domingo, maio 26, 2019

NOSSOS AMIGOS, OS GARÇONS...




NOSSOS AMIGOS, OS GARÇONS...

Calfilho



            Queria prestar hoje, aqui, uma merecida homenagem a uma categoria profissional com a qual mantenho contato desde minha adolescência e que se prolongou até os dias de hoje: os garçons.
             No Rio de Janeiro, onde nasci e morei por vários anos, e em Niterói, onde passei parte da minha infância, juventude e alguns anos da fase adulta de vida, conheci vários deles nos diversos restaurantes e bares que frequentei. Com alguns deles fiz uma agradável e sólida amizade, sendo sempre recebido com um sorriso nos lábios e um atendimento impecável nas mesas onde almocei ou jantei, ou às vezes parava para bebericar alguma coisa após o dia de trabalho.
             Esse relacionamento estendeu-se a alguns restaurantes, brasseries ou bistrôs de Paris, cidade que passei a visitar com certa frequência depois de minha aposentadoria.
             É uma classe sofrida, que trabalha normalmente de dez a doze horas por dia, recebendo uma remuneração baixa e que deve manter sempre um sorriso no canto da boca para agradar os clientes. Hoje, no Rio e em Niterói, grande parte deles vem da região nordeste do Brasil, tendo muitos deixado a família nas cidades de origem e vindo para os centros maiores na tentativa de um ganho melhor.
             Muitos deles me marcaram muito e vou tentar relembrar alguns com quem troquei muitas ideias depois de um delicioso chope “bem tirado” e “sem colarinho”, uma garrafa de vinho que acompanhava uma refeição ou uma dose de whisky após um cansativo dia de trabalho.

             O “RIVIERA...”
             Talvez tenha sido a grande novidade de Niterói, inaugurado no final dos anos 50 do século passado. Novidade porque tinha vários banquinhos redondos enfileirados num comprido balcão que ia até o fundo do estabelecimento, tentando imitar, talvez, os bares norte-americanos. Niterói não tinha visto decoração idêntica anteriormente, acredito. Ficava no início da rua da Conceição, do lado direito de quem sobe a rua, vindo da estação das Barcas. Logo após ele, ficava a famosa Drogaria Barcellos, seguido da Confeitaria Sportiva e, em seguida, a antiga Farmácia Ponciano. O “Riviera” tinha como característica marcante, além dos já citados tamboretes redondos, a presença de um grande aquário do lado esquerdo de sua entrada. Era um misto de restaurante e botequim. Na parte dos fundos do estabelecimento havia um jirau de madeira e, no andar superior, eram servidas refeições. No térreo, logo após o aquário, havia um mostruário de vidro, onde eram exibidos doces, tortas e salgadinhos diversos. Depois, vinham o balcão e os tamboretes, onde os fregueses comiam um pedaço de pizza ou um prato de linguiça acebolada e bebiam um gostoso chope, tirado do barril mais ao fundo.
             O “Riviera” foi inaugurado por um português da ilha da Madeira, o Mário, que, nos primeiros meses, era também o garçom que servia atrás do balcão. Depois que o bar caiu no gosto da população niteroiense, que ali ia tomar m chopinho e bater papo após um dia de trabalho, Mário mandou vir um irmão de Portugal, o José. Rapaz novo, deveria ter pouco mais de 20 anos quando chegou ao Brasil. Cabelo caído na testa, tipo franja penteada para o lado, logo recebeu de nós, que já éramos frequentadores do bar, o apelido de “Francês”. Mas, ainda falava um português bem carregado. Ficamos logo amigos, apesar dele ser mais velho que eu, talvez uns cinco ou seis anos. Eu e alguns amigos liceístas, como Irapuam e Toninho, passamos a ser fregueses assíduos do bar. Vários fins de noite eu e Zezinho ficávamos batendo longos papos, contando-me ele a saudade que tinha da terra natal e discutindo nossos planos para o futuro. Eu já havia terminado o científico no Liceu e cursava a faculdade de Direito. Quando a grana era curta, Zezinho “pendurava” minha conta, que eu só iria pagar quando recebesse a mesada do meu pai. Depois, Mário ainda mandou vir outro irmão da “terrinha”, o João, este, um poço de antipatia. Criava caso com todo mundo, ninguém gostava dele. Sei que acabou sendo assassinado anos mais tarde por ter tido um envolvimento com uma mulher casada.
           Já no final da década de 60, Mário deixou o “Riviera” a cargo dos irmãos e inaugurou uma confeitaria na rua Visconde do Uruguai, depois do Jardim São João. Com Zezinho (era como eu o chamava) ainda mantive contato por algum tempo mais até ter ido trabalhar no interior do Estado. Quando o “Riviera” fechou, ainda encontrei Zezinho num pequeno bar que ele montara na região do Vital Brazil. Depois, nunca mais o vi. Soube pelo Mário que, talvez, ele tenha mudado para Santa Catarina.
       Do “Riviera” e do Zezinho Português guardo muitas e agradáveis lembranças...

