quarta-feira, setembro 13, 2017

OLHARES PERDIDOS..


OLHARES PERDIDOS...
Calfilho



            Tudo se passou tão rapidamente...

            Um simples trocar de olhares, logo se reconheceram...

            Estavam sentados numa leiteria da rua São José, no centro do Rio... ela, com uma colega professora... ele, com um amigo, advogado... claro, em mesas diferentes, mas coincidiram de ficar um de frente para o outro...

           Logo desviaram o olhar ... suas mentes voavam pelo tempo, lembrando de mais de vinte anos atrás... Ele ainda pensou se valeria a pena um cumprimento, uma aproximação... Ela baixou os olhos, encabulada, sem saber o que fazer... o rosto ficou vermelho, a pele normalmente bem alva, transformou-se na cor de um tomate maduro...

          Seus colegas das respectivas mesas não perceberam o embaraço dos dois... continuavam a conversa que mantinham anteriormente, como se nada de anormal tivesse acontecido...

           O garçom trouxe o pedido da mesa delas... um lanche composto de uma taça de café com leite para cada uma, dois copos de suco de laranja, pão francês, geleia de laranja e damasco, manteiga, uma fatia de mamão...

           Outro garçom, velho conhecido dos dois, trouxe dois copos com gelo e neles despejou generosas doses de um escocês de 12 anos... Afinal, já eram 18 horas, o expediente no fórum havia terminado...

          O tempo continuava a voar na mente dos dois...
          
          Ele logo lembrou-se de quando a vira pela primeira vez, numa prova de fim de ano do Liceu... ela terminava o antigo ginasial, no quarto ano... ele, no segundo científico, fora escalado pela direção do colégio para ser um dos fiscais da realização das provas... quando a viu, alta, clara, olhos verdes cintilantes, ficou deslumbrado... indicou-lhe uma carteira para que sentasse e fizesse a prova... Ela chegou a sorrir-lhe encabulada, sorriso de menina mais nova do colégio frente a um dos veteranos...

         Ele, ainda encantado, ficou olhando timidamente para ela, acompanhando seus gestos, seus movimentos...
         
        Nunca a vira antes, deveria ter vindo do turno da tarde para o da manhã... tão bonita, tão jovial, tão cintilante com seus grandes olhos verdes que irradiavam simpatia, alegria...

        Procurou saber quem era ...

         Como era um dos diretores do Grêmio do Liceu, acabou descobrindo seu endereço e telefone... os alunos passaram a comprar os passes de trolley e bonde no Grêmio, por isso acabaram tendo que fazer uma carteirinha da agremiação, onde constavam todos os seus dados... morava na Martins Torres, próximo ao Salesianos, naquele tempo bairro de Santa Rosa, hoje Jardim Icaraí (tempos modernos)...
         Olhavam-se naqueles tempos de pátio do Liceu... olhares curiosos, juvenis, adolescentes... escondidos, quase sem serem percebidos...

         Ele telefonou para ela duas, três vezes... a menina da Martins Torres ora atendia, ora sua mãe, ora outra pessoa... ela tinha uma amiga liceísta, muito próxima, a quem confidenciou sua admiração secreta... quase chegaram a se falar, não tiveram coragem...

         O Liceu fez uma excursão ao Colégio Naval em 1959.

         Ele estava terminando o curso científico, ela fazia o primeiro ano daquele curso...

         Foram no mesmo trem, da Leopoldina até onde iriam pegar o aviso da Marinha que os iria levar ao Colégio Naval... Ela foi, ele foi, afinal era um diretor do Grêmio...

        Trocaram vários olhares, mas sempre a timidez de ambos impediu que se falassem...

       No Colégio Naval o Liceu disputou vários jogos contra os futuros militares...

       Ela assistiu a todos, olhando com admiração para o rapaz do Grêmio... Chegaram a tirar um retrato, onde ela, em pé, do lado esquerdo dele, agachado, o olhava fixamente...

       Ele terminou o científico, foi cursar a faculdade e nunca mais se viram...

      Até o encontro casual na leiteria da rua São José...

      Ela e a colega estenderam o lanche... ele e o amigo pediram outras doses de whisky...

      Ele notou que ela usava uma aliança na mão esquerda... estava casada, que pena... bem, ele também já estava...

       Finalmente, ela e a amiga pagaram a conta, levantaram-se e quando passaram pela mesa deles, ele não resistiu:

      -- Prazer em te rever...

       Ela olhou rapidamente para ele, esboçou um sorriso e fingiu não reconhecê-lo... Passou direto...

       O destino não quis nada com eles...

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