Reencarnação...
Calfilho
Muita gente acha que isso não existe, que é fantasia, que o corpo é só matéria e depois tudo se vai...
Comecei a indagar–me se isso era verdade...
E, agora, quando reli a crônica que o Benites escreveu sobre o Manequinho, as dúvidas voltaram...
Praticamente, mais de meio século depois dos fatos terem ocorrido, ele escreve uma breve estória que não viveu... Ele, que estudou no Liceu vinte anos depois de nós... Mas, sua versão me parece tão atual, que parece que estou revendo aquelas mesmas salas, aquele pátio, aqueles mesmos sorrisos na hora do recreio, os discos de 78 tocando na vitrola improvisada...
Ele, por telefone, disse-me que modificaram muito aquele cenário antigo. Agora, tem até um tal de CELEMO, que não sei o que é, construído na nossa pista de atletismo... Pena de “seu” Azer, que não poderia mais treinar a bateria na pista para os desfiles do azul e branco na Amaral Peixoto.
Enfim, ele não conheceu Manequinho pessoalmente... Mas, pelos relatos que lhe foram passados, sabe talvez mais dele do que eu... Ele, Luiz Carlos Maciel Vieira, Deus apontou com o dedo e disse assim “Vai lá e arrebenta... Mas, volta logo, que você faz falta aqui em cima”. (A frase, de rara felicidade, é da nossa contemporânea Yara, que hoje reside em Curitiba. Eu, apenas, dei um pequeno retoque, acrescentando o último parágrafo).
E, talvez, ele tenha voltado mesmo, depois que descobri o Orkut, o Benites, até a Nelma, que não conheci pessoalmente naquele tempo, mas, que tive o prazer de rever depois de tanto tempo.
Voltado, numa versão mais atual do Liceu, lembranças que não se podem perder nunca...
Manequinho era meu amigo... Dei-lhe muitos esporros quando não me passava a bola no futebol de salão do Liceu... ele somente abaixava a cabeça e dizia, humildemente:
-- Não deu... Na próxima eu te passo...
Mas, curtimos, com bastante intensidade, com muita alegria e despreocupação com a vida, aquela fase liceísta...
Deixou-nos em abril de 1962, mas a crônica do Benites parece mostrar que ele permanece entre nós...
Será se ele voltou mesmo?
quarta-feira, abril 20, 2011
terça-feira, abril 19, 2011
MUDANÇAS NO LICEU
Mudanças no Liceu
Calfilho
O tempo passou...
Minha época de liceísta estava lá atrás, quase esquecida, misturada às minhas novas preocupações da vida de adulto...
Passei dois anos praticamente fora de Niterói, depois que fui aprovado num concurso público e fui trabalhar no interior do Estado.
Foi duro para mim... largar minha praia, meu futebol, meus amigos conquistados depois de vários anos... Trabalhar em um ambiente diferente...
Enfim... o destino nos reserva algumas surpresas, uma delas foi essa...
Nunca mais entrei no meu colégio... Passava pela Amaral Peixoto, uma vez ou outra, só o olhava de longe... Como sempre, imponente, grandioso... Uma sensação estranha apertava meu peito... Via de longe, no ônibus ou no táxi, aquelas salas onde um dia estudei, onde em um outro matei aula, mas não conseguia divisar, de fora, as quadras, a de basquete ou de vôlei, onde dei meus primeiros passos no futebol...
Vi, quando o ônibus deu meia parada, diminuindo a marcha para um passageiro descer, a salinha do Grêmio, lá no fundo... que pena, agora, cercada de grades... Verinha não mais poderia pular a janela quando o diretor chegasse de surpresa e ela, como eu, estivéssemos matando aula...
Por que as grades? No nosso tempo, tudo era aberto, livre, até com um pouco de irresponsabilidade... Mas, cada um dizia o que queria dizer...
Não sei o que houve com o meu colégio...
Disseram-me, soube depois, que tentaram politizar o Liceu, inclusive o Grêmio, depois que dele saí... Tudo bem, a época era efervescente, 1961 em diante, pré- revolução...
Mas, enquanto lá estivemos, eu, Irapuam, Manequinho, Telúrio, João Bonvini, Joza, Cenira, Alber e tantos outros, jamais deixamos que a política partidária se infiltrasse em nossos objetivos, que eram esporte, divertimento, música, festas, coisas que o Grêmio se propunha a fazer e estava escrito em nossos estatutos (o da Verinha, que só tinha três artigos).
