NOSSOS
AMIGOS, OS GARÇONS...
Calfilho
Queria
prestar hoje, aqui, uma merecida homenagem a uma categoria profissional com a
qual mantenho contato desde minha adolescência e que se prolongou até os dias
de hoje: os garçons.
No
Rio de Janeiro, onde nasci e morei por vários anos, e em Niterói, onde passei
parte da minha infância, juventude e alguns anos da fase adulta de vida,
conheci vários deles nos diversos restaurantes e bares que frequentei. Com
alguns deles fiz uma agradável e sólida amizade, sendo sempre recebido com um
sorriso nos lábios e um atendimento impecável nas mesas onde almocei ou jantei,
ou às vezes parava para bebericar alguma coisa após o dia de trabalho.
Esse
relacionamento estendeu-se a alguns restaurantes, brasseries ou bistrôs de Paris,
cidade que passei a visitar com certa frequência depois de minha aposentadoria.
É
uma classe sofrida, que trabalha normalmente de dez a doze horas por dia,
recebendo uma remuneração baixa e que deve manter sempre um sorriso no canto da
boca para agradar os clientes. Hoje, no Rio e em Niterói, grande parte deles
vem da região nordeste do Brasil, tendo muitos deixado a família nas cidades de
origem e vindo para os centros maiores na tentativa de um ganho melhor.
Muitos
deles me marcaram muito e vou tentar relembrar alguns com quem troquei muitas
ideias depois de um delicioso chope “bem tirado” e “sem colarinho”, uma garrafa
de vinho que acompanhava uma refeição ou uma dose de whisky após um cansativo
dia de trabalho.
O “RIVIERA...”
Talvez
tenha sido a grande novidade de Niterói, inaugurado no final dos anos 50 do
século passado. Novidade porque tinha vários banquinhos redondos enfileirados
num comprido balcão que ia até o fundo do estabelecimento, tentando imitar,
talvez, os bares norte-americanos. Niterói não tinha visto decoração idêntica
anteriormente, acredito. Ficava no início da rua da Conceição, do lado direito
de quem sobe a rua, vindo da estação das Barcas. Logo após ele, ficava a famosa
Drogaria Barcellos, seguido da Confeitaria Sportiva e, em seguida, a antiga
Farmácia Ponciano. O “Riviera” tinha como característica marcante, além dos já
citados tamboretes redondos, a presença de um grande aquário do lado esquerdo
de sua entrada. Era um misto de restaurante e botequim. Na parte dos fundos do
estabelecimento havia um jirau de madeira e, no andar superior, eram servidas
refeições. No térreo, logo após o aquário, havia um mostruário de vidro, onde
eram exibidos doces, tortas e salgadinhos diversos. Depois, vinham o balcão e
os tamboretes, onde os fregueses comiam um pedaço de pizza ou um prato de
linguiça acebolada e bebiam um gostoso chope, tirado do barril mais ao fundo.
O
“Riviera” foi inaugurado por um português da ilha da Madeira, o Mário, que, nos
primeiros meses, era também o garçom que servia atrás do balcão. Depois que o
bar caiu no gosto da população niteroiense, que ali ia tomar m chopinho e bater
papo após um dia de trabalho, Mário mandou vir um irmão de Portugal, o José.
Rapaz novo, deveria ter pouco mais de 20 anos quando chegou ao Brasil. Cabelo
caído na testa, tipo franja penteada para o lado, logo recebeu de nós, que já
éramos frequentadores do bar, o apelido de “Francês”. Mas, ainda falava um
português bem carregado. Ficamos logo amigos, apesar dele ser mais velho que
eu, talvez uns cinco ou seis anos. Eu e alguns amigos liceístas, como Irapuam e
Toninho, passamos a ser fregueses assíduos do bar. Vários fins de noite eu e
Zezinho ficávamos batendo longos papos, contando-me ele a saudade que tinha da
terra natal e discutindo nossos planos para o futuro. Eu já havia terminado o
científico no Liceu e cursava a faculdade de Direito. Quando a grana era curta,
Zezinho “pendurava” minha conta, que eu só iria pagar quando recebesse a mesada
do meu pai. Depois, Mário ainda mandou vir outro irmão da “terrinha”, o João,
este, um poço de antipatia. Criava caso com todo mundo, ninguém gostava dele. Sei
que acabou sendo assassinado anos mais tarde por ter tido um envolvimento com
uma mulher casada.