A “GRUTA DE CAPRI...”
      Outro local de Niterói que muito frequentei, ainda na adolescência e quando estava no Liceu, foi a Gruta de Capri, restaurante italiano localizado no início da rua Miguel de Frias, em Icaraí.
           Depois de darmos o “expediente” vespertino no Grêmio do Liceu, onde apresentávamos a “Hora do Grêmio” e atendíamos os alunos do turno da tarde, eu e Irapuam costumávamos dar uma passada na “Gruta”, como a chamávamos na intimidade. O estabelecimento existe até hoje, apesar de bastante modificado em relação ao que era no final dos anos 50 do século passado.
        Sentávamos em cadeiras espalhadas pela calçada, aquelas antigas, dobráveis, de metal. As mesas também eram do mesmo material. Ali nos atendia um italiano bonachão, aparentando ter uns cinquenta anos de idade, corpulento, cabelos começando a ficar grisalhos. Quase nunca sorria, mas sempre nos atendia com muita cordialidade e presteza. Dele logo ficamos conhecidos. Chamava-se Braz.
           Com ele convivemos por dois ou três anos, sempre em finais de tarde.
     O tempo passou rapidamente, a “Gruta” modificou-se, ganhando, talvez, uma aparência de restaurante mais fino. Nem sei se as mesas e cadeiras ainda continuam na calçada da Miguel de Frias.
            Nunca mais tive notícias do Braz...

O “MANEL’S...”
       Escrevi “Manel’s”, mas a grafia correta seria “Manuel’s”.              Quando nos referíamos ao misto de mercearia e botequim situado na esquina das ruas Mariz e Barros e Lemos Cunha, também em Icaraí, eu e alguns liceístas, principalmente Irapuam, Josa, Toninho Matheus (como sempre) e outros, dizíamos apenas:
         -- Vamos tomar uma cerveja lá no “Manel’s’?
    Seu nome era Mercearia Palmira. Os donos eram dois portugueses (Manuel e Frederico, o Fred). O estabelecimento funcionava como mercearia, com duas entradas, uma pela Lemos Cunha e outra pela Mariz e Barros. Um biombo de madeira a separava do bar, que tinha outra entrada pela Lemos Cunha. Ali haviam quatro ou cinco mesas de tampo de mármore e cadeiras envernizadas de preto. Típico botequim português.
     Manuel era mais simpático que Fred. Português de fala carregada, ostentava um vasto bigode preto sobre a boca. Fred era mais novo, cabelos aloirados, irritadiço, sempre nervoso e apressado.
          Irapuam já conhecia o estabelecimento há algum tempo, pois morava em Icaraí (eu morava no centro, Josa no Barreto, Toninho no Fonseca). Apresentou-nos aos dois sócios e aos demais frequentadores habituais do estabelecimento: Coelho e Teófilo, dois senhores de meia idade, que sempre estavam em suas mesas nos finais de tarde, bebendo uma “Portuguesa”. Havia também o Beto, rapaz da nossa idade, amigo de Irapuam, que às vezes aparecia no local.
       Em pouco tempo abrimos uma conta com Manuel e só a resgatávamos nos finais de mês. Era bom, porque nenhum de nós ainda trabalhava e só recebíamos nossas mesadas nos dias 30, 31 de cada mês.
           Manuel logo se identificou com a gente, sempre nos tratando muito bem. Fred, apesar de seu constante mau humor, também sempre nos tratou bem.
       O tempo passou rapidamente, hoje, no lugar do “Manel’s” existe uma oficina mecânica. Aliás, depois da ponte Rio-Niterói, a cidade não é mais a mesma...
           Do Manuel e do Fred nunca mais ouvi falar...

