segunda-feira, março 30, 2020

A QUARENTENA...




A QUARENTENA...

Calfilho



             Obrigado a ficar em casa, respeitando uma quarentena determinada pelas autoridades sérias deste país, pela medicina e pelo bom senso, tendo em vista a gravidade da pandemia que assola o mundo, uma de minhas atividades diárias, além da leitura e de assistir um bom filme, é a de ficar vendo os noticiários da televisão sobre a “gripezinha”.

             Já vi e ouvi de quase tudo, nesses já onze dias de reclusão domiciliar.

             Vi novas profissões surgirem. Daqui a pouco vão incluir no currículo de nossas faculdades a cadeira de professor de “lavagem das mãos”. Já repararam como apareceram em nossas telinhas pessoas (de ambos os sexos) ensinando-nos como lavar corretamente nossas mãos? “Lavem os dedos, lavem entre eles, lavem as unhas, o dorso das mãos, os punhos, etc...”, um pretendendo saber mais que o outro, virando as ditas cujas mãos de uma maneira diferente, apenas para dizer que o seu método é o que está certo, os outros estão errados... Como se nunca antes tivéssemos lavado nossas mãos... Já disse, daqui a pouco vamos ter alguns brasileiros formados em “lavagem de mãos” e, se fizerem doutorado, vão exigir serem chamados de doutores, como acontece com outras profissões ultimamente...

             Os médicos infectologistas, também, passaram a lotar os estúdios das emissoras de televisão, respondendo perguntas dos telespectadores, com informações nem sempre coincidentes sobre o problema da epidemia, ou seja,  como se pega a gripe, sua transmissão, as medidas preventivas, o que é certo e o que é errado fazer... E, com o grave risco de informar mal a população, já que a televisão entra em qualquer casa, a dos que estudaram e a daqueles com menor grau de instrução...

             Vem o Ministro da Saúde, que deveria ser a autoridade máxima na matéria, e diz, inicialmente, que devemos manter isolamento, evitar aglomerações, não ir a restaurantes (pedir entrega em casa), manter uma distância mínima de dois metros de outra pessoa, que os ônibus só devem transportar passageiros sentados, etc... etc...

            Depois, em cadeia nacional de rádio e televisão, o Presidente da República, que deveria ser o guia maior do povo nesse momento gravíssimo de crise mundial, afirma que o isolamento deve ser apenas para os idosos, pois são eles que estão morrendo em outros países. E, que as crianças (para ele, imunes ao vírus) devem voltar para a escola, que o comércio, a indústria e as demais atividades econômicas devem funcionar normalmente, dando como exemplo ele próprio (que diz ter sido “atleta”- aliás não explicou o esporte que teria praticado) e, se escapou de uma facada, não seria uma “gripezinha” que iria derrubá-lo... Talvez tenha esquecido que a grande maioria do povo brasileiro não é composta de “atletas” e, que mesmo eles, os verdadeiros atletas, também são atingidos pelo vírus e também morrem, como aconteceu com alguns deles mundo afora...

             Depois, em entrevista coletiva, transmitida ao vivo pelas televisões, o Presidente, o Ministro da Saúde e outros ministros, espalhados por uma grande mesa, portando máscaras, fizeram-me relembrar a pintura famosa de Da Vinci, a “Última Ceia”, que se encontra numa igreja de Milão... As máscaras atrapalhavam, eram retiradas do rosto quando alguém falava, depois recolocadas desajeitadamente no palestrante...

             Daí em diante, o “samba do crioulo doido”, imortalizado pelo saudoso Sérgio Porto...        Entrevistas diárias, ora pregando o isolamento vertical, ora o horizontal (aliás, quem vai acabar na “horizontal” somos nós... definitivamente), medidas provisórias assinadas e revogadas logo em seguida, Presidente convocando o povo para manifestações em seu favor, desmentindo logo em seguida essa convocação, para, no dia seguinte, misturar-se a alguns fanáticos que se dizem seus apoiadores (até quando?), novos espetáculos de bota e tira máscaras em entrevistas televisadas, e...

             Desorientação total...

             O pobre do Ministro da Saúde, que até parecia competente e bem intencionado, vê-se desmentido em suas orientações de isolamento das pessoas pelo seu chefe. Não é somente médico, também é político... Tenta contemporizar, achar um meio termo, mas, até quando?

            Só espero que a razão e o bom senso prevaleçam e não cheguemos ao número de mortos da Espanha, da Itália, da China, do Iran ou dos Estados Unidos... Que consigamos seguir o exemplo da Coreia do Sul, do Japão, de Cingapura que, tomando medidas muito duras e severas no início da pandemia em seus países, conseguiram manter um controle razoável sobre ela e choraram menos mortes...




domingo, março 29, 2020



AS TRANSFORMAÇÕES DAS CIDADES...

Calfilho



             Impressionante como as cidades do mundo sofreram grandes transformações em apenas pouco mais de um século. Refiro-me, apenas, às mudanças paisagísticas, sem me deter em outras de natureza étnica, cultural, costumes ou humanas.