Já
no final da década de 60, Mário deixou o “Riviera” a cargo dos irmãos e
inaugurou uma confeitaria na rua Visconde do Uruguai, depois do Jardim São
João. Com Zezinho (era como eu o chamava) ainda mantive contato por algum tempo
mais até ter ido trabalhar no interior do Estado. Quando o “Riviera” fechou,
ainda encontrei Zezinho num pequeno bar que ele montara na região do Vital
Brazil. Depois, nunca mais o vi. Soube pelo Mário que, talvez, ele tenha mudado
para Santa Catarina.
Do
“Riviera” e do Zezinho Português guardo muitas e agradáveis lembranças...
A “GRUTA DE
CAPRI...”
Outro
local de Niterói que muito frequentei, ainda na adolescência e quando estava no
Liceu, foi a Gruta de Capri, restaurante italiano localizado no início da rua
Miguel de Frias, em Icaraí.
Depois
de darmos o “expediente” vespertino no Grêmio do Liceu, onde apresentávamos a
“Hora do Grêmio” e atendíamos os alunos do turno da tarde, eu e Irapuam
costumávamos dar uma passada na “Gruta”, como a chamávamos na intimidade. O estabelecimento
existe até hoje, apesar de bastante modificado em relação ao que era no final
dos anos 50 do século passado.
Sentávamos
em cadeiras espalhadas pela calçada, aquelas antigas, dobráveis, de metal. As
mesas também eram do mesmo material. Ali nos atendia um italiano bonachão,
aparentando ter uns cinquenta anos de idade, corpulento, cabelos começando a
ficar grisalhos. Quase nunca sorria, mas sempre nos atendia com muita
cordialidade e presteza. Dele logo ficamos conhecidos. Chamava-se Braz.
Com
ele convivemos por dois ou três anos, sempre em finais de tarde.
O
tempo passou rapidamente, a “Gruta” modificou-se, ganhando, talvez, uma aparência
de restaurante mais fino. Nem sei se as mesas e cadeiras ainda continuam na calçada
da Miguel de Frias.
Nunca
mais tive notícias do Braz...
O “MANEL’S...”
Escrevi
“Manel’s”, mas a grafia correta seria “Manuel’s”. Quando nos referíamos ao
misto de mercearia e botequim situado na esquina das ruas Mariz e Barros e
Lemos Cunha, também em Icaraí, eu e alguns liceístas, principalmente Irapuam, Josa,
Toninho Matheus (como sempre) e outros, dizíamos apenas:
--
Vamos tomar uma cerveja lá no “Manel’s’?
Seu
nome era Mercearia Palmira. Os donos eram dois portugueses (Manuel e Frederico,
o Fred). O estabelecimento funcionava como mercearia, com duas entradas, uma
pela Lemos Cunha e outra pela Mariz e Barros. Um biombo de madeira a separava
do bar, que tinha outra entrada pela Lemos Cunha. Ali haviam quatro ou cinco
mesas de tampo de mármore e cadeiras envernizadas de preto. Típico botequim
português.
Manuel
era mais simpático que Fred. Português de fala carregada, ostentava um vasto
bigode preto sobre a boca. Fred era mais novo, cabelos aloirados, irritadiço,
sempre nervoso e apressado.
Irapuam
já conhecia o estabelecimento há algum tempo, pois morava em Icaraí (eu morava
no centro, Josa no Barreto, Toninho no Fonseca). Apresentou-nos aos dois sócios
e aos demais frequentadores habituais do estabelecimento: Coelho e Teófilo,
dois senhores de meia idade, que sempre estavam em suas mesas nos finais de
tarde, bebendo uma “Portuguesa”. Havia também o Beto, rapaz da nossa idade,
amigo de Irapuam, que às vezes aparecia no local.
Em
pouco tempo abrimos uma conta com Manuel e só a resgatávamos nos finais de mês.
Era bom, porque nenhum de nós ainda trabalhava e só recebíamos nossas mesadas
nos dias 30, 31 de cada mês.
Manuel
logo se identificou com a gente, sempre nos tratando muito bem. Fred, apesar de
seu constante mau humor, também sempre nos tratou bem.
O
tempo passou rapidamente, hoje, no lugar do “Manel’s” existe uma oficina
mecânica. Aliás, depois da ponte Rio-Niterói, a cidade não é mais a mesma...
Do
Manuel e do Fred nunca mais ouvi falar...
O “ULRICH...”