O “ULRICH...”
         No início da década de 70 eu já era Promotor de Justiça em Niterói e havia me mudado para o Rio. Por isso, após o expediente de trabalho no fórum da antiga capital fluminense, atravessava a baÍa de Guanabara para chegar em casa, um apartamento que aluguei em Botafogo. Nessas travessias diárias conheci um outro Promotor de Justiça, Mário, que também morava no Rio e trabalhava numa vara cível em Niterói. Alguns anos mais velho que eu e aprovado num concurso anterior ao meu, morava no Rio Comprido. Depois de algumas travessias convidou-me timidamente para tomarmos um chope num local que conhecia da rua São José, no centro da capital carioca. Aceitei prazerosamente o convite e aí conheci o “Ulrich”, um tradicional restaurante perto da saída das Barcas. A entrada era uma daquelas portas de vai-e-vem, típicas de bar de faroeste americano. À noite, por volta das 18 e trinta, 19 horas, funcionava mais como bar do que restaurante. Mário já conhecia um dos garçons, o Manuel, que tratava com intimidade por Manolo. Senhor alto, corpulento, calvície bem acentuada, cabelos brancos nas têmporas, não era de muito rir, mas nos dispensava um atendimento especial, sempre atento aos nossos pedidos e muito gentil no tratamento. Com a continuidade da frequência ao estabelecimento, Manolo foi-se abrindo um pouco mais. Tinha 72 anos, já se aposentara, mas teve que continuar trabalhando, pois o que recebia da aposentadoria não dava para sustentar a família. Morava numa casinha modesta no Rocha, subúrbio do Rio. Dava pena vê-lo se locomovendo das mesas até o fundo do restaurante, onde havia um balcão onde eram tirados os chopes ou colocados os pratos de salgadinhos ou refeições encomendados pelos fregueses. Já andava com certa dificuldade, arrastando os pés pelo chão do estabelecimento. Nossa mesa ficava do lado direito da entrada, encostada na parede. Dali até o mencionado balcão deveriam ser aproximadamente uns trinta metros. E Manolo ia e voltava, ia e voltava, talvez umas quarenta ou cinquenta vezes numa noite em que nos atendia. Mas, nunca perdia o bom humor ou deixava de trocar um dedo de prosa com os dois jovens advogados (ele não sabia, no início, que éramos Promotores de Justiça). Aliás, aquela região do centro da cidade, nas proximidades do Palácio de Justiça, era muito frequentada por juízes, promotores, advogados, serventuários.
           Eu e Mário passamos a frequentar o “Ulrich” quase todas as noites, após atravessarmos a baía. Nossa amizade com Manolo se solidificou com o passar do tempo e, certa vez, ele nos convidou a visitá-lo em sua casa, no Rocha. Por falta de tempo e de oportunidade acabamos não indo, mas me arrependo de não ter feito essa visita.
   O tempo, como sempre implacável, também passou rapidamente...,
       O “Ulrich” continua no mesmo lugar, acho que mudou de dono. Foi totalmente remodelado, as mesas de tampo de mármore foram substituídas por outras de fórmica, as cadeiras não são mais aquelas antigas, tradicionais... Na hora do almoço está sempre cheio, pois ainda serve alguns pratos de comida caseira, e a preços razoáveis, o que atrai muita gente que trabalha nas imediações...              Mas, à noite, não apresenta mais aquele ambiente de botequim antigo, tão característico das décadas de 50, 60 e 70 do século passado...
     Manolo não trabalha mais lá... Pelo tempo e por sua idade naquela época, deve ter falecido...
        A porta de vai-e-vem foi substituída por outra mais moderna, acho que de vidro temperado ...