                Vou-me ater, somente, àquelas que conheço pessoalmente por nelas ter vivido, algumas que visitei e outras sobre as quais li ou vi filmes que contam suas histórias.

              Nova York, por exemplo. Nunca a visitei. Mas, os filmes e fotos que vejo do início do século XX e o que vejo hoje, na televisão, mostram duas cidades completamente diferentes. Antes, as casas luxuosas dos bairros ricos, hoje os arranha-céus da trepidante Manhatan.

            Paris, Roma e Londres já as visitei. Também por fotos do início dos anos 1900 vemos que a arquitetura modificou-se bastante.  Londres ainda mantém o prédio do Parlamento, o Big Ben, a Torre. Mas, já apresenta várias construções modernas. Na parte central de Roma ainda vemos o Coliseu, as Termas de Trajano, o Fórum Romano e alguns prédios menos importantes, bem antigos. Em Paris, temos as Termas de Cluny, as Arenas de Lutéce, fora inúmeros igrejas que remontam à Idade Média, entre elas, principalmente, a Notre Dame. Alguns prédios que datam do século XIX, com quatro ou cinco andares, são restaurados apenas internamente, mantendo-se a arquitetura original  na parte exterior. Isso, praticamente, em todos os bairros do centro da cidade, em ambos os lados do Sena.

           O Rio de Janeiro é a cidade onde nasci e vivi até quase meus sete anos de vida. Moramos na Zona Norte e em Copacabana, no Lido. Conheci aquela pracinha ainda sem grades, com pequenas charretes puxadas por cabras que a contornavam e que era um dos meus passeios prediletos de criança. Via as enormes pipas, representando águias, serem empinadas na Avenida Atlântica, que, àquela época, não havia sido duplicada. Os bondes ainda trafegavam pela Avenida Nossa Senhora, as “vacas leiteiras” entregavam o leite diariamente aos moradores... Vi, na internet, fotos da Copacabana do início do século XX, com apenas algumas casas na praia e, em fotografia de 1929, o prédio do hotel Copacabana Palace, isolado, com a água do mar da Princesinha quase o tocando.  Em outra imagem, a pedra do Inhangá, que ia até o mar. Hoje, Copacabana, apesar de manter aquela imagem inconfundível do colar de pérolas que a notabilizou mundialmente, está bem diferente do que era.

          O centro da cidade, então, foi completamente desfigurado. Vi imagens da igreja de Santa Luzia e o mar chegando a seus pés. A Praça XV, as ruas transversais e paralelas, tiveram seus prédios baixos e sobrados demolidos para a construção de horrorosos espigões. Galeria Cruzeiro, Café Nice, Cineac Trianon, tudo desapareceu em nome do progresso...

         Deixo, por último, nessas divagações de quarentena (forçada por uma “gripezinha” ou “resfriadinho”), minha Niterói, que acolheu minha família no final de 1949. Voltávamos de Fortaleza, onde meu pai fora trabalhar por seis meses e encontrou dificuldades para arranjar rapidamente um local para morarmos. Aceitamos o convite de meu avô materno, que morava num apartamento no centro de Niterói, cidade onde trabalhava na construção de um prédio em Icaraí. O imóvel ficava na principal avenida da cidade, cujo nome anterior fora Duque de Caxias e mudara para Amaral Peixoto, que era genro do ex-Presidente Getúlio Vargas e interventor do antigo Estado do Rio de Janeiro. Essa avenida, que ligava a estação da Cantareira a outros bairros, fora construída há pouco tempo e havia modificado bastante a arquitetura do centro da cidade. Meu pai acabou comprando um outro apartamento no mesmo prédio e ali passei vários anos de minha infância e adolescência.

         Niterói, apesar de capital do Estado do Rio, era ainda, no início da década de 50, uma cidade provinciana, servindo de dormitório para a maioria de sua população, que atravessava diariamente a baía para trabalhar no Rio de Janeiro. Tinha um comércio razoável na rua da Conceição, e pouco mais. Os bondes que uniam os diversos bairros faziam a volta na Praça Martim Afonso, hoje Arariboia. Mudamos em 1953 para o bairro do Ingá, para um apartamento de outro prédio que meu avô ali construiu. Icaraí, o bairro chique da cidade, tinha apenas uns dois ou três edifícios na praia. Lá, no Ingá, presenciei a chegada dos “trolley bus, ou ônibus elétricos, uma das marcas características da cidade durante alguns anos. Tudo calmo, tudo tranquilo, verdadeiro paraíso para viver e criar os filhos.

           Veio a ponte Rio/Niterói, milagre da engenharia moderna que, realmente veio facilitar a vida de muitos que moram ou trabalham nas duas cidades. Mas, também veio a especulação imobiliária, acabaram-se as casas baixas e os sobrados de Icaraí... São Francisco deixou de ser o bairro tranquilo que era para virar apenas passagem para aqueles que moram nas praias oceânicas...

            Ganhamos ou perdemos?