No
início da década de 70 eu já era Promotor de Justiça em Niterói e havia me
mudado para o Rio. Por isso, após o expediente de trabalho no fórum da antiga
capital fluminense, atravessava a baÍa de Guanabara para chegar em casa, um
apartamento que aluguei em Botafogo. Nessas travessias diárias conheci um outro
Promotor de Justiça, Mário, que também morava no Rio e trabalhava numa vara
cível em Niterói. Alguns anos mais velho que eu e aprovado num concurso
anterior ao meu, morava no Rio Comprido. Depois de algumas travessias
convidou-me timidamente para tomarmos um chope num local que conhecia da rua
São José, no centro da capital carioca. Aceitei prazerosamente o convite e aí
conheci o “Ulrich”, um tradicional restaurante perto da saída das Barcas. A
entrada era uma daquelas portas de vai-e-vem, típicas de bar de faroeste
americano. À noite, por volta das 18 e trinta, 19 horas, funcionava mais como
bar do que restaurante. Mário já conhecia um dos garçons, o Manuel, que tratava
com intimidade por Manolo. Senhor alto, corpulento, calvície bem acentuada,
cabelos brancos nas têmporas, não era de muito rir, mas nos dispensava um
atendimento especial, sempre atento aos nossos pedidos e muito gentil no
tratamento. Com a continuidade da frequência ao estabelecimento, Manolo foi-se
abrindo um pouco mais. Tinha 72 anos, já se aposentara, mas teve
que continuar trabalhando, pois o que recebia da aposentadoria não dava para
sustentar a família. Morava numa casinha modesta no Rocha, subúrbio do Rio.
Dava pena vê-lo se locomovendo das mesas até o fundo do restaurante, onde havia
um balcão onde eram tirados os chopes ou colocados os pratos de salgadinhos ou
refeições encomendados pelos fregueses. Já andava com certa dificuldade,
arrastando os pés pelo chão do estabelecimento. Nossa mesa ficava do lado
direito da entrada, encostada na parede. Dali até o mencionado balcão deveriam
ser aproximadamente uns trinta metros. E Manolo ia e voltava, ia e voltava,
talvez umas quarenta ou cinquenta vezes numa noite em que nos atendia. Mas,
nunca perdia o bom humor ou deixava de trocar um dedo de prosa com os dois
jovens advogados (ele não sabia, no início, que éramos Promotores de Justiça).
Aliás, aquela região do centro da cidade, nas proximidades do Palácio de
Justiça, era muito frequentada por juízes, promotores, advogados, serventuários.
Eu
e Mário passamos a frequentar o “Ulrich” quase todas as noites, após
atravessarmos a baía. Nossa amizade com Manolo se solidificou com o passar do
tempo e, certa vez, ele nos convidou a visitá-lo em sua casa, no Rocha. Por
falta de tempo e de oportunidade acabamos não indo, mas me arrependo de não ter
feito essa visita.
O
tempo, como sempre implacável, também passou rapidamente...,
O
“Ulrich” continua no mesmo lugar, acho que mudou de dono. Foi totalmente
remodelado, as mesas de tampo de mármore foram substituídas por outras de
fórmica, as cadeiras não são mais aquelas antigas, tradicionais... Na hora do
almoço está sempre cheio, pois ainda serve alguns pratos de comida caseira, e a
preços razoáveis, o que atrai muita gente que trabalha nas imediações... Mas, à
noite, não apresenta mais aquele ambiente de botequim antigo, tão
característico das décadas de 50, 60 e 70 do século passado...
Manolo
não trabalha mais lá... Pelo tempo e por sua idade naquela época, deve ter
falecido...
A
porta de vai-e-vem foi substituída por outra mais moderna, acho que de vidro temperado
...
O “LA MAISON”...
Quando
morava em Copacabana, já neste século, passei a frequentar um restaurante muito
bom, na Avenida Atlântica esquina com rua Santa Clara. Ia lá almoçar aos
sábados ou domingos, pois achava a comida muito boa e variada. Carnes,
peixes e frutos do mar diversos, bons vinhos e cervejas. Além disso, nos fins
de semana, podíamos desfrutar da delícia que é a orla de Copacabana em dias de
verão. Movimento intenso, muitos turistas, muita gente bonita desfilando pelas
calçadas da Princesinha do Mar.
Depois
de algum tempo de frequência conheci o Waldir, um dos garçons do
estabelecimento. Magro, alto, devia ter uns quarenta e poucos anos quando veio
nos servir pela primeira vez. Começamos a conversar amigavelmente, ele nos
disse que era de Porto Seguro, na Bahia, e já estava há algum tempo no Rio. Falava
sempre na vontade de voltar para a terra natal, onde sonhava abrir um pequeno
negócio. Mas, acabava adiando o sonho e ali continuava trabalhando. Segundo
ele, pegava no serviço às 11 da manhã e só ia embora quando o estabelecimento
fechava, lá por uma ou duas da madrugada. Devia receber um pouco mais por tão
extensa jornada de trabalho, mas, convenhamos, era muito tempo em pé, indo e
vindo das mesas espalhadas na calçada da Atlântica até o interior do
restaurante.