O “LA MAISON”...
     Quando morava em Copacabana, já neste século, passei a frequentar um restaurante muito bom, na Avenida Atlântica esquina com rua Santa Clara. Ia lá almoçar aos sábados ou domingos, pois achava a comida muito boa e variada.   Carnes, peixes e frutos do mar diversos, bons vinhos e cervejas. Além disso, nos fins de semana, podíamos desfrutar da delícia que é a orla de Copacabana em dias de verão. Movimento intenso, muitos turistas, muita gente bonita desfilando pelas calçadas da Princesinha do Mar.
         Depois de algum tempo de frequência conheci o Waldir, um dos garçons do estabelecimento. Magro, alto, devia ter uns quarenta e poucos anos quando veio nos servir pela primeira vez. Começamos a conversar amigavelmente, ele nos disse que era de Porto Seguro, na Bahia, e já estava há algum tempo no Rio. Falava sempre na vontade de voltar para a terra natal, onde sonhava abrir um pequeno negócio. Mas, acabava adiando o sonho e ali continuava trabalhando. Segundo ele, pegava no serviço às 11 da manhã e só ia embora quando o estabelecimento fechava, lá por uma ou duas da madrugada. Devia receber um pouco mais por tão extensa jornada de trabalho, mas, convenhamos, era muito tempo em pé, indo e vindo das mesas espalhadas na calçada da Atlântica até o interior do restaurante.
        Waldir, com o tempo, sempre escolhia para mim o melhor camarão, a melhor peça de carne, sugeria o melhor vinho ou me trazia um chope bem tirado. Eu, também, como sempre fiz com todos os garçons que me serviram na vida, dava-lhe uma gorjeta extra, além dos 10% que vinham incluídos na conta. Aliás, e abro aqui um parêntesis: a gorjeta, que deveria ser uma gratificação para quem te serviu bem, acaba se transformando num extra que é dividido por todo o pessoal do restaurante: gerente, cozinheiro, caixa, mesmo que estes não o tenham atendido corretamente. O pobre do garçom, que foi atencioso, solícito, acaba recebendo uma ínfima parte daqueles dez por cento que já vêm na conta a pagar.
        Por isso, sempre fiz questão de dar algo mais, diretamente, àquele que me atendeu. Waldir, sempre humilde, agradecia:
          -- Obrigado, doutor, o senhor é um dos poucos fregueses que faz isso...
      Frequentei por vários anos o “La Maison”, deixei de ir lá quando mudei para outro trecho de Copacabana. Não sei se o Waldir ainda lá está ou se voltou para Porto Seguro...

O “MAXIMS”...
       Esse restaurante fica na esquina da Av. Atlântica com Fernando Mendes, ao lado do badalado hotel Copacabana Palace.
    Passei a frequentá-lo quando mudei para um apartamento do outro lado do Palace, quase esquina com Rodolfo Dantas.
     Ali conheci dois garçons que passaram a me atender com mais frequência: o Mauro e o Sebastião.
     Mauro deve ter pouco mais de 50 anos. Tem um discreto sotaque nordestino, me disse que mora em Niterói, depois do Barreto. Já Sebastião, o “seu” Tião, aparenta ter mais de 60, cabelos brancos e a calvície já aparecendo no alto da cabeça. Também mora do outro lado baía, acho que em São Gonçalo.
     Os dois atendem as mesas que ficam na calçada em frente ao restaurante. Muito atenciosos, logo fiz amizade com os dois.                Apesar de ser um restaurante situado num ponto considerado como o mais nobre de Copacabana, nada tem de extraordinário. Serve os mesmos pratos que a maioria dos estabelecimentos da orla, os preços também são semelhantes. Mauro gosta mais de um papo do que Sebastião, apesar de ambos serem muito atenciosos e sempre procurando agradar o cliente. Também sempre os gratifiquei com algo mais do que os dez por cento convencionais.
    Ficava imaginando o sacrifício que dois homens, já na meia idade, faziam todos os dias: pegar uma condução de casa até as Barcas, em Niterói, atravessar a baía de Guanabara e ainda pegar outro ônibus para chegarem a Copacabana. E, depois, em pé, ficarem servindo mesas o dia inteiro...
     Vida muito sacrificada, o que bem demonstra como a crise do trabalho afeta o Brasil. As pessoas, mesmo depois dos 60 anos, quando já deveriam estar pensando em gozar uma merecida aposentadoria, ainda serem obrigadas a trabalhar para manter o sustento da família...
    Vejo isso acontecer com várias outras profissões, como vendedores em lojas, motoristas de táxi e de aplicativos, etc...                  Pessoas com mais de 50 anos (algumas mulheres, inclusive), mesmo aposentadas pelo INSS são obrigadas a continuar trabalhando para sustentar seus padrões de vida...

