sexta-feira, agosto 08, 2025

ALBERTO MOTTA MORAES...

Li hoje, na página da AMAERJ,  a notícia do falecimento do desembargador Alberto Motta Moraes, que muito me entristeceu.  Apesar de não sermos amigos íntimos, éramos mais que apenas simples colegas de profissão. 

Conheci-o em 1959, quando eu tinha 17 anos de idade (ele talvez meses mais velho). O Liceu Nilo Peçanha, colégio de ensino médio de Niterói, ia fazer uma excursão de uma semana a Cachoeiro do Itapemirim, no Espírito Santo,  onde disputaríamos várias modalidades esportivas. Aquela seria, talvez, a maior "aventura" que o Grêmio do Liceu iria realizar em vários anos, pois éramos um colégio público, sem recursos para custear uma excursão de tal porte. Os alunos, alguns de classe média, mas  muitos outros sem muitas condições financeiras, iríamos realizar, talvez, o maior sonho de nossa adolescência. Conseguimos as passagens de trem gratuitas com a Secretaria de Educação, os alunos do Liceu de Cachoeiro nos prometeram alimentação com suas famílias, o ginásio de esportes local foi improvisado como dormitório.

O então diretor do Liceu foi contra, mas decidimos ir mesmo assim.

No dia do embarque, num fim de noite, íamos finalmente embarcar na antiga estação ferroviária de Niterói, na Av. Feliciano Sodré, quando nosso craque de futebol, o Nélio Bastos, chegou acompanhado de um rapaz da nossa idade, perguntando aos diretores do Grêmio se ele poderia ir conosco:

-- Esse aqui é o Motinha, Alberto Mota. Ele estuda no Plínio Leite e é campeão de natação. Pode viajar com a gente?

Como sobravam passagens e não tínhamos nenhum aluno bom em natação, logo aceitamos.

Ele rapidamente se entrosou com todos nós. Alegre, expansivo, brincalhão, já estava enturmado quando o trem chegou em Cachoeiro. 

Curtiu conosco aquela semana de sonhos que ali passamos. Ganhou disparado as provas de natação e deixou excelentes recordações em todos nós.

O tempo passou rápido e só no final dos anos 60 fui reencontrá-lo nos corredores do fórum de Niterói, ambos dando os primeiros passos na advocacia criminal

Depois, encontrava-o esporadicamente em nossas vidas profissionais, ambos promotores de Justiça e, mais tarde, magistrados. Eu, no antigo Estado da Guanabara, ele no antigo Estado do Rio de Janeiro.

Com a fusão dos dois em 1975, passamos a pertencer à magistratura do estado único. E, no final de 1982, quando assumi a presidência do I Tribunal do Júri da Capital, ele era o titular da Vara Auxiliar do mesmo tribunal. Foi uma grande honra e um enorme prazer tê-lo como colega de trabalho durante aqueles poucos anos,  até ser extinta a referida vara auxiliar e ele ter sido transferido para uma vara regional da Capital.

Advogado criminalista de primeira, Promotor de Justiça correto, magistrado exemplar.

Amigo da minha juventude...

Lamento profundamente sua morte, nesses tempos em que muitos de nossa geração estão partindo.

Mas, Motta Moraes deixou seu nome indelevelmente marcado por onde passou...


sexta-feira, fevereiro 21, 2025

HISTORINHAS DO JÚRI (II)

      HISTORINHAS DO JÚRI (II)


                                                   Calfilho


              Era um julgamento pelo tribunal do Júri, numa pequena cidade do interior do RJ, meados dos anos 70 do século passado.

               Nessas cidades com poucos habitantes, encravadas e esquecidas em longínquos rincões do Estado, era raro acontecer um julgamento pelo júri, que só tem competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, ou sejam, o homicídio, o aborto, o infanticídio e o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio.                 Crimes de morte nessas pequeninas cidades são raros de acontecer, já que lá quase todo mundo se conhece desde a infância, normalmente são lugares calmos e de vida rotineira. Uma igrejinha, uma agência bancária, pequenas lojas comerciais, um barzinho e o resto, residências. Pelo menos, naquela época.

               Por isso, o julgamento estava movimentando quase toda a população da cidade, curiosa em assisti-lo.

                Tratava-se de um filho de um importante fazendeiro da região, um dos últimos "coronéis", que, após uma bebedeira, discutira com um colega de copo e, da discussão, ocorreram ofensas mútuas, e o acusado, puxando de um facão que sempre carregava na cintura, desferiu dezesseis golpes no antagonista. Morte imediata, sem chance de transporte ao modesto hospital da cidade. A vítima também era pessoa conhecida na cidade, dono de uma pequena loja de venda de produtos agrícolas.


              Tanto o juiz, como o promotor de justiça eram novatos nas respectivas carreiras, nomeados que foram após aprovação em recentes e rigorosos concursos. O advogado de defesa era um daqueles conhecidos antigos da região, sem maior formação jurídica, um dos muitos "rábulas" existentes naqueles tempos nas pequenas cidades do interior do país. Bonachão, barriga avantajada, sorriso largo no rosto, dava-se bem com todos por aquelas bandas.

               O julgamento começou, foram ouvidas várias testemunhas, presenciais ou não, o réu apresentou versão de legítima defesa.

                O dr. Promotor pediu a condenação em homicidio qualificado, ressaltando a violência e gravidade dos dezessseis golpes de facão e a improcedência das alegações da defesa. 

                O advogado, em sustentação meio confusa e enrolada, defendeu a tese de legítima defesa da honra (naqueles anos era tese rotineira no Júri) e da vida, já que, segundo algumas testemunhas, a vítima também teria feito menção de puxar uma arma.

                  Os jurados, após rápida deliberação chegaram à conclusão já esperada por todos, tendo em vista a importância da família do réu na região: absolveram-no pelo homicídio. 

                Mas,surpresa:condenaram-no pela estranha acusação da contravenção de porte de arma, também contida na denúncia e aceita pela pronúncia.

O juiz, todos de pé, solenemente, leu a sentença. "Absolvo o réu pelo crime de homicídio. Condeno-o, entretanto, à pena de multa de Cr$2,70 por infringência da contravenção do

art. 19, da Lei das Contravenções Penais. Declaro, encerrada a sessão".

            O dr. Promotor de Justiça, em pé, do lado direito do juiz, profundamente irritado com o resultado, pede a palavra, mete a mão no bolso da calça e tira uma nota Cr$5,00, jogando- a sobre a mesa do juiz:

            "-- Excelência, eu pago a multa. O Estado pode ficar com o troco"...