Waldir,
com o tempo, sempre escolhia para mim o melhor camarão, a melhor peça de carne,
sugeria o melhor vinho ou me trazia um chope bem tirado. Eu, também, como
sempre fiz com todos os garçons que me serviram na vida, dava-lhe uma gorjeta
extra, além dos 10% que vinham incluídos na conta. Aliás, e abro aqui um
parêntesis: a gorjeta, que deveria ser uma gratificação para quem te serviu
bem, acaba se transformando num extra que é dividido por todo o pessoal do
restaurante: gerente, cozinheiro, caixa, mesmo que estes não o tenham atendido
corretamente. O pobre do garçom, que foi atencioso, solícito, acaba recebendo
uma ínfima parte daqueles dez por cento que já vêm na conta a pagar.
Por
isso, sempre fiz questão de dar algo mais, diretamente, àquele que me atendeu.
Waldir, sempre humilde, agradecia:
--
Obrigado, doutor, o senhor é um dos poucos fregueses que faz isso...
Frequentei
por vários anos o “La Maison”, deixei de ir lá quando mudei para outro trecho
de Copacabana. Não sei se o Waldir ainda lá está ou se voltou para Porto
Seguro...
O “MAXIMS”...
Esse
restaurante fica na esquina da Av. Atlântica com Fernando Mendes, ao lado do
badalado hotel Copacabana Palace.
Passei
a frequentá-lo quando mudei para um apartamento do outro lado do Palace, quase
esquina com Rodolfo Dantas.
Ali
conheci dois garçons que passaram a me atender com mais frequência: o Mauro e o
Sebastião.
Mauro
deve ter pouco mais de 50 anos. Tem um discreto sotaque nordestino, me disse
que mora em Niterói, depois do Barreto. Já Sebastião, o “seu” Tião, aparenta
ter mais de 60, cabelos brancos e a calvície já aparecendo no alto da cabeça.
Também mora do outro lado baía, acho que em São Gonçalo.
Os
dois atendem as mesas que ficam na calçada em frente ao restaurante. Muito
atenciosos, logo fiz amizade com os dois. Apesar de ser um restaurante situado
num ponto considerado como o mais nobre de Copacabana, nada tem de
extraordinário. Serve os mesmos pratos que a maioria dos estabelecimentos da
orla, os preços também são semelhantes. Mauro gosta mais de um papo do que
Sebastião, apesar de ambos serem muito atenciosos e sempre procurando agradar o
cliente. Também sempre os gratifiquei com algo mais do que os dez por cento
convencionais.
Ficava
imaginando o sacrifício que dois homens, já na meia idade, faziam todos os
dias: pegar uma condução de casa até as Barcas, em Niterói, atravessar a baía
de Guanabara e ainda pegar outro ônibus para chegarem a Copacabana. E, depois,
em pé, ficarem servindo mesas o dia inteiro...
Vida
muito sacrificada, o que bem demonstra como a crise do trabalho afeta o Brasil.
As pessoas, mesmo depois dos 60 anos, quando já deveriam estar pensando em
gozar uma merecida aposentadoria, ainda serem obrigadas a trabalhar para manter
o sustento da família...
Vejo
isso acontecer com várias outras profissões, como vendedores em lojas, motoristas
de táxi e de aplicativos, etc... Pessoas com mais de 50 anos (algumas mulheres,
inclusive), mesmo aposentadas pelo INSS são obrigadas a continuar trabalhando
para sustentar seus padrões de vida...
“RESTAURANT,
BRASSERIE E BISTROT...”
Pelo
que li e ouvi, na França, “restaurant” é o estabelecimento mais fino, onde são
servidas apenas refeições, nada de apenas um drinque ou um tira-gosto. E,
geralmente, nos restaurantes, os pratos são mais sofisticados, os vinhos são de
melhor qualidade, o ambiente é mais requintado. Infelizmente, esse tipo de
estabelecimento é mais raro na Paris de hoje, invadida por fast-foods tipo
MacDonald’s ou King’s Burger, de origem norte-americana ou mesmo “pubs”
irlandeses ou ingleses. As cenas que já vimos de um almoço de uma família ou
amigos tipicamente franceses, que começavam ao meio-dia e terminavam quatro
horas depois, acredito que, talvez, só no interior do país. Naqueles almoços
eram servidos de cinco a seis pratos, com um vinho diferente acompanhando cada
um deles e, no final, ainda havia um digestivo, que podia ser um conhaque ou um
calvados. Nos “restaurants” as mesas são cobertas por toalhas de linho, os
guardanapos também são de pano, os garçons e maîtres estão impecavelmente
trajados, usando casaca e gravata borboleta pretas. Exemplos são o ‘Le Nôtre”
ou o “Tour d’Argent”. Não sei se ainda exigem que os clientes trajem paletó e
gravata... Nada sei deles, só os vi em filmes e fotos...