Infelizmente, soube que depois de nossa saída, o Grêmio se politizou e acabou sofrendo intervenção por parte de algum “revolucionário”. Disseram-me que, um deles, inclusive, fora ex-aluno do colégio e se tornara “revolucionário” para conseguir se eleger deputado. Soube, ainda, que uma das minhas colegas de sala, desde o primeiro ano ginasial até o último do científico, em 1959, fora presa pela “Redentora”, barbaramente torturada e assassinada, tudo em nome da “democracia”...
E, mais recentemente, soube por alguns membros de gerações posteriores do colégio, que as pistas de atletismo foram invadidas para construírem novos prédios, alguns até com finalidades diversas daquelas a que estávamos acostumados.
E, as várias reformas que foram feitas posteriormente, algumas sem nenhuma finalidade prática, acabaram por destruir aquilo que era o maior patrimônio do Liceu: a qualidade do ensino...
Por isso, em 1971, ao ver algumas meninas e alguns rapazes descendo a Amaral Peixoto, quando eu saía do Fórum de Niterói, eles envergando aquela camisa amarela do Grêmio, lembrei com saudade: esse é o meu Liceu. A camisa amarela e azul foi idéia do Grêmio, não da Secretaria de Educação... aliás, ela é até mais bonita que a antiga azul e branca do meu tempo de Liceu...
Introduzimos aquelas cores, amarelo ouro e azul escuro, em homenagem à seleção brasileira de 1958, que voltara campeã do mundo na Suécia.
Enfim, lembranças que foram ficando para trás, mas nunca esquecidas por mim.
Certa vez, quando era Promotor de Justiça em Niterói, no início dos anos 70, fui procurado por um diretor do Liceu da época, não me recordo o nome. Foi-me fazer um convite, como ex-aluno e atual autoridade pública, para fazer uma palestra no colégio sobre drogas. Recusei polidamente, pois sabia que não conseguiria passar das primeiras palavras ao me dirigir aos alunos da nova geração liceísta. A emoção de rever aquelas salas onde estudei, aquelas quadras onde suava a camisa do uniforme, após “rachas” inesquecíveis, a salinha onde eu e Irapuam apresentávamos diariamente para os turnos da manhã e tarde, a “Hora do Grêmio”, os banheiros onde íamos fumar um cigarro escondido entre uma aula e outra, não me permitiria expressar com clareza o que pretenderia dizer. E, olha que, modestamente, era um bom orador, Promotor de Justiça acostumado aos debates no Tribunal do Júri, além de dar aulas para advogados em alguns cursinhos preparatórios para concursos da Defensoria, Promotoria ou Magistratura.
O Liceu me marcou profundamente. E, foi com satisfação, depois de entrar em contato pela internet com alguns liceístas de gerações posteriores, que soube que o colégio, depois de passar por sérias dificuldades, até com perigo de desabamento do teto, foi reformado, repintado e hoje continua bonito como era no meu tempo, imponente e majestoso, dominando como antigamente a Avenida Amaral Peixoto...
Pena que “seu” Azer, “seu” Borges, o professor Alber de Educação Física e todos os meus colegas que comigo desfrutaram daquela época maravilhosa não estejam mais lá...
Cabe a vocês, gerações após gerações, manterem viva a chama de amor ao colégio, como se fosse realmente nossa segunda casa e lutarem para que, cada vez mais, seja uma referência em qualidade de ensino em Niterói...
segunda-feira, abril 18, 2011
Os Três Minutos
Os três minutos...
Os amigos se foram... As lembranças continuam...
Não vi Heleno, mas vi Zizinho, Garrincha e Pelé...
Era cantorriense, o azul e branco de Niterói... Mas, em 1958, na Copa do Mundo na Suécia, vi os três minutos mágicos que o futebol me ofereceu... Nada de Ronaldo, nada de Zico, só um gênio... Hoje, a mídia exalta a aposentadoria do Ronaldo como se ele fosse o maior do mundo... Nada disso... O Flamengo celebra Zico, esquecendo-se de Dida, para mim, o maior jogador que o clube já teve... O Brasil saiu de um empate apertado contra a Inglaterra, aí decidiram colocar o gênio em campo...
