador brasileiro que atuava no exterior: Falcão, que era considerado o rei de Roma, depois de uma passagem brilhante pelo Internacional, de Porto Alegre. Se me equivoquei, se existiu algum outro jogador do Brasil que jogasse fora do país convocado para a seleção antes de 1982, por favor, corrijam-me. Julinho Botelho, que disputou a Copa de 54, depois que foi para a Fiorentina, não disputou a seguinte, a de 58. Talvez a mão do destino tenha interferido, pois foi a primeira disputa mundial a consagrar Garrincha. Mazzola, que também disputou a Copa de 58, foi vendido para a Itália, naturalizou-se italiano e disputou uma outra Copa por esse país. Amarildo, que substituiu Pelé, machucado, na Copa de 62, também foi vendido para a Itália e não disputou mais nenhuma outra Copa.
               Mas, com o advento da Lei Pelé (que tinha uma boa intenção, acabar com o famigerado passe que escravizava o jogador de futebol) surgiu, com grande força, a figura do empresário. Antes dessa lei ele já existia, como o português José da Gama e o argentino Juan Figger. Mas, eram apenas intermediários na compra e venda de jogadores, não tinham o poder que conseguiram depois. Passaram eles primeiro a comprar partes de jogadores, como se estes fossem meras mercadorias. Como os clubes estavam quase todos eles em estado pré-falimentar, decorrente da má administração de grande parte de nossos dirigentes, concordavam em vender parte dos direitos dos jogadores que tinham sob contrato, para que os empresários tentassem repassá-los para um comprador do exterior. E, assim foram embora Toninho Cerezo, Zico, Júnior, Edinho, seguindo as pegadas de Falcão, que fez enorme sucesso na Itália. E, nas seleções seguintes, a CBF, sempre ávida por maiores lucros, passou a convocar brasileiros que jogavam no exterior, já que os que aqui ficavam não tinham a qualidade e o prestígio dos que estavam lá fora. Foi o caso de Romário, Branco, Mazinho, Dunga (até o Dunga, quem diria?), depois Ronaldo, Ronaldinho, Rivaldo e tantos outros.
              Como os jogadores formados ( partir de 20 anos), com alguma possibilidade de venda no exterior, já escasseassem no Brasil, os empresários começaram a investir nas "promessas", aqueles que despontavam nas divisões de base com perspectiva de se tornarem craques.
               E, foi assim que algumas dessas "promessas" foram parar na Europa e outros países sem terem, ao menos, despontado em algum clube do Brasil. E, o mais surpreendente de tudo: alguns deles acabaram na seleção brasileira sem que o público e mesmo a imprensa daqui tivessem a mínima noção de onde surgiram. Casos recentes: Hulk, Firmino, Felipe Luís, Dante, Luiz Gustavo e tantos outros. Talvez aqueles mais ambientados com as divisões de base dos clubes brasileiros saibam a origem desses "craques" formados no exterior, sem nenhuma ou pouca vinculação com o jeito brasileiro de jogar futebol.
                Somado a tudo isso, a especulação imobiliária praticamente acabou com os campinhos de futebol onde as crianças davam os primeiros passos nos anos 50 e 60 do século passado.
                 Lembro muito bem que em minha infância e adolescência Niterói tinha vários campos onde se praticava o futebol: Niteroiense, Ypiranga, Manufatora, Cruzeiro, Fluminense e vários outros. Os dois primeiros sei que acabaram, os outros não sei. O futebol de salão passou a tomar conta das "escolinhas", praticamente acabando com a improvisação e o talento dos verdadeiros craques que fizeram a história do nosso futebol.
                Infelizmente, com nossas "promessas" sendo levadas para o exterior ainda com 13 ou 14 anos, o futebol que irão aprender é aquele que lhes for ensinado pelos "professores" europeus.
                 Talvez isto explique (mas não justifique) os 7 a 1 que a seleção da Alemanha impôs ao "scratch" brasileiro ano passado...
                  
 

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