“RESTAURANT, BRASSERIE E BISTROT...”
Pelo que li e ouvi, na França, “restaurant” é o estabelecimento mais fino, onde são servidas apenas refeições, nada de apenas um drinque ou um tira-gosto. E, geralmente, nos restaurantes, os pratos são mais sofisticados, os vinhos são de melhor qualidade, o ambiente é mais requintado. Infelizmente, esse tipo de estabelecimento é mais raro na Paris de hoje, invadida por fast-foods tipo MacDonald’s ou King’s Burger, de origem norte-americana ou mesmo “pubs” irlandeses ou ingleses. As cenas que já vimos de um almoço de uma família ou amigos tipicamente franceses, que começavam ao meio-dia e terminavam quatro horas depois, acredito que, talvez, só no interior do país. Naqueles almoços eram servidos de cinco a seis pratos, com um vinho diferente acompanhando cada um deles e, no final, ainda havia um digestivo, que podia ser um conhaque ou um calvados. Nos “restaurants” as mesas são cobertas por toalhas de linho, os guardanapos também são de pano, os garçons e maîtres estão impecavelmente trajados, usando casaca e gravata borboleta pretas. Exemplos são o ‘Le Nôtre” ou o “Tour d’Argent”. Não sei se ainda exigem que os clientes trajem paletó e gravata... Nada sei deles, só os vi em filmes e fotos...
       As “brasseries” são as cervejarias, onde se pode escolher uma cerveja entre as várias que são oferecidas, na pressão ou em garrafas, originárias de países de quase todo o mundo. Já encontrei a nossa “Brahma” tipo exportação em algumas delas. Nas “brasseries”, além de saborear uma gostosa cerveja estrangeira, você pode beliscar alguma coisa típica francesa, como o “foie gras”, ou os famosos “escargots”, ou talvez uma bandeja (“assiete”) de queijo ou de frios (“charcuterie”). Pode ainda tomar uma sopa de cebola ou de legumes e, se estiver com um pouco mais de fome, pedir um sanduíche misto de queijo e presunto (“croque monsieur”) ou acompanhado de um ovo frito (o “croque madame”). E, se estiver mesmo com fome de verdade, pode pedir uma refeição, que aqui é bem mais simples que aquela servida nos restaurantes tradicionais. Tudo sempre acompanhado do delicioso pão francês e da saborosa mostarda de Dijon.
        Já o bistrô, muito mais popular entre os franceses, assemelha-se um pouco ao nosso tradicional botequim, que hoje só é encontrado nos subúrbios do Rio. Serve de tudo: cerveja, vinho, destilados, aperitivos (como o Kir e o Ricard); tira-gostos variados para beliscar (“grignoter”); pratos simples para uma refeição ligeira e, até mesmo, um simples café, onde o freguês pode ocupar uma mesa por horas lendo um livro ou, nos dias de hoje, atualizando sua caixa de e-mails.
         Fiz essa distinção acima, sem ter certeza de que é realmente a correta entre os franceses, para destacar que, como sempre, prefiro os bistrôs quando vou a Paris. Apesar de uma vez ou outra ir a uma brasserie, onde bebo uma saborosa Guiness irlandesa.
      E, nessas andanças pelos bistrôs parisienses, conheci alguns garçons extraordinários que, em pouco tempo, tornaram-se meus amigos, recebendo-me sempre com um largo sorriso nos lábios e um forte abraço quando chego à capital francesa. Trocamos cartões de Natal, levo e recebo pequenos presentes quando os revejo. Para mim e, acredito para eles também, é sempre um motivo de alegria os nossos reencontros.
      Sei que muita gente diz que os franceses, principalmente os garçons, são mal humorados, ríspidos, até grossos no tratamento com os clientes, em especial os estrangeiros. Pode até ser que isso ocorra com um ou outro, para consolidar as exceções à regra. Mas, certamente, isso não ocorre com aqueles que vou mencionar agora.