Ele, que fora barrado por Feola e outros "sábios" da Comissão Técnica da então CBF, porque driblara a defesa inteira da Fiorentina num amistoso antes da Copa e, não satisfeito, já em cima da linha do gol, voltou para driblar novamente um dos beques e o goleiro antes de mandar a bola para o fundo das redes...
Engraçado que hoje, passados mais de 50 anos da Copa da Suécia, esse mesmo goleiro da Fiorentina, que foi driblado duas vezes pelo gênio, numa entrevista para a televisão, diz que nunca viu nada parecido com aquilo que ele sofreu e que futebol é isso mesmo, alegria, diversão, encantamento...
Contra a Áustria e a Inglaterra jogou Joel, ponta direita do Flamengo, que até tinha sido pivô de uma briga entre seu atual clube e o Botafogo, onde começara a sua carreira e fora aliciado pelo Flamengo, no início da década de 50. Era bom jogador, mas limitado, sem muito repertório a acrescentar ao escrete brasileiro.
O jogo contra a Rússia, o terceiro da fase classificatória, seria decisivo para o Brasil. Se perdesse, a seleção poderia arrumar as malas e retornar mais uma vez derrotada de uma Copa do Mundo.
Didi e Nilton Santos, os mais experientes jogadores da equipe, decidiram ir até o técnico Feola e ao presidente da delegação, Paulo Machado de Carvalho:
-- Dr. Paulo, o Garrincha tem que entrar, se não podemos dar adeus à Copa -- disse Didi.
-- Não temos nada contra o Joel, que é nosso amigo, mas o Garrincha vai dar um nó nos russos, eles vão ficar tontos, sem saber como reagir -- confirmou Nilton Santos.
Feola ainda tentou ponderar:
-- Mas, ele é indisciplinado, irresponsável, não pensa no time, parece que gosta de brincar sozinho com a bola, só dribla, dribla, não joga para a equipe...
-- Mas, ele é assim mesmo, "seu" Feola... tem aquele seu jeito desligado de jogar, mas enlouquece os marcadores... E, desculpe, ele joga para o time sim... quantos gols o Paulinho Valentim e o Quarentinha fizeram com cruzamentos dele, lá no Botafogo... -- rebateu Nilton.
Feola ironizou:
-- Nem no psicotécnico que o Dr. Carvalhaes fez com ele aqui, conseguiu ser aprovado...
-- Ele joga bola, "seu" Feola, é semi analfabeto, nem sabe o que é psicotécnico -- rebateu Didi.
Paulo Machado de Carvalho ouvia tudo em silêncio. Depois que todo mundo falou, disse:
-- Está certo, Didi e Nilton, vocês deram a sua opinião. Vou conversar com calma com o Feola e decidir o que fazer.
No dia seguinte, antes do jogo, Joel sentiu uma providencial dor no joelho direito e foi afastado. Feola escalou Garrincha e, de quebra, também chamou Pelé, para jogar ao lado de Vavá, que já fora colocado no lugar de Mazola. Zito, também entrou no meio de campo, no lugar de Dino Sani, contundido.
Todo a delegação temia os russos. Altos, fortes, treinavam de manhã e à tarde, num campinho perto da concentração brasileira. Tinham ido bem nos jogos anteriores e eram até considerados favoritos para o jogo contra o Brasil. No gol, tinham o melhor goleiro da Europa, o Aranha Negra, Yashin. No meio de campo, Ygor Netto, o grande capitão.
Nilton, na véspera do jogo, foi ao quarto de Garrincha:
-- Te prepara, Mané, que você vai entrar amanhã. Não vai decepcionar a gente, joga sério...
Ele, que nem esperava mais jogar na Copa, reagiu com indiferença:
-- Ué, Nilton, eu não jogo sério?
No dia do jogo, 15 de junho de 1958, as equipes perfiladas para ouvir a execução dos hinos nacionais, os russos olhavam com curiosidade para a equipe brasileira. Estavam preparados para a presença de Joel, que analisaram com cuidado nos jogos contra a Áustria e a Inglaterra.
Perguntavam baixinho,uns aos outros, enquanto os hinos eram tocados:
-- Quem é aquele moreno atarracado, com as pernas tortas, parecendo um aleijado, que vai entrar no lugar do Joel?