As
“brasseries” são as cervejarias, onde se pode escolher uma cerveja entre as
várias que são oferecidas, na pressão ou em garrafas, originárias de países de
quase todo o mundo. Já encontrei a nossa “Brahma” tipo exportação em algumas
delas. Nas “brasseries”, além de saborear uma gostosa cerveja estrangeira, você
pode beliscar alguma coisa típica francesa, como o “foie gras”, ou os famosos
“escargots”, ou talvez uma bandeja (“assiete”) de queijo ou de frios
(“charcuterie”). Pode ainda tomar uma sopa de cebola ou de legumes e, se
estiver com um pouco mais de fome, pedir um sanduíche misto de queijo e
presunto (“croque monsieur”) ou acompanhado de um ovo frito (o “croque
madame”). E, se estiver mesmo com fome de verdade, pode pedir uma refeição, que
aqui é bem mais simples que aquela servida nos restaurantes tradicionais. Tudo
sempre acompanhado do delicioso pão francês e da saborosa mostarda de Dijon.
Já
o bistrô, muito mais popular entre os franceses, assemelha-se um pouco ao nosso
tradicional botequim, que hoje só é encontrado nos subúrbios do Rio. Serve de
tudo: cerveja, vinho, destilados, aperitivos (como o Kir e o Ricard);
tira-gostos variados para beliscar (“grignoter”); pratos simples para uma
refeição ligeira e, até mesmo, um simples café, onde o freguês pode ocupar uma
mesa por horas lendo um livro ou, nos dias de hoje, atualizando sua caixa de
e-mails.
Fiz
essa distinção acima, sem ter certeza de que é realmente a correta entre os
franceses, para destacar que, como sempre, prefiro os bistrôs quando vou a
Paris. Apesar de uma vez ou outra ir a uma brasserie, onde bebo uma saborosa
Guiness irlandesa.
E,
nessas andanças pelos bistrôs parisienses, conheci alguns garçons
extraordinários que, em pouco tempo, tornaram-se meus amigos, recebendo-me
sempre com um largo sorriso nos lábios e um forte abraço quando chego à capital
francesa. Trocamos cartões de Natal, levo e recebo pequenos presentes quando os
revejo. Para mim e, acredito para eles também, é sempre um motivo de alegria os
nossos reencontros.
Sei
que muita gente diz que os franceses, principalmente os garçons, são mal
humorados, ríspidos, até grossos no tratamento com os clientes, em especial os
estrangeiros. Pode até ser que isso ocorra com um ou outro, para consolidar as
exceções à regra. Mas, certamente, isso não ocorre com aqueles que vou
mencionar agora.
“LE TABAC DE LA
SORBONNE...”
Já
disse em publicações anteriores que o local onde costumo me hospedar quando vou
a Paris é o quinto distrito (“5ème arrondissement”), mais conhecido como
Quartier Latin, ou bairro Latino. Foi ali que eu e minha família ficamos em
1957, quando eu tinha 14 anos de idade. Meu pai resolveu nos levar a todos para
mais uma viagem que faria à Europa, onde participaria de um curso de
especialização num famoso instituto de medicina do mundo, o Centre
International de l’Enface. Fomos eu, meus dois irmãos, minha mãe e minha avó,
acompanhando meu pai. Ele já deveria ter-se hospedado anteriormente no mesmo
hotel em que ficamos, o “Excelsior”, na rue de Cujas, a um quarteirão da
Sorbonne. Devo ter herdado dele o gosto e a admiração pelo bairro, sempre
alegre e esfuziante, reduto dos estudantes que frequentam a famosa faculdade e
um dos lugares mais tradicionais de Paris, que ainda mantém um pouco
(infelizmente, só um pouco) da atmosfera da cidade antes das duas guerras
mundiais. Talvez pela presença maciça dos estudantes, muitos deles originários
de outras partes do mundo, que mantêm a espontaneidade e a alegria próprias de
suas idades e de seus países de origem.
Nunca
mais me hospedei no Excelsior, mas sempre em outros hotéis das redondezas:
Senlis, Cujas, Sorbonne, Pantheon, Suez e, mais recentemente, Home Latin e
Mercure Notre Dame Saint Germain.