“LE TABAC DE LA SORBONNE...”
          Já disse em publicações anteriores que o local onde costumo me hospedar quando vou a Paris é o quinto distrito (“5ème arrondissement”), mais conhecido como Quartier Latin, ou bairro Latino. Foi ali que eu e minha família ficamos em 1957, quando eu tinha 14 anos de idade. Meu pai resolveu nos levar a todos para mais uma viagem que faria à Europa, onde participaria de um curso de especialização num famoso instituto de medicina do mundo, o Centre International de l’Enface. Fomos eu, meus dois irmãos, minha mãe e minha avó, acompanhando meu pai. Ele já deveria ter-se hospedado anteriormente no mesmo hotel em que ficamos, o “Excelsior”, na rue de Cujas, a um quarteirão da Sorbonne. Devo ter herdado dele o gosto e a admiração pelo bairro, sempre alegre e esfuziante, reduto dos estudantes que frequentam a famosa faculdade e um dos lugares mais tradicionais de Paris, que ainda mantém um pouco (infelizmente, só um pouco) da atmosfera da cidade antes das duas guerras mundiais. Talvez pela presença maciça dos estudantes, muitos deles originários de outras partes do mundo, que mantêm a espontaneidade e a alegria próprias de suas idades e de seus países de origem.
        Nunca mais me hospedei no Excelsior, mas sempre em outros hotéis das redondezas: Senlis, Cujas, Sorbonne, Pantheon, Suez e, mais recentemente, Home Latin e Mercure Notre Dame Saint Germain.
        E, em muitas dessas viagens, ia tomar o café da manhã ou fazer uma refeição ligeira no “Tabac de la Sorbonne”, um simpático bistrô localizado na praça da faculdade, quase na esquina do Boulevard de Saint Michel. É um misto de bar e restaurante, tendo mesas na parte interna e várias outras espalhadas na calçada em frente.
        Numa dessas vezes, enquanto me servia um “petit déjeuner” completo (café com leite, pão francês com manteiga, suco de laranja, croissant e geleia), o garçom (em francês “serveur”), um senhor já começando a ficar grisalho, cabelo cortado tipo “escovinha”, perguntou-me educadamente (em francês, é claro):
         -- Bom dia, já reparei que o senhor costuma vir tomar seu café da manhã aqui conosco com frequência. De onde o senhor vem?
       -- Brasil. Rio de Janeiro – respondi, abrindo um sorriso amigável.
            -- É um prazer servi-lo. Estou ao seu dispor, qualquer coisa é só me chamar.
            Seu nome era Jean Claude. Disse-lhe meu nome também. E, nos dias e anos seguintes, sempre que eu chegava ao “Tabac” para o café da manhã, ele se apressava em me atender, falando rapidamente:
             -- “Bonjour”, Carlos.
          Transitava rapidamente entre as mesas, tanto as do lado de fora como as internas do estabelecimento. Nas horas de maior movimento era auxiliado por um outro garçom. Mas, normalmente, fazia todo o trabalho sozinho.
        E, ainda era o guardião da chave do banheiro, que cedia prazerosamente às senhoras que queriam ir ao “toilette”. Não sei se os homens também podiam usar o “reservado”. Eu, pelo menos, nunca usei. Mas, minha mulher e minha filha sempre tinham que pedir a chave a Jean-Claude. Isso era talvez porque o bar-restaurante era muito frequentado pelos estudantes da Sorbonne e também de um Liceu que ficava do outro lado do Boulevard de Saint Michel. Os responsáveis talvez tivessem receio de que a garotada pudesse se trancar no banheiro e fazer alguma coisa reprovável.
         Como era também uma tabacaria, sempre havia uma fila junto ao caixa para comprar cigarros. Os franceses são conhecidos por fumarem muito...
       Quando o movimento estava mais fraco, Jean-Claude ficava em pé ao meu lado e conversávamos bastante. Queria saber coisas do Brasil, onde nunca estivera. Mostrei-lhe fotos de Copacabana, de Icaraí, ele ficou maravilhado. Morava num subúrbio de Paris, pegava o trem todos os dias para ir e voltar do trabalho. Trocamos endereços, na época do Natal enviávamos cartões um para o outro.
Aposentou-se há pouco mais de um ano e acho que faz muita falta ao estabelecimento. Pelo menos, foi o que me disseram dois dos gerentes que ficam junto ao caixa.



                         “Tabac de La Sorbonne” (foto da internet)





                                            Jean Claude



O “LE DÉPART...”
         No Boulevard de Saint Michel, número 1, do lado esquerdo, esquina com  o rio Sena, fica um também misto de bistrô e restaurante, o LE DÉPART SAINT MICHEL. Serve almoço e janta (pratos simples, cardápio modesto), petiscos, doces, cerveja e tem uma razoável seleção de vinhos franceses.
         O ponto é espetacular. Ali em frente há uma estação de metrô, uma das mais concorridas de Paris: a Saint Michel, que dá acesso à linha 4, do metrô regular e a duas linhas do RER (o metrô rápido), a C e a B. Dessas estações desembarcam ou embarcam pessoas do mundo inteiro (atualmente, mais os asiáticos), carregando apressadas suas malas pela calçada do boulevard famoso, carinhosamente apelidado de Boul’mich. Do outro lado, um pouco mais à esquerda do “Le Depart”, numa pequena praça, está a fonte de Saint Michel.