Depois, olharam para Pelé, no verdor dos seus dezessete anos. Comentaram com ironia:
-- O Mazola deve estar machucado, acho que eles não tinham ninguém para substitui-lo e colocaram um menino no lugar dele. Deve ser juvenil ainda.
Já antegozavam o prazer da vitória, achando que o jogo seria fácil.
Executados os hinos, escolhidos os lados do campo em que cada equipe atuaria no primeiro tempo, o Brasil iria dar a saída.
Começavam aí os três minutos mais lindos da história do futebol mundial, aqueles considerados os três minutos mágicos, reconhecidos como os mais espetaculares já vistos até hoje por toda a crítica especializada depois que o jogo terminou.
Vavá deu a saída, tocando a bola para Pelé. Esse recuou para Zito, alguns metros atrás. Zito avançou com a bola dominada e no círculo central, passou-a para Didi. Este, recebendo o passe, levantou a cabeça e divisou Garrincha aberto na ponta direita. Esticou um passe de quase 30 metros. O gênio matou a bola no bico da chuteira e avançou devagar. No bico da grande área, Kusnetzov aproximou-se para dar-lhe combate. Manteve uma certa distância, talvez esperando que atitude o aleijado de pernas tortas tomaria. Deve ter pensado: "Vai ser fácil tirar-lhe a bola, não vai conseguir passar por mim".
De repente, a explosão: o demônio dá uma arrancada rápida para a direita, seu drible característico, deixando Kusnetzov a mais de dois metros distância atrás. Então, já no bico da pequena área, dá um violento petardo com a perna direita, que explode no poste esquerdo de Yashin, que, atônito, não sabia o que fazer. A bola, depois de balançar a trave russa, vaí para fora. Os russos se entreolhavam, abismados.
Yashin bate o tiro de meta. No círculo central, a bola é dominada por Zito, que novamente faz o passe para Didi. Este, outra vez, procura Mané, na ponta direita. Ele recebe a bola e parte para cima da defesa russa. Agora, além de Kusnetzov, outro marcador estava ao seu lado. O demônio, mais uma vez, arranca pela direita, deixando os dois russos para trás, e, desta vez, cruza para o centro da área. Vavá não conseguiu alcançar a bola, que, novamente, sai pela linha de fundo.
A defesa russa estava um pandemônio. Discutiam entre si, gesticulavam nervosamente, procuravam encontrar a melhor forma de marcar aquele ser do outro mundo, que estava infernizando-lhes a vida. E, durante aqueles três minutos, a cena se repetiu. Garrincha, já agora marcado por três ou quatro russos, continuava deixando-os para trás, enlouquecidos. Ora cruzava a bola para o meio da área, ora tentava o chute direto para o gol. Os russos só tinham tocado na bola na hora de bater os tiros de meta, pois, para eles, felizmente, nenhuma daquelas jogadas resultou em gol. Vagavam em campo como zumbis, como autômatos, incapazes de encontrar uma fórmula que lhes permitisse parar aquele demônio que jogava contra eles.
A marcação sobre Garrincha, nos lances seguintes, já tinha cinco, seis jogadores. Ele continuava driblando, driblando, pasando o pé sobre a bola, voltando com ela dominada, dando gingas de corpo que deixavam seus marcadores enlouquecidos.
Com isso, com toda a marcação em cima de Garrincha, pelo lado direito do ataque brasileiro, foi fácil para Didi encontrar os espaços necessários para fazer lançamentos para Vavá e Pelé, tendo o primeiro marcado os dois gols do Brasil naquele jogo.
Depois do jogo, no vestiário russo, Kusnetzov desabafou, atirando com raiva as chuteiras contra os azulejos da parede:
-- Chega, vou parar aqui de jogar futebol. Eu pensava que jogava alguma coisa, mas futebol de verdade é o que eles jogam.
E o gênio voltou tranquilo para a concentração, esquecido de tudo aquilo que fizera em campo, sem se preocupar com o rebuliço que havia provocado na imprensa internacional com sua atuação, como se ela fosse a coisa mais natural do mundo. Colocou na vitrolinha portátil que comprara na Itália um disco do trombonista Raul de Barros e ficou assoviando despreocupado, como se estivesse sob a sombra de uma árvore na sua Pau Grande, de onde surgira para assombrar o mundo...
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