O "DATA VENIA"...
Calfilho
Em setembro de 1973 morava no bairro do Leme e, naquela ocasião, enquanto passeava pelo calçadão da praia levando minha filha de 7 anos por uma das mãos, com a outra empurrava o carrinho do meu filho Duda, então com pouco mais de um ano de idade. Olhava, com admiração e com muita vontade de estar participando, as "peladas" que eram disputadas na areia da praia.
Já não jogava uma há algum tempo. Desde que fui trabalhar no Banco do Brasil, na cidade de Cantagalo, no final de 1964, abandonei o futebol de campo, areia e salão que estava acostumado a praticar durante toda a semana quando morava em Niterói.
É verdade que a AABB (Associação Atlética Banco do Brasil) cantagalense tinha um time de futebol de salão e nele logo me inscrevi. Mas, os jogos eram poucos e muitos deles aos sábados ou domingos, quando eu não estava na cidade. Voltava para Niterói para passar o fim de semana com minha família, pois meu pai havia falecido há pouco mais de um ano.
Quando fui transferido para a agência de Niterói, logo ingressei no time de futebol de campo e disputei várias partidas pela equipe, mas sem a mesma frequência de antigamente.
Quando entrei para o Ministério Público fluminense, as "peladas" rarearam ainda mais. Havia perdido o contato com a minha turma de ex-liceístas do futebol de praia, meu ambiente de trabalho era outro, e, uma vez ou outra participava de um "racha" de confraternização entre advogados, promotores e juízes.
Em 30 de setembro de 1973 entrei para a magistratura do antigo Estado da Guanabara. O trabalho ocupava todo o meu tempo, inclusive os fins de semana, quando levava processos para casa para estudar ou sentenciar.
O contato com a bola me fazia muita falta, eu que era um verdadeiro "secura" por um bom "racha"...
Já em meados de 1974, um advogado carioca entrou no meu gabinete para despachar um processo e, no meio da conversa, comentou:
-- Excelência, o senhor é amigo do Custódio, não?
Respondi afirmativamente. Custódio era cunhado de um funcionário do forum de Casimiro de Abreu, minha primeira comarca como Promotor de Justiça, em 1970. Quando eu precisei comprar um carro para deslocamentos para a comarca, esse funcionário indicou-me o Custódio, que morava em Ramos e ajudava numa oficina mecânica. Comprei o carro e ficamos amigos.
Sempre que eu precisava de algum reparo no veículo, dirigia-me até Ramos e ali passávamos as tardes de sábado.
O advogado continuou:
- Custódio me disse que o senhor gosta muito de participar de uma partida de futebol, verdade?
-- Sim, muito -- respondi.
-- Olha, eu faço parte de um grupo de promotores, juízes, advogados e ex-jogadores de futebol profissional que costumam jogar uma boa "pelada" aos sábados...
Logo perguntei:
-- Onde?
-- No campinho da Escola Nacional de Educação Física, atrás do Canecão, junto ao campo do Botafogo -- respondeu. -- Se o senhor quiser, sábado eu estarei lá e o apresento ao pessoal.
-- OK, combinado -- agradeci.
E, no sábado seguinte lá eu estava. Fui apresentado aos "atletas", quase todos na casa dos quarenta anos ou próximo disso. O presidente era um Promotor de Justiça do Rio de Janeiro, que eu ainda não conhecia pessoalmente: Newton Lourenço Jorge. Baixinho, magrinho, costumava jogar de cabeça de área. Havia um outro Promotor de Justiça, Joaquim Lobo, que trabalhara comigo na 15ª. Vara Criminal. Um juiz de Direito, Pedro Ligiero. Alguns procuradores do Estado, muitos advogados. Outros, ex-jogadores de futebol profissional, como Jomar Macedo (ex-Atlético Mineiro e Vasco da Gama), Richard (ex- Botafogo e um dos meus jogadores preferidos do meu time de futebol de botão, quando eu tinha 11, 12 anos de idade), Soares e Roberto (ex-América), todos formados em Direito depois que abandonaram os campos.
Explicaram-me que os times eram divididos por ordem de chegada, sendo cada equipe composta por oito jogadores. Igual ao meu antigo futebol da Praia de Icaraí, no início dos anos 60.
Eram jogadas duas ou três partidas, dependendo do número dos que compareciam. Depois, no bar da Faculdade, havia uma confraternização regada a cerveja.
O nível do futebol praticado era excelente, de alta qualidade, até pela presença de ex-jogadores profissionais no grupo.
Depois do terceiro ou quarto sábado, já estava completamente enturmado. Fazia questão de chegar cedo pois a primeira partida era a de melhor nível técnico.
Em dezembro de 1974 voltei a morar em Niterói, na casa que meu pai construiu em São Francisco e que acabei comprando de minha mãe. Ali criei meus filhos antes de voltar a morar no Rio.
Mesmo com a distância sendo maior, não deixei de comparecer aos sábados no "Data Venia". Acordava por volta das 5 da manhã, pegava o carro, atravessava a ponte e ia para Botafogo.
Só quando assumi a presidência do I Tribunal do Júri deixei de frequentar a "pelada" de sábado. Com os julgamentos entrando pela madrugada, às vezes só terminando na manhã do dia seguinte, não tinha mais condição física para correr atrás da bola no fim de semana.
Lá, entretanto, fiz bons amigos e pude matar as saudades da velha companheira de infância: a bola de futebol...
Foi uma das boas fases da minha vida...