     
                                    Fonte de Saint Michel


             Sentados numa cadeira, assistimos aquele movimento constante e sempre volumoso de pessoas, para lá e para cá, tentando atravessar uma ponte sobre o Sena, ou subindo o boulevard, em direção a hotéis, lojas, a Sorbonne ou o Jardim de Luxemburgo, mais acima. Bebendo um cálice de “Sancerre” (meu vinho tinto preferido), degustando uma “assiete” de 6 escargots ou de “foie gras”, apreciando uma refeição (que pode ser o “veau à milanaise” com espaguete), ou engordando com uma deliciosa torta de limão coberta de suspiros (merengue)...
           Depois de algumas viagens a Paris, o “Le Depart” passou a ser um dos meus locais preferidos. Fiz amizade com alguns garçons, mas aquele com quem tenho mais afinidade é o Éric. Baixo, magrinho, usando óculos de lentes grossas, é extremamente simpático e agradável. Gosta de um bom papo, dei-lhe um escudo de metal com a bandeira do Brasil, ofertou-me uma garrafa de vinho caseiro que disse ter fabricado e, toda vez que entramos no restaurante vem rápido nos atender, indicando as mesas em que está servindo e, como sempre, cobrindo-nos de gentilezas.


                                                  Éric

Le Depart Saint-Michel

 
O “QUARTIER GREC...”
         Dentro do “Quartier Latin” há um pequeno quadrilátero que é limitado pelo rio Sena acima, pela rua de Saint Jacques de um lado, pelo Boulevard de Saint Michel do outro e pelo Boulevard de Saint Germain des Près abaixo (dependendo, é claro, da posição em que você se encontra). Dentro dele existem pequenas ruas estreitas, repletas de restaurantes típicos, de cozinhas diferentes, como a francesa, a mexicana, a italiana, a vietnamita, entre outras. Mas, neles trabalham, em grande parte, garçons de origem grega. Daí passei a chamá-lo de “Quartier Grec”. Suas ruas principais são a Harpe, a Huchete, a Saint Séverin, a Xavier Privas e uma curiosamente chamada de “rue du Chat qui Pêche”, segundo alguns, a rua mais estreita de Paris (não sei se é verdade). Nesse local também está uma das igrejas mais bonitas da cidade, pouco conhecida pelos turistas: a Saint Séverin. Suntuosa, magnífica, escondida num canto do bairro...
         Ali almoço em dois restaurantes onde fiz amizades com os garçons: o Demi Lune e um outro (cujo nome não me recordo), mas onde trabalha um desses garçons. Esses só servem refeições, apesar de serem muito simples e de preços acessíveis. Não servem apenas aperitivo, tira-gosto ou um cafezinho.
         Na “rue de la Huchete” no restaurante cujo nome não recordo, trabalha o Pandeli. Baixinho, um pouco obeso, calvo, um espesso bigode acima do lábio superior, sempre um sorriso amigável a nos receber. Já trabalhou em três restaurantes onde almocei, todos de patrões gregos, ele também grego. Quando estou em Paris e vou comer no Demi Lune, ele sempre passa por lá para me cumprimentar e me convidar a almoçar no outro dia no restaurante onde trabalha atualmente, lá na Huchete.  Pandeli é uma figura: nos recebe com um abraço, traz um Kir por conta da casa, indica-nos o melhor prato do dia.



                                          Pandeli

         Na esquina da rue Saint Sévérin com rue de Harpe está o “Demi Lune”. Restaurante simples, um portinha dando para St. Sévérin, cinco ou seis mesas na parte de baixo, outras cinco na parte superior do jirau, o bar nos fundos, a cozinha e o banheiro no subsolo. Mas, comida boa, bem feita, principalmente a pierrade, que é um prato onde eles trazem a carne crua cortada ao lado de alguns legumes também crus, e uma chapa de  pedra bem quente, onde você coloca a carne para cozinhar no ponto que você deseja. Coloca antes bastante sal na pedra e se serve dos molhos que acompanham as carnes e legumes (bernaise, mostarda, poivre verte, curry, etc ...). Delícia... Pode acompanhar com uma garrafa de um bom Bordeaux ou Brouilly. Também a água mineral para não ressecar...
          O “Demi Lune” também só serve refeições. Ali não se senta para tomar apenas um aperitivo, beliscar alguma coisa leve ou degustar um café... Apesar de se denominar restaurante, é bem simples e a comida é muito boa... Como a maioria dos restaurantes populares de Paris ele também oferece a opção da “formule” ou “menu”, como os franceses preferem chamar. É uma combinação onde você escolhe uma entrada, depois um prato principal e uma sobremesa, entre algumas opções que eles selecionam e paga um preço bem mais em conta se fosse pedir os pratos separadamente. As “formules” variam de preço, dependo dos pratos que são colocados como opção para o cliente. Alguns restaurantes oferecem ainda uma “formule” mais barata onde você escolhe, apenas, a entrada e o prato principal, ou este e a sobremesa.
      Ali conheci o Nicolas. Também grego, gordinho, adora conversar. Só que o francês dele (como o meu) não são muito bons, só consigo entender parte do que ele diz. Conta muito sobre sua terra natal, adora futebol, presenteou-me com um DVD sobre Maradona e Pelé, retribuí a gentileza oferecendo-lhe um outro DVD sobre Garrincha...
          Depois que o Pandeli deixou o “Demi Lune”, ali foi trabalhar o Momô, também grego, baixo e gordinho, beirando os 60 anos. Usa um avental onde exibe vários “botons” e escudos. Dei-lhe um do Botafogo, que ele usa até hoje com muito orgulho...
       Nicolas e Momô vivem resmungando, um reclamando do outro em voz baixa... mas, acabam se entendendo... O bom é que os dois me atendem muito bom, sempre com muita cordialidade e atenção...
   

