"COM CERTEZA" E OUTRAS MAIS...
Calfilho
Fico realmente impressionado como certas expressões de nosso vocabulário assumem uma posição de relevância em nossa língua falada, e são repetidas no dia a dia, sem que as pessoas que as proferem saibam realmente o que significam.
Não ia escrever sobre isso, pois acho que minha opinião de pouco vai adiantar para mudar o que vemos diariamente. Mas, cansado de tanto ouvir essas mesmices, resolvi escrever estas breves linhas, que, se não servirão para nada, ao menos me darão alguma satisfação pessoal.
Já repararam como as pessoas atualmente têm "certeza" de tudo o que se passa ao seu redor?
O repórter de campo entrevista o jogador num intervalo de jogo de futebol:
"-- Asdrúbal, seu time já levou quatro gols só nos primeiros 20 minutos de jogo. Você acha que ele tem condições de reagir?"
Vem a resposta, na ponta da língua:
"-- Com certeza. Vamos ver o que o professor passa pra gente no vestiário e, "com certeza", vamos virar o jogo no segundo tempo."
O entrevistador indaga ao entrevistado numa reportagem sobre economia:
"-- Ministro, com a inflação em alta, os preços subindo, o desemprego rondando as empresas, o senhor acha que a situação vai melhorar?"
Vem a resposta, rápida, de bate pronto:
"-- Com certeza. As medidas que estamos implementando no momento farão com que, "com certeza", a curto prazo, nós estaremos fora da recessão."
E, como todo mundo "tem certeza de tudo", todas as coisas que nos afligem serão resolvidas no futuro. Nos telejornais diários, "todo mundo tem certeza", não têm dúvidas sobre nada, sejam os repórteres, sejam as pessoas que são entrevistadas, seja o transeunte que é pego de surpreso na rua e, até mesmo sem saber qual o motivo da pergunta que lhe é feita, responde logo:
"-- Com certeza..."
Outra expressão que os apresentadores ou repórteres da televisão usam e abusam é o "gente...".
Quando se dirigem ao telespectador, em vez de dizerem simplesmente "vocês" ou mesmo "os senhores ou as senhoras", ou mesmo "a população", disparam o vulgar "gente..".
"-- "Gente", prestem atenção, a conta de luz vai subir."
"-- "Gente", atenção quando passarem pela estrada tal, o trânsito está horrível por lá..."
"-- "Gente", tirem os agasalhos da gaveta pois vai fazer frio hoje..."
E os pobres telespectadores, todos impessoais no "gente", acabam sentindo-se realmente parte de uma "gentalha". Há uma repórter de rua do Jornal do meio dia da Globo que fala cinco palavras numa frase e três delas são "geeenteee.." (a entonação é dela).
Outra mania que outros têm, principalmente os repórteres de atrações de entretenimento, é que, para eles, tudo é "imperdível...". Tal espetáculo, tal museu, tal filme, tal jogo de futebol, tal peça de teatro, tudo para eles, é "imperdível". Não encontrei essa palavra no dicionário Aurélio e, mesmo que existisse, nada nesse mundo é "imperdível...". Sempre pode-se perder alguma coisa, achar outra melhor e, segundo Lavoisier, "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma...".
Enfim, é pena que nossa língua, tão rica em vocábulos e expressões, fique limitada a tão poucos e inexpressivos lugares comuns...
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