A SABIDINHA ...
CALF
Considerava-se a dona da verdade...
Da vida, sabia tudo...
Trabalhava, ganhava bem, morava sozinha, dirigia seu próprio carro...
Era auto-suficiente, moderninha... Não dependia de ninguém, nem da família ou dos amigos...
Desde cedo, saíra de casa, ainda com 17 anos... Fez concurso para o Banco Central, fora aprovada em terceiro lugar... Formou-se depois em Direito, entrou para o corpo jurídico do banco... Falava inglês e espanhol, arranhava francês e alemão... Escolhia suas amizades, não dava bola p'ra ninguém... Amores na vida, nenhum... Uma trepadinha aqui, outra ali, fins-de-noite passageiros que se perdiam no esquecimento do dia seguinte... Tudo sem compromisso, descartável, só p'ra gozar...
Decidira passar as férias daquele ano em Salvador... Tudo planejado, bem programado... Reserva no hotel, uma parada em Vitória... Iria de carro, ela mesmo dirigindo...
Só, sem ninguém ao seu lado para chateá-la... Antes só que mal acompanhada...
Falaram-lhe maravilhas da capital da Bahia, a dourada cidade das praias mágicas, das igrejas, das mulatas, candomblé, comida de primeira... Por isso, queria curtir a cidade sozinha, conhecer todos os seus cantos e encantos... Poderia, talvez, ter levado sua mãe ou um "noivo"...
Não, preferiu ir sem ninguém...
* * *
Viagem cansativa... Mas, tudo bem, estava valendo a pena... Pernoitara em Vitória, que não conhecia... Deu uma entradinha em Ilhéus, a cidade que a encantara pelas cenas passadas na televisão, quando da exibição da novela "Gabriela".
Chegou a Salvador pouco depois do meio-dia. Foi direto p'ro hotel, no Corredor da Vitória... Perguntou aqui e ali, chegou lá... Deixou o carro na garagem, tomou um banho e dormiu um pouco...
Depois, saiu... Elevador Lacerda, Mercado Modelo, Bonfim, Itapagipe... Tudo no primeiro dia... Foi de táxi, já que não conhecia o trânsito da cidade... No dia seguinte, as praias... Porto da Barra, Farol, Ondina, Amaralina, Rio Vermelho, Boca do Rio, Piatã, Itapoã... Um pulinho até Abaeté... Muito acarajé, caruru, água de coco...
No terceiro dia, passeio de escuna até Itaparica. Deslumbrante... Salvador realmente correspondia a tudo o que dela falavam...
No quarto dia, já mais habituada com a cidade, decidiu sair de carro... Foi até Arembepe, praia linda, ainda primitiva e selvagem, distante quase uma hora de Salvador... A sensação de ouvir o barulho das ondas, o cheiro de maresia, o ambiente de paz, tranqüilidade, realmente a deixaram emocionada...
Já no quinto dia de Bahia, começou a se soltar um pouco mais... Saiu à noite, foi jantar num dos vários restaurantes da Barra, sempre cheios de gente. Adorou a comida baiana...
Experimentou de tudo... Vatapá, siri mole e catado, caranguejo, lambreta, caldo de sururu, abará, feijoada (que lá é feita com feijão manteiga), sarapatel... Um pouquinho de cada coisa, só para provar, como lhe disse o garçom, uma bicha baiana... Tomou uma caipirinha e três chopes.
Numa mesa ao lado, quatro rapazes começaram a reparar nela, sozinha, comendo tudo o que tinha direito, conversando animadamente com "Nega", o garçom... Fizeram sinal, quiseram puxar conversa... Ela, irritada, já que detestava aquele tipo de coisa (porra, será que uma mulher não pode jantar sozinha num restaurante?), pediu a conta, assinou o cheque, despediu-se de "Nega" e deixou o lugar...
Pegou o carro e tomou o caminho do hotel. Subiu a Ladeira da Barra e parou numa sinaleira, próximo à igreja da Vitória... Os quatro chegaram rápido, ela nem percebeu.
Emparelharam com o carro dela, três deles desceram e um foi logo encostando o cano do revólver em sua cabeça...
- Chega p'ra lá, minha sobrinha, isso é um assalto...
Olhou para o cara, surpresa... Obedeceu automaticamente, sem ter tempo para pensar em alguma coisa. Um deles tomou a direção, os outros dois também entraram no seu carro... O outro veículo os seguiu.
Ela perguntou, ainda espantada:
- Mas, o que é que é isso? O que vocês estão fazendo?
Um dos caras perguntou:
- Diga aí, minha irmã, o que é que você tem p'ra dar p'ra gente?
Aí, ela caiu na real...
Tentou conversar:
- Só o carro e isso que eu tenho na bolsa.
Um deles riu. Riso cínico, debochado...
- Só isso? A gente quer mais...
Apontou o revólver para ela. Disse, com o característico sotaque baiano, falando quase cantando:
- Olha, a gente já viu a placa do teu carro. É do Rio, não é? ... A gente sempre ouviu dizer que carioca é doida por uma sacanagem... Você quer dar p'ra gente, não quer?
Ela suou frio, gelou... Pela primeira vez na vida ficou com medo... Não conseguia manter o autocontrole... Logo ela, tão independente, tão confiante, que sabia lidar com todas as situações, por mais difíceis que fossem... Agora, estava apavorada... Nem no Rio, com toda sua violência, ela passara por situação igual... Não, eles deviam estar brincando, não teriam coragem...
Iam levar o carro, sua bolsa e deixá-la em qualquer lugar... Afinal de contas, ela sempre ouvira falar bem da hospitalidade baiana... Foram p'ro alto de Ondina.
Ali, enquanto um a segurava pelos ombros, outro lhe abria as pernas... O terceiro a penetrava, o quarto ria e aplaudia, com uma garrafa de conhaque Dreher na boca (o filho da puta poderia ter melhor gosto)...
Tudo era silêncio... Ninguém ouvia nada... Além do mais, um deles tapava-lhe a boca... Ela tentava reagir, gritar, espernear... Nada... Olhava aterrorizada para os quatro, que se revezavam, na ânsia de possuí-la... Todos eles a tiveram mulher, abertinha, por trás e pela frente, sem que ela nada pudesse fazer...
Desmaiou... Quando acordou, já o dia clareando, viu que fora largada sem carro, sem uma peça de roupa, completamente pelada, lá em cima do morro, com uma deslumbrante vista para a praia lá embaixo...
Conseguiu voltar para o hotel... Como, não se lembra direito...
Chegou, apenas...
Perdera oitenta por cento de sua autoconfiança...
* * *
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