                            Momô, na porta do “Demi Lune”


                                                   Nicolas


O “LA GUEUZE...”
        Uma das principais brasseries de Paris, que frequento desde 1990, quando me aposentei. Fica perto do hotel onde me hospedava naquela época, o Senlis, junto do Pantheon e do Jardim de Luxemburgo.
        O “La Gueuze” fica no início da rua Soufflot, , próximo à Praça Edmond Ronstand. Gostava mais dela até mudar de dono, acho que em 2014. Um grande salão com várias mesas, tem também uma parte externa envidraçada na entrada, na calçada da Soufflot. Servia várias tipos de comida, ressaltando-se a “pierrade” e “la choucrute”. Tem uma razoável carta de vinhos e uma excelente variedade de cervejas de vários países. Também serve só bebidas e tira-gosto, sem a obrigatoriedade de fazer uma refeição à “la carte”.
       Depois que mudou o proprietário, o serviço caiu um pouco. Não há mais tanta variedade de cervejas, como também dos pratos no cardápio. Fizeram uma reforma na decoração, que perdeu aquele ar de um típico bistrô francês, ficando mais moderninho, mas não chegando a ser um “fast food”.
        Lá conheci o Kamel, um marroquino (seria argelino?) em 1997, segundo me recordo. Havia levado minha filha e meu neto naquela viagem. Ficamos hospedados no Senlis, como habitualmente. Num fim de uma tarde, meu neto estava com fome e pediu-me para comer alguma coisa. Minha filha preferiu ficar descansando no hotel, eu e Diego fomos ao “La Gueuze”. Enquanto fazíamos um lanche, meu neto ficou brincando com meu chaveiro e, só no dia seguinte, fui dar pela falta do mesmo. Procurei em vários lugares e voltei ao restaurante para saber se havia ficado lá.        Chamei o mesmo garçom que me atendera na véspera e perguntei-lhe sobre o chaveiro. Pediu-me que o descrevesse. “Várias chaves e um escudo grande do Botafogo em metal”. Ele foi até o balcão do estabelecimento e me trouxe o chaveiro. Agradeci-lhe, perguntei seu nome e daí em diante, sempre que voltava no “La Gueuze” procurava pelo Kamel. Sempre também me recebia com satisfação, dando-me um abraço e me servindo com muita atenção. Deu-me seu endereço em Paris e trocamos cartões de Natal por alguns anos.
      Mesmo depois que houve a troca de proprietários, ele ainda continuou trabalhando na “brasserie”. Mas, há uns dois anos atrás disse-me que estava pensando em sair, em abrir um negócio só dele, lá perto de onde morava, em La Villete.
          Realmente, fez isso. Não o vi mais quando voltei a Paris.
       
         Mas, ainda vou ao “La Gueuze” saborear uma “Guiness” e comer uma “pierrade” ou um “chucrute...


       Devo destacar, ainda, apesar de não ser frequentador assíduo, mas sempre encontro quando vou lá, um garçom de Montmartre, ao lado da Place de Tertre, a praça dos pintores daquela região boêmia de Paris.
        Acho que seu nome é Jacques, não tenho certeza. Mencionei-o aqui, apenas por trajar ele um uniforme de um francês típico. Mas, nunca conversei mais longamente com ele. Já trabalha no mesmo restaurante há muito tempo no mesmo local, sempre o encontro quando vou a Montmartre.


                                                Jacques (?)

       Bem, essa a minha experiência com vários garçons que conheci desde a juventude. Sempre os tratei muito bem, reconhecendo a dura jornada de trabalho que enfrentam e a obrigação de sempre manter um sorriso nos lábios para agradar a clientela...
     Trate bem quem lhe serve que será recompensado... Gratifiquem bem os garçons que eles servirão melhor a você... Ganhará algum novo amigo em algum lugar...