E,
em muitas dessas viagens, ia tomar o café da manhã ou fazer uma refeição
ligeira no “Tabac de la Sorbonne”, um simpático bistrô localizado na praça da
faculdade, quase na esquina do Boulevard de Saint Michel. É um misto de bar e
restaurante, tendo mesas na parte interna e várias outras espalhadas na calçada
em frente.
Numa
dessas vezes, enquanto me servia um “petit déjeuner” completo (café com leite,
pão francês com manteiga, suco de laranja, croissant e geleia), o garçom (em
francês “serveur”), um senhor já começando a ficar grisalho, cabelo cortado
tipo “escovinha”, perguntou-me educadamente (em francês, é claro):
--
Bom dia, já reparei que o senhor costuma vir tomar seu café da manhã aqui
conosco com frequência. De onde o senhor vem?
--
Brasil. Rio de Janeiro – respondi, abrindo um sorriso amigável.
--
É um prazer servi-lo. Estou ao seu dispor, qualquer coisa é só me chamar.
Seu
nome era Jean Claude. Disse-lhe meu nome também. E, nos dias e anos seguintes,
sempre que eu chegava ao “Tabac” para o café da manhã, ele se apressava em me
atender, falando rapidamente:
--
“Bonjour”, Carlos.
Transitava
rapidamente entre as mesas, tanto as do lado de fora como as internas do
estabelecimento. Nas horas de maior movimento era auxiliado por um outro
garçom. Mas, normalmente, fazia todo o trabalho sozinho.
E,
ainda era o guardião da chave do banheiro, que cedia prazerosamente às senhoras
que queriam ir ao “toilette”. Não sei se os homens também podiam usar o
“reservado”. Eu, pelo menos, nunca usei. Mas, minha mulher e minha filha sempre
tinham que pedir a chave a Jean-Claude. Isso era talvez porque o
bar-restaurante era muito frequentado pelos estudantes da Sorbonne e também de
um Liceu que ficava do outro lado do Boulevard de Saint Michel. Os responsáveis
talvez tivessem receio de que a garotada pudesse se trancar no banheiro e fazer
alguma coisa reprovável.
Como
era também uma tabacaria, sempre havia uma fila junto ao caixa para comprar
cigarros. Os franceses são conhecidos por fumarem muito...
Quando
o movimento estava mais fraco, Jean-Claude ficava em pé ao meu lado e
conversávamos bastante. Queria saber coisas do Brasil, onde nunca estivera.
Mostrei-lhe fotos de Copacabana, de Icaraí, ele ficou maravilhado. Morava num
subúrbio de Paris, pegava o trem todos os dias para ir e voltar do trabalho.
Trocamos endereços, na época do Natal enviávamos cartões um para o outro.
Aposentou-se
há pouco mais de um ano e acho que faz muita falta ao estabelecimento. Pelo
menos, foi o que me disseram dois dos gerentes que ficam junto ao caixa.
“Tabac
de La Sorbonne” (foto da internet)
Jean Claude
O “LE DÉPART...”
No
Boulevard de Saint Michel, número 1, do lado esquerdo, esquina com o rio Sena, fica um também misto de bistrô e
restaurante, o LE DÉPART SAINT MICHEL. Serve almoço e janta (pratos simples,
cardápio modesto), petiscos, doces, cerveja e tem uma razoável seleção de
vinhos franceses.
O
ponto é espetacular. Ali em frente há uma estação de metrô, uma das mais
concorridas de Paris: a Saint Michel, que dá acesso à linha 4, do metrô regular
e a duas linhas do RER (o metrô rápido), a C e a B. Dessas estações desembarcam
ou embarcam pessoas do mundo inteiro (atualmente, mais os asiáticos),
carregando apressadas suas malas pela calçada do boulevard famoso,
carinhosamente apelidado de Boul’mich. Do outro lado, um pouco mais à esquerda
do “Le Depart”, numa pequena praça, está a fonte de Saint Michel.
Fonte de
Saint Michel
Sentados numa cadeira, assistimos
aquele movimento constante e sempre volumoso de pessoas, para lá e para cá,
tentando atravessar uma ponte sobre o Sena, ou subindo o boulevard, em direção
a hotéis, lojas, a Sorbonne ou o Jardim de Luxemburgo, mais acima. Bebendo um
cálice de “Sancerre” (meu vinho tinto preferido), degustando uma “assiete” de 6
escargots ou de “foie gras”, apreciando uma refeição (que pode ser o “veau à milanaise”
com espaguete), ou engordando com uma deliciosa torta de limão coberta de
suspiros (merengue)...
