terça-feira, setembro 15, 2015

AS FOCAS...

AS FOCAS...

Calfilho


                      Em outra matéria que publiquei alguns dias atrás aqui neste espaço, falei sobre alguns dos vícios de linguagem que nos assolam atualmente. Vindos principalmente de nossos repórteres televisivos e que influenciaram de forma bastante vigorosa o restante da população que, por falta de melhor opção, são obrigados a ouvi-los quase diariamente. Basta ligar o aparelho de televisão e lá vem aquela enxurrada de "com certeza", "imperdível" e "gente". E, muitos dos telespectadores, para não dizer a grande maioria, acabam tendo "certeza de tudo, sem dúvida alguma sobre nada", ou "imperdíveis" as recomendações de entretenimento sugeridas pelo apresentador, ou mesmo ainda, sendo considerados neste mundo como mais um integrante anônimo de uma coletividade de "gente".
                       Reparei também, já há algum tempo, em especial nas transmissões e entrevistas, bem como até nos debates de comentaristas especializados em partidas de futebol, que todo mundo anda "focado" em tudo que acontece.
                   -- Joaquinzinho, como você explica a derrota do seu time na partida de hoje?
                      -- Não tenho palavras para explicar. Nosso time jogou melhor que o adversário, criou as melhores oportunidades de gol, mas não conseguimos converter. Faltou a conclusão, o último chute. Mas, agora, é "levantar a cabeça", "nada está perdido", foi apenas "um acidente de percurso". O importante é que todo o grupo está "focado" num só objetivo: ganhar o campeonato.
                     O repórter esportivo, ávido por transmitir sua opinião, mostrar que também entende muito de futebol, pergunta ao treinador, na entrevista coletiva após o jogo:
                    -- Professor Janjão, todos vimos que seu time dominou o jogo, as incursões pela direita do ala Manuel estavam dando resultado, o meio de campo Luizinho jogou uma grande partida, alimentando o ataque com lançamentos perfeitos, a defesa firme e segura, por que então, a derrota?
                -- Acho que você já disse tudo sobre o jogo, não tenho quase mais nada a acrescentar. -- Entretanto, não será essa derrota que irá nos atrapalhar na caminhada para o tão almejado título. O grupo todo está "focado" nos treinamentos, na responsabilidade que têm em relação aos torcedores, e os resultados vão logo aparecer.
                  E, até nas famosas e disputadas mesas redondas após jogos de nossas emissoras, os próprios comentaristas não escapam das "focagens" sobre o tema:
                      -- Vemos que o time do treinador X está "focado" no jogo, não esmoreceu um minuto, todos se empenharam ao máximo. Faltou, talvez, um pouco de organização e calma para levar a êxito o que pretendiam: um resultado positivo
                    O pobre do telespectador, sentado em seu sofá, coração acelerado, pulsação e pressão elevadas, remoendo revoltado mais uma derrota do seu time de coração, deve ficar imaginando que está sentado sobre um pedaço de gelo, nos polos sul ou norte, ouvindo os grunhidos e assistindo a grande quantidade de focas negras disputando os peixes que conseguiram apanhar com a boca no oceano em volta delas...
                   Que desperdício: uma língua tão rica como a nossa e as pessoas que têm a obrigação de formar a opinião pública repetindo sempre os mesmos chavões, os mesmos vícios de linguagem, talvez até com receio de empregarem uma palavra errada ou que possa ter duplo sentido... Não custa nada consultar o dicionário...

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