segunda-feira, junho 25, 2007

SONHO DE UM ANJO



SONHO DE UM ANJO

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Lílian acordou cedo naquela manhã. Era seu primeiro dia de aula. Ansiava por voltar à escola. Desejava rever suas colegas, conversar com elas sobre os passeios que fizera durante as férias, assistir Da. Célia dar a primeira aula daquele ano... Já estava na terceira série primária e era uma das primeiras da turma. Tomou seu banho e, ajudada pela mamãe, vestiu o uniforme novo, ainda passadinho, como viera da loja.
Ajeitou com cuidado a fita branca nos cabelos dourados, mirando-se demoradamente em frente ao espelho, numa atitude de prematura vaidade feminina...
Tinha oito anos e a vida, para ela, começava a desabrochar, na ânsia de aproveitar todos os seus minutos, na agitação contínua de estudar, cuidar de suas bonecas, brincar de roda e de pique. Mas, o que ainda mais gostava era ficar, horas a fio junto da mamãe, antes de chegar a hora de dormir, ouvindo-a ler para ela as histórias dos livros de fada... Adorava as aventuras de Branca de Neve em luta com a Bruxa-Madrasta, de ouvir como Chapeuzinho Vermelho e a Vovó enganavam o Lobo-Mau e, como Peter Pan e Sininho venciam o Capitão Gancho... Ria gostosamente, torcia por seus heróis, ficava apreensiva e nervosa quando as coisas não iam bem para eles, chorava...
Gritaram seu nome da rua:
– Lílian, anda logo... Já tá na hora...
Correu até a janela, e de lá respondeu:
– Já tou descendo... Um minutinho só...
Apanhou sua mala com o material escolar, deu-se uma última olhadela frente ao espelho e desceu correndo as escadas. Na porta, deu um beijo na mamãe, que lhe fez as recomendações costumeiras: cuidado ao atravessar as ruas, não correr muito, voltar logo p’ra casa, não conversar com estranhos, etc...etc...
Na rua, ainda voltou-se para dar um adeus à sua mãe, que a observava, em pé, junto à porta. Deu o braço à Silvinha, sua colega, e lá foram as duas juntas, saltitando alegremente pela calçada...
No colégio, o reencontro com as amigas, depois das longas férias, tomou-lhe todo o tempo disponível antes que tocasse a campainha que as fazia entrar em forma, a fim de se dirigirem para as respectivas salas de aula. Assim mesmo, já na fila, ainda comentava, rindo alegremente e falando alto, como aproveitara suas férias.
Mariazinha viajara de carro com o pai e a mãe; Sônia fora à praia todos os dias; Judith andou p’ra chuchu de barco à vela...
Dª Célia entrou na sala... Cumprimentou alegremente as meninas, tendo nos lábios o sorriso amigo e jovial, uma de suas mais marcantes características. Lílian a adorava... Não só pela maneira agradável e fácil de assimilar com que transmitia suas aulas, mas, principalmente, por sua extrema bondade... Conversava com as alunas após o horário, ouvia seus problemas e dificuldades no aprendizado escolar e da vida, tinha sempre uma palavra de alento e carinho. Levava-as à sua casa, passeava com elas, programava excursões, enfim, estava integrada às suas vidas. Era mais que uma mestra no cumprimento do dever profissional: era uma amiga mais velha.
Ao terminar aquele dia de aula, que passou rapidamente por ser o primeiro após as férias, as alunas precipitaram-se sala afora, fazendo uma barulheira tremenda. Da. Célia, apanhando seus livros sobre a mesa, ao ver passar Lílian e Silvinha, chamou:
– Lílian, tenho uma boa notícia para você...
A menina olhou-a, surpresa. Depois, ficou esperando com ansiedade. Da. Célia disse-lhe, devagar:
– Sua professora de ginástica me disse hoje que você será a representante do colégio, em corrida e salto em distância, nos Jogos Intercolegiais.
Lílian quase caiu para trás. Ficou paralisada. Queria falar, entretanto as palavras não lhe transpunham os lábios. Atirou-se para a professora, abraçando-a fortemente. Da. Célia correspondeu ao gesto, abraçando-a também com ternura.
Disse:
– Eu sabia que você iria ficar feliz...
A menina, voltando a si de sua alegria, afastou-se da mestra e pediu-lhe desculpas pela demonstração de intimidade. Da. Célia apenas riu, felicitando-a mais uma vez.
Na rua, braço dado com Silvinha, Lílian ainda não acreditava no que ouvira.
Permanecia em silêncio, os olhos quase em lágrimas de tanta alegria. Era esse o seu sonho dourado. Por ele treinara dois anos a fio, durante as férias e o período escolar.
Representando a escola, quer correndo, quer saltando, teria mais uma oportunidade de dar vazão à imensa vitalidade que tinha dentro de si. Era uma criança que só se sentia bem quando em atividade...
* * *
Um barulho, vindo de fora da casa, despertou-a. Ainda sorria, com o sonho que tivera ainda bem vivo em sua mente... Com toda a ingenuidade dos seus oito anos, refletia agora sobre a vida...
Dez minutos depois, gritou:
– Mamãe!
Sua mãe logo apareceu. Abraçou-se à filha, beijou-a na face. Perguntou-lhe:
– O que é que o anjo da mamãe quer?
Lílian retrucou, ainda olhando o teto:
– Quero dar uma volta no jardim...
Sua mãe sorriu meigamente e começou a empurrar a cadeira de rodas...
* * *


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