Depois
de algumas viagens a Paris, o “Le Depart” passou a ser um dos meus locais
preferidos. Fiz amizade com alguns garçons, mas aquele com quem tenho mais
afinidade é o Éric. Baixo, magrinho, usando óculos de lentes grossas, é
extremamente simpático e agradável. Gosta de um bom papo, dei-lhe um escudo de
metal com a bandeira do Brasil, ofertou-me uma garrafa de vinho caseiro que disse ter fabricado e, toda vez que entramos no restaurante vem rápido nos
atender, indicando as mesas em que está servindo e, como sempre, cobrindo-nos
de gentilezas.
Éric
|
Le Depart Saint-Michel |
O “QUARTIER
GREC...”
Dentro
do “Quartier Latin” há um pequeno quadrilátero que é limitado pelo rio Sena acima,
pela rua de Saint Jacques de um lado, pelo Boulevard de Saint Michel do outro e
pelo Boulevard de Saint Germain des Près abaixo (dependendo, é claro, da
posição em que você se encontra). Dentro dele existem pequenas ruas estreitas,
repletas de restaurantes típicos, de cozinhas diferentes, como a francesa, a
mexicana, a italiana, a vietnamita, entre outras. Mas, neles trabalham, em
grande parte, garçons de origem grega. Daí passei a chamá-lo de “Quartier
Grec”. Suas ruas principais são a Harpe, a Huchete, a Saint Séverin, a Xavier
Privas e uma curiosamente chamada de “rue du Chat qui Pêche”, segundo alguns, a
rua mais estreita de Paris (não sei se é verdade). Nesse local também está uma
das igrejas mais bonitas da cidade, pouco conhecida pelos turistas: a Saint
Séverin. Suntuosa, magnífica, escondida num canto do bairro...
Ali
almoço em dois restaurantes onde fiz amizades com os garçons: o Demi Lune e
um outro (cujo nome não me recordo), mas onde trabalha um desses garçons. Esses
só servem refeições, apesar de serem muito simples e de preços acessíveis. Não
servem apenas aperitivo, tira-gosto ou um cafezinho.
Na
“rue de la Huchete” no restaurante cujo nome não recordo, trabalha o Pandeli.
Baixinho, um pouco obeso, calvo, um espesso bigode acima do lábio superior,
sempre um sorriso amigável a nos receber. Já trabalhou em três restaurantes
onde almocei, todos de patrões gregos, ele também grego. Quando estou em Paris
e vou comer no Demi Lune, ele sempre passa por lá para me cumprimentar e me
convidar a almoçar no outro dia no restaurante onde trabalha atualmente, lá
na Huchete. Pandeli é uma figura: nos
recebe com um abraço, traz um Kir por conta da casa, indica-nos o melhor prato
do dia.
Pandeli
Na
esquina da rue Saint Sévérin com rue de Harpe está o “Demi Lune”. Restaurante
simples, um portinha dando para St. Sévérin, cinco ou seis mesas na parte de
baixo, outras cinco na parte superior do jirau, o bar nos fundos, a cozinha e o
banheiro no subsolo. Mas, comida boa, bem feita, principalmente a pierrade, que
é um prato onde eles trazem a carne crua cortada ao lado de alguns legumes
também crus, e uma chapa de pedra bem
quente, onde você coloca a carne para cozinhar no ponto que você deseja. Coloca
antes bastante sal na pedra e se serve dos molhos que acompanham as carnes e
legumes (bernaise, mostarda, poivre verte, curry, etc ...). Delícia... Pode
acompanhar com uma garrafa de um bom Bordeaux ou Brouilly. Também a água
mineral para não ressecar...
O
“Demi Lune” também só serve refeições. Ali não se senta para tomar apenas um
aperitivo, beliscar alguma coisa leve ou degustar um café... Apesar de se
denominar restaurante, é bem simples e a comida é muito boa... Como a maioria
dos restaurantes populares de Paris ele também oferece a opção da “formule” ou
“menu”, como os franceses preferem chamar. É uma combinação onde você escolhe
uma entrada, depois um prato principal e uma sobremesa, entre algumas opções
que eles selecionam e paga um preço bem mais em conta se fosse pedir os pratos
separadamente. As “formules” variam de preço, dependo dos pratos que são
colocados como opção para o cliente. Alguns restaurantes oferecem ainda uma
“formule” mais barata onde você escolhe, apenas, a entrada e o prato principal,
ou este e a sobremesa.
Ali
conheci o Nicolas. Também grego, gordinho, adora conversar. Só que o francês
dele (como o meu) não são muito bons, só consigo entender parte do que ele diz.
Conta muito sobre sua terra natal, adora futebol, presenteou-me com um DVD
sobre Maradona e Pelé, retribuí a gentileza oferecendo-lhe um outro DVD sobre
Garrincha...
Depois
que o Pandeli deixou o “Demi Lune”, ali foi trabalhar o Momô, também grego,
baixo e gordinho, beirando os 60 anos. Usa um avental onde exibe vários “botons”
e escudos. Dei-lhe um do Botafogo, que ele usa até hoje com muito orgulho...
Nicolas
e Momô vivem resmungando, um reclamando do outro em voz baixa... mas, acabam se
entendendo... O bom é que os dois me atendem muito bom, sempre com muita
cordialidade e atenção...
Momô, na porta do “Demi Lune”
Nicolas
O “LA GUEUZE...”
Uma
das principais brasseries de Paris, que frequento desde 1990, quando me
aposentei. Fica perto do hotel onde me hospedava naquela época, o Senlis, junto
do Pantheon e do Jardim de Luxemburgo.
O
“La Gueuze” fica no início da rua Soufflot, , próximo à Praça Edmond Ronstand.
Gostava mais dela até mudar de dono, acho que em 2014. Um grande salão com
várias mesas, tem também uma parte externa envidraçada na entrada, na calçada
da Soufflot. Servia várias tipos de comida, ressaltando-se a “pierrade” e “la
choucrute”. Tem uma razoável carta de vinhos e uma excelente variedade de
cervejas de vários países. Também serve só bebidas e tira-gosto, sem a
obrigatoriedade de fazer uma refeição à “la carte”.
Depois
que mudou o proprietário, o serviço caiu um pouco. Não há mais tanta variedade
de cervejas, como também dos pratos no cardápio. Fizeram uma reforma na
decoração, que perdeu aquele ar de um típico bistrô francês, ficando mais
moderninho, mas não chegando a ser um “fast food”.
Lá
conheci o Kamel, um marroquino (seria argelino?) em 1997, segundo me recordo.
Havia levado minha filha e meu neto naquela viagem. Ficamos hospedados no
Senlis, como habitualmente. Num fim de uma tarde, meu neto estava com fome e
pediu-me para comer alguma coisa. Minha filha preferiu ficar descansando no
hotel, eu e Diego fomos ao “La Gueuze”. Enquanto fazíamos um lanche, meu neto
ficou brincando com meu chaveiro e, só no dia seguinte, fui dar pela falta do
mesmo. Procurei em vários lugares e voltei ao restaurante para saber se havia ficado
lá. Chamei o mesmo garçom que me atendera na véspera e perguntei-lhe sobre o
chaveiro. Pediu-me que o descrevesse. “Várias chaves e um escudo grande do
Botafogo em metal”. Ele foi até o balcão do estabelecimento e me trouxe o
chaveiro. Agradeci-lhe, perguntei seu nome e daí em diante, sempre que voltava
no “La Gueuze” procurava pelo Kamel. Sempre também me recebia com satisfação,
dando-me um abraço e me servindo com muita atenção. Deu-me seu endereço em
Paris e trocamos cartões de Natal por alguns anos.
Mesmo
depois que houve a troca de proprietários, ele ainda continuou trabalhando na
“brasserie”. Mas, há uns dois anos atrás disse-me que estava pensando em sair,
em abrir um negócio só dele, lá perto de onde morava, em La Villete.
Realmente,
fez isso. Não o vi mais quando voltei a Paris.
Mas,
ainda vou ao “La Gueuze” saborear uma “Guiness” e comer uma “pierrade” ou um
“chucrute...
Devo
destacar, ainda, apesar de não ser frequentador assíduo, mas sempre encontro
quando vou lá, um garçom de Montmartre, ao lado da Place de Tertre, a praça dos
pintores daquela região boêmia de Paris.
Acho
que seu nome é Jacques, não tenho certeza. Mencionei-o aqui, apenas por trajar
ele um uniforme de um francês típico. Mas, nunca conversei mais longamente com
ele. Já trabalha no mesmo restaurante há muito tempo no mesmo local, sempre o
encontro quando vou a Montmartre.
Jacques (?)
Bem,
essa a minha experiência com vários garçons que conheci desde a juventude. Sempre
os tratei muito bem, reconhecendo a dura jornada de trabalho que enfrentam e a
obrigação de sempre manter um sorriso nos lábios para agradar a clientela...
Trate
bem quem lhe serve que será recompensado... Gratifiquem bem os garçons que eles
servirão melhor a você... Ganhará algum novo amigo